Ensinança 1: Chamado à Ordenação
        
        Se bem  que em Cafh todas as almas estejam chamadas à Suprema Renúncia, somente poucas  a realizam mediante a Ordenação.
        Seria  impróprio crer que todas as vocações de Ordenação se manifestam e se  desenvolvem do mesmo modo; mas em todas há um ponto similar que poderia ser  chamado: a moção divina interior nas almas.
        Este  chamado interior, intenso ou vago, pode ser insistente ou passageiro; pode  causar atração ou ser, em princípio, rejeitado. Porém, fundamentalmente, é  sempre o mesmo: um sentimento interior  inexplicável que chama a alma à mais perfeita vida mediante a Ordenação.
        Aquele  que experimenta esta moção interior, este chamado divino, está obrigado a  corresponder-lhe.
        Mas,  quando a vocação nasce da imaginação fantasiosa, dos desejos pessoais, das  desilusões e amarguras humanas, deve ser rejeitada porque esta não é uma  verdadeira vocação. Não obstante, estas inclinações errôneas podem estar junto  a uma verdadeira vocação, mas somente na alma que em um determinado momento  sentiu a moção divina interior. Então, estes impulsos naturais têm que ser  excluídos como paixões e obstáculos que impedem a verdadeira vocação.
        As almas  que sentem esta moção interior de um modo vivíssimo e intenso experimentam como  se uma súbita ferida lhes fosse feita na alma. Não podem esperar nem estar  contentes, nem se conformar em nenhum lugar nem com nada. Já nada chama sua  atenção e tudo o que as afasta do chamado divino é para elas causa de pesar e  de tristeza; tudo o que impede ou atrasa o cumprimento de seus desejos é para  elas como morte.
        Estas  almas não admitem dilações e sobem rápido o Caminho da Renúncia.
        As almas  que sentem o chamado interior de um modo vago, quase sempre tardam em realizar  sua vocação; em geral, não sabem correr no caminho da perfeição e sobem passo a  passo ao cume. As almas com esta característica correm o risco de fracassar se  não forem dirigidas por um bom Diretor Espiritual. Como são pouco dispostas aos  grandes sacrifícios, quando se encontram frente a um grave problema, não  se acreditam já aptas para nada; e é  aqui onde faz falta a mão firme do Diretor.
        Também há  períodos na vida destas almas em que a vocação parece completamente esquecida,  mas não é assim: a verdadeira vocação não morre nunca, se bem que as brasas  estejam tão tampadas pela cinza que não se possa vê-las; mas um pequeno  movimento, um renovado fervor, uma leitura santa bastam para voltar a  avivá-las.
        A moção  interior vaga vai se fazendo habitual para a alma até transformar-se em uma  bela realização vocacional.
        As almas  que sentem o chamado divino através de uma moção interior insistente, mas  irrealizável, são aquelas que estão mais atadas aos laços humanos e às  obrigações da vida: estas almas vão dilatando então o cumprimento de seus  desejos; mas a moção divina está sempre ali, sempre alerta em seu interior.
        A alma se  acostuma a este santo e insistente desejo e quereria realizá-lo, porém não faz  tudo o que está ao seu alcance para pô-lo em prática. Em tal  circunstância, a força divina que a chama à Ordenação se vale de qualquer meio  para despertá-la e prova a alma com dores, luto e perdas sensíveis para movê-la  ao cumprimento de sua vocação.
        Não  obstante, estas almas, uma vez que abandonaram toda preocupação e romperam os  laços mentais e sentimentais que as tinham atadas ao mundo, entregam-se  plenamente à vocação espiritual.
        As almas  que recebem a moção interior vocacional de um modo completamente fugaz e  passageiro tardam no cumprimento de sua realização. É este um desejo interior  que se faz presente na intimidade da alma, mas depois passa e algumas vezes  parece não deixar nem rastro nem recordação. No entanto, o toque divino, uma  vez que foi dado, não pode jamais ser apagado; às vezes, passam-se muitos anos  e um dia, de repente, a idéia vocacional volta a fazer-se presente, o  sentimento divino move o coração poderosamente e a alma empreende afinal o caminho  para o qual foi escolhida.
        As almas  que sentem a moção interior e são poderosamente atraídas por ela, respondem com  espontaneidade à vocação. Mas, em seguida que manifestam seu propósito, uma  onda de provas e de tormentas se levanta contra elas: costume, família, raça e  mil outros fatores surgem impetuosos, para lhes impedir sua intenção. É então  que estas almas se sentem, de repente, diminuídas e acovardadas e não atinam  com nada. Tenham elas cuidado com estas provas, porque estas grandes tormentas  não são duradouras, e, quanto mais fortes são, tanto mais rapidamente passam;  elas voltam, então, a encontrar força, compreensão e meios para responder ao  chamado.
        As almas  que não fazem violência à moção interior são levadas suavemente à Ordenação
        Nada parece  opor-se, tudo vai se desenvolvendo paulatinamente e sem inconvenientes. A  vocação vai abrindo passagem em seu interior pouco a pouco, como se isso fosse  uma conseqüência natural e lógica de suas vidas. Nada nem ninguém põe  obstáculos. A moção interior, nascida com espontaneidade, parece protegida de  todo vento contrário.
        Mas não  se descuidem, que já virá a prova a seu tempo.
        As almas  que sentem o chamado interior e o rejeitam sistematicamente são muitas. Elas,  ante a idéia de abandonar o mundo e seus seres queridos, em vista das privações  e das lutas que as esperam, atemorizam-se e rejeitam plenamente a vocação.
        Quantas  almas santas passaram por este terrível estado e quase foram levadas à força  pelo Caminho da Renúncia!
        Em certas  ocasiões estas almas foram postas a provas duríssimas e drásticas, e quase  foram arrastadas para o cumprimento de sua missão de Ordenados, que realizaram  depois magnificamente.
        Todas as  almas destinadas ao Santuário, tarde ou cedo, se forem bem dirigidas, cumprirão  com seu divino destino.
        A Divina  Mãe é quem chama seus eleitos, e isto é o fundamental e o que vale na vocação.  A preparação e o modo de cumprir o mandato divino se efetuam de muitas  maneiras.
        Mas,  quando uma alma recebe a moção interior divina, tem iniludivelmente que corresponder  ao sublime chamado.
        
      
      Ensinança 2: Discernimento Vocacional
          
        A vocação  de Ordenado é um sentimento inquebrantável da alma; é um estado obscuro do ser;  é uma idéia determinante da mente; é uma segurança desconhecida do próprio  destino e da própria eleição.
        Eis aqui  como uma alma descreve a seu Diretor Espiritual este estado vocacional: “Que  estranho! A cada dia reconheço menos todas as coisas e os seres que antes me  eram familiares. Tenho a sensação de que estou sonhando quando os vejo e vejo o  mundo que me rodeia. Agora sofro somente por meu egoísmo, por minhas faltas e  por todas as coisas que ainda não querem morrer em minha personalidade. Quisera  morrer realmente, e medito muito na morte para deixar minha humana, frágil e  infeliz personalidade. Porém, como está arraigada! Esta é minha dor e minha  cruz mais dura: ver-me assim, com tantas graças imerecidas e tão endurecido de  maldades! Não compreendo isto e meu Diretor nunca quis explicar-me: somente me  disse que são cruzes. Eu não sabia que as faltas eram cruzes... E são ou devem  sê-lo em proporção ao anseio real de pureza, inocência e humildade, que é agora  a única aspiração de minha alma! Que duro cair, e que feio e triste!  Verdadeiramente se não for Ela a que intervém, está-se perdido! E se Ela o  quer, como se muda! É impossível crer sem vê-lo! E tudo sem mérito, sem  virtudes: porque Ela quer, simplesmente... Que grande negócio morrer para  ressuscitar! Que triste e ruim viver sem renunciar; perder a dinâmica pela  terrível estática do apego!” A vocação é verdadeira quando o que se sente no  interior é amor, nada mais que amor, e esse amor, através das provas e das  contrariedades, torna-se mais seguro, mais inquebrantável.
        A vocação  é verdadeira quando o amor está tão seguro de si que não deseja consolo, nem  quer ser compadecido, nem distinguido, nem compreendido, senão que lhe basta o  amor da vocação, que leva em si.
        Se a  vocação é um sentimento volitivo, uma força de amor, não necessita de outro  amor que a sustente nem que a preencha, porque se sustenta em si, de seu  próprio amor vocacional.
        A vocação  é um sentimento inquebrantável da alma, porque nasce como nasce o verdadeiro  amor: sem saber o porquê, nem quando nem como.
        Os  desejos de vocação, contrários à verdadeira vocação, são incentivos sensíveis,  quase corporais, que se baseiam sobre certas tendências do ser a parecer diferente  dos outros e a conseguir algum dom característico e especial. Estes desejos  sempre levam ao fracasso e à decepção; é necessário que o Diretor Espiritual  esteja bem atento em não confundir desejo com amor. Se o aspirante se  entusiasma facilmente, se é deixado levar pelos afetos e pelas lisonjas, se faz  facilmente amizades particulares e ama conservá-las para si, é duvidosa sua  vocação.
        A vocação  é um estado obscuro do ser, porque as coisas claras são somente as humanas, mas  os estados que aproximam de Deus são obscuros, porque Deus é sempre obscuridade  para a alma. É um estado obscuro porque não é explicado com as razões lógicas  nem com o atuar comum de outros seres humanos, mas somente porque é algo  indeterminado, porém, irresistível.
        A  verdadeira vocação não pode ser explicada humanamente, mas somente intuída  divinamente.
        Quem  quiser razoar muito e cavilar sobre a vocação, perde seu tempo; faz um poço no  mar. Mas aquele que se abandona confiadamente nos braços de sua vocação, que  são os braços da Divina Mãe, alcança as margens eternas.
        A vocação  é uma idéia determinante da mente, segura de seu bom resultado e de sua  perseverança final, porque nasce no interior e tem sua raiz na Voz Divina que  chamou a alma à Senda da Renúncia.
        Quando  uma alma tem muitas idéias vocacionais, fracassará. O real nunca é o que se  pensou ou sonhou.
        As idéias  vocacionais que nascem da fantasia nunca são a idéia da verdadeira vocação, nem  a vocação em si. Se  o aspirante, de antemão, pensa como será a nova vida que o espera, como serão  os companheiros que a sorte lhe dará, o lugar onde viverá, as tarefas que terá  de cumprir, deve-se desconfiar muito dele: está construindo a priori, seu  próprio castelo no ar; não está pensando em sua verdadeira vocação.
        A vocação  é uma idéia que está ali, permanentemente, exclui todas as outras. É uma idéia  que chama e repete: esse é teu destino, ali te quer Deus. Não forja nenhuma  ilusão; nenhuma fantasia cabe ali.
        A vocação  é uma idéia que se torna um hábito permanente da mente, que se centraliza nela,  que rejeita tudo sistematicamente, persistentemente. É uma idéia que, pela  segurança e pela continuidade, torna-se efetiva, permanente; faz-se uma força  viva e iniludível. Ela não é mais do que uma idéia, mas é a idéia única da  vocação e, diretamente, determina a vida do ser. Tudo poderá mudar, mas não a  vocação; não essa vocação.
        A vocação  é uma segurança desconhecida do próprio destino, porque se sustenta sobre um  impulso interior, íntimo, divino.
        Não há  maior segurança aqui, sobre esta Terra, que aquela de saber-se eleito,  divinamente eleito.
        Quando  uma alma através do chamado divino, sente-se eleita para uma vocação, sua  vocação é segura para o resto de sua vida. Ainda que o chamado não tenha sido  mais do que uma pequeníssima moção interior nem por isso deixa de ser tão real  como se a própria Voz da Divina Mãe lhe falasse ao ouvido.
        Capitular  ao chamado divino seria o pior dos males; mesmo se todo ser se rebelasse, o chamado  divino, permaneceria ali, intacto, e sempre, aquele que não respondesse teria  sobre si uma terrível carga.
        O chamado  é mais seguro quanto mais visivelmente desconhecido; porque ao estar  visivelmente desconhecido está mais arraigado na parte íntima, obscura e divina  do ser; mais enraizado sobre a rocha inamovível da Divindade. 
      
        Ensinança 3: Contato com a Comunidade
          
        A  preparação para a vida de Ordenação é um esforço constante de muitos meses que  faz a alma habituar-se a uma tensão nervosa superior à comum.
        A alma,  não acostumada a esta corrida psíquica, ao chegar à Casa de Comunidade, sente  um choque violento.
        As  pombas, cegadas pelo reflexo do sol, despedaçam-se contra as paredes brancas  das casas. Assim acontece com a alma que vem do mundo iluminada pelo sol divino  da vocação e que não sabe deter-se a tempo ante a mudança de vibração que  experimenta ao ingressar no seminário. É necessário pôr sinais de aviso e o  melhor sinal de aviso, neste caso, é o exame retrospectivo da vida passada.
        Enquanto  o pensamento corre para trás, olhando o caminho de vida percorrido, a mente irá  afrouxando a tensão determinante, o coração afrouxará suas pulsações de imenso  desejo e, pouco a pouco, na imobilidade anímica, os olhos começarão a ver o  novo mundo onde penetraram.
        Que a  alma penetre no silêncio da Santa Casa, lentamente, sem esforços.
        Ao  ingressar no seminário, as normas de vida têm que ser ditadas paulatinamente,  as advertências dadas aos poucos. Diziam os anciãos aos que voltavam após  andar, muito acalorados e com sede: “esperem um pouco, não tomem água ainda”.
        Depois  deste choque violento, é quando a alma se põe em contato verdadeiro com sua  vocação, e abarca seu sentido em toda sua magnitude, porque a vocação e a alma  se olham aqui frente a frente, não através do véu do ideal desconhecido, mas em  contato com a simples realidade.
        Assim que  a alma se põe em contato com esta força concentrada, que é a vida de  Comunidade, e que se manifesta através de um estado interior completamente  novo, sente que todas as suas potências naturais afrouxam, debilitam-se.
        As chagas  da alma, até as mais velhas e remotas, evidenciam-se; tudo o que estava  escondido aparece como se frente a ela se abrisse uma grande tela.
        Os mais  velhos desejos e maus instintos afloram, e tudo o que se acreditava abandonado  para sempre adquire nova vida.
        A Grande  Corrente atua nestes primeiros dias como um grande compressor, extraindo todos  os humores, até os mais íntimos e ocultos. A alma sente sua miséria e, quanto  mais esta miséria se manifesta, mais se agiganta a grandeza e a pureza da  vocação espiritual posta diante dela.
        O  silêncio permanente do seminário, a ausência de toda pessoa estranha ali, a  impossibilidade de comunicação, e o não saber nada de ninguém, dá à alma a  sensação de que lhe é tirado todo apoio, e que pode cair a cada instante sem  que ninguém possa ajudá-la a levantar-se.
        Os seres  têm consigo, durante todo o dia, o excitante da curiosidade, distraindo-se e  fugindo continuamente do que devem fazer e pensar. Mas o silêncio quase  sobre-humano do seminário tira todo estupefaciente de variedade, e este  silêncio torna-se angustiante e doloroso. Poucas são as almas privilegiadas  capazes de entrar no silêncio e submergir imediatamente nele.
        Os olhos  sempre baixos, a ausência de imagens e de figuras produz a impressão de que  algo se dilacerou, rompeu-se; é como se as imagens do mundo houvessem adquirido  uma nova forma ideal e já não fossem o que são.
        O costume  de não dizer nunca o que se quer ou desejaria, o canto das orações e hinos  repetido quase sem interrupção, produz um vazio físico na boca do estômago,  doloroso e persistente, dando à alma a impressão de que já não tem força nem  capacidade para nada.
        A  aparente monotonia do ritmo regulamentar, as horas que se repetem sempre iguais  através dos exercícios que se sucedem durante todo dia, o novo modo de  caminhar, de dizer, falar e estar produzem um doloroso choque na alma. Mas esta  dor é indispensável, pois é como a passagem para um novo nascimento.
        A alma,  posta dentro da vibração de Comunidade, é submetida a uma pressão constante até  acostumar-se a desprezar os movimentos excitantes e desconexos do mundo. Mas  esta dolorosa contração, que em um princípio martela o cérebro e o deixa  cansado, dilacerado e vazio, vai seguida de um período posterior de  indiferença, de relaxação e de silêncio interior. E é dali que surge, de  repente, a visão e o sentimento da conformidade e da paz.
        E esta  visão maravilhosa de paz localiza a alma definitivamente dentro do ritmo  perfeito e sereno da vida de Comunidade.
      
          Ensinança 4: Adaptabilidade
          
        O estado  vocacional está determinado por uma moção interior inconfundível, mas é  necessário secundar este dom divino para tirar do mesmo o maior proveito  possível.
        Os meios  habituais para secundar a vocação são de caráter físico, psíquico e espiritual.
        Estes  meios adaptam o ser para que seja plenamente apto para o cumprimento de sua  vocação.
        No caso  da vocação de Ordenados, o primeiro meio é aquele que se alcança adaptando-se  ao Raio de Estabilidade.
        Diz o  salmista: “Uma só coisa pedi ao Senhor, esta solicitarei: poder viver na casa  do Senhor todos os dias de minha vida”.
        As almas  desejosas de maior perfeição sempre buscaram os desertos, os bosques e os  mosteiros, para sua morada.
        A  localização das Casas de Comunidade, sobretudo aquelas de seminário, é quase  sempre afastada de lugares povoados e do bulício, rodeada com o sereno  espetáculo da natureza, que exerce uma poderosa influência sobre o sistema  nervoso do Filho. É como se o corpo se adaptasse ao ambiente e expelisse as  toxinas mundanas de seu organismo.
        Quantas  vezes se ouve dos lábios das pessoas que chegam pela primeira vez a uma Casa de  Ordenados a exclamação: “Que lindo lugar é este e que paz!” .
        Esta  adaptação ao lugar, ao Raio de Estabilidade, dentro do qual está situada a casa  de Comunidade, é tão poderosa e paulatinamente progressiva, que às vezes nem se  nota. Aqueles que devem afastar-se dele, percebem-no, às vezes, tão  intensamente que não podem ter paz nem sossego, e somente aspiram voltar à  beatitude de seu retiro. Sempre lhes acontece como aconteceu com a mulher de  Shangri-La que logo após afastar-se dali perdeu seu encanto e sua juventude.
        A  adaptação físico-ambiental revigora o organismo do Filho, as paixões de sua  alma se acalmam, os vórtices de sua mente são dominados; o dia passa rápida e  docemente, e tudo o que era importante no mundo se esfuma na uniformidade do  ambiente ou é idealizado através das recordações.
  É comum  observar pessoas que no mundo estavam fortemente apegadas a seus familiares,  costumes e hábitos, e que tanto sofreram no início de sua vida de Comunidade,  adaptarem-se depois radical e definitivamente à nova vida.
        A  adaptação psíquica acontece no seminário junto com a adaptação física.
        Para  compreender seu caráter é necessário haver experimentado em si mesmo o Poder da  Grande Corrente.
  É esta  uma adaptação dos sentidos a certos gostos peculiares, a certas finezas  interiores que o mundo não poderia compreender. Como, por exemplo: o reverente  amor pelos Superiores e companheiros, a sensibilidade para perceber certos  estados de ânimo dos companheiros ou dos alunos confiados aos Ordenados, o  sofrimento intenso ante uma repreensão, a capacidade de sentir gosto nas  pequeníssimas coisas ou acontecimentos e desfrutar deles. 
        Para as  pessoas que vivem no mundo este estado de ânimo poderia parecer pueril ou  afetado porque, para elas, é impossível compreender que a perfeição adapta as  almas psiquicamente, de tal modo que todas as emoções profundas afloram e, na  superfície, transformam-se em uma formosa pele de seda.
        E não é  somente a adaptação psíquica a que se experimenta na Comunidade, mas também a  dos sentidos, da inteligência e da intuição. 
        Um  Superior perguntou um dia, a um Ordenado, que força tinha para ele a Ensinança  ditada na Comunidade, e o Filho sabiamente respondeu: “Para os Filhos do mundo  as horas de Ensinança são tudo; esperam a reunião ansiosamente, bebem a  Ensinança dos lábios do Orador e sentem ali o Poder da Grande Corrente. Mas  aqui, na Comunidade, a hora de Ensinança e a própria Ensinança perdem sua  primordial importância. Nosso dia, seja orando, estudando ou trabalhando, está  todo impregnado pelo divino sentido da Ensinança interior e continuada”.
        Na  Comunidade, a adaptação psíquica da alma à Grande Corrente se faz efetiva e,  sobretudo, no tempo do seminário, o Filho tem o meio de adaptação espiritual.
        Quando  uma alma sabe que encontrou sua vocação, seu fim definitivo e, sobretudo,  imediatamente depois das incertezas e desconsolos dos primeiros dias,  subconscientemente vai cortando amarras.
        A  sabedoria de todos os tempos é a de Cortés: “Queimar as naves”. Queimam-se as  naves no interior, destroem-se as pontes sobre as quais o ser costumava deixar  correr suas fantasias mundanas e suas aspirações ilusórias. Então a luz do  Espírito, a vida da Divina Mãe, penetra pouco a pouco na alma.
        A idéia  espiritual vai se fortalecendo; todas as outras coisas que eram muito  importantes perdem importância e, aos poucos, a grande aventura espiritual  conquista o primeiro plano, transforma-se no ponto central e único.
        Este  processo de adaptação à vida de Comunidade e ao cumprimento da vocação de  Ordenado é, às vezes, lento e, às vezes, acelerado; às vezes, imperceptível e,  às vezes, bem visível aos olhos dos Superiores; mas é indispensável para a  perseverança.
        
        
        Ensinança 5: Sublimação do Sangue
        
        Muitas  almas que estão chamadas à vida perfeita não podem cumprir sua intenção porque  os laços de sangue as aprisionam de tal modo que as inibem para a separação.
        Unicamente  podem passar esta vala, aqueles que sublimam os afetos, transformando-os em uma  oferenda de amor à Divina Mãe.
        Todos os  seres humanos têm obrigações sagradas com seus familiares, obrigações que não  podem ser desprezadas como se fossem trastes, pois isso significaria grave  falta de caridade.
        O  aspirante, antes de tomar uma decisão vocacional, há de olhar tudo muito bem e  receber sábios conselhos para saber como comportar-se, como proceder e como  determinar-se com respeito aos familiares.
        Mas  quando todas as coisas estão ordenadas e a determinação firmemente tomada, a  alma já não olhará para trás.
        Muito  continuam postergando sua partida por extremo afeto e sentimentalismo, e outros  criam para si mesmos, obrigações que já foram resolvidas.
        Se bem  que o melhor seja deixar a família com alegria e com o bom consentimento de  todos, isso é coisa que poucas vezes ocorre, visto que os parentes dificilmente  compreendem o valor da renúncia. Mas, ainda que eles não estejam conformes,  deve-se procurar deixar na família uma boa impressão e um estado de ânimo tranqüilo.
        Os familiares  que, se bem que não tenham, absolutamente, necessidade de ter os Filhos a seu  lado, opõem-se a sua partida – para o cumprimento da vida espiritual – devem  ser deixados em sua obstinação, confiando-os à ajuda da Divina Mãe que, pouco a  pouco, irá tranqüilizando seus corações e moldando suas vontades na graça  santificadora da compreensão.
        Uma vez  que o aspirante pôs os pés na Santa Casa, deve valorosamente entregar seus  parentes à Divindade; desse dia em diante, somente voltará a encontrá-los na oração.
        No  entanto, é nas primeiras semanas de seminário, quando a parte física do ser  reclama mais do que nunca seu alimento de sangue.
        O ânimo  do Filho é invadido por uma profunda tristeza, uma grande saudade e a mente  lembra os familiares e os acontecimentos que se relacionam com eles.
  Às vezes  percebem que, sem querer, se bem que já estejam no seminário e contentes nele,  o coração segue estando na casa dos familiares. Este estado de ânimo, prova da  forte união dos seres consangüíneos, passadas as primeiras semanas, dilui-se  rapidamente, pois é mais uma questão de hábito que de apego.
        O Diretor  há de conhecer esse estado de ânimo dos primeiros dias e não impedir que os  Filhos chorem e se desabafem, pois isto lhes fará muito bem. O aspirante que  nos primeiros dias de seminário, sente saudade e chora, demonstra ser um bom  filho e, como tal, também será um bom Filho Ordenado.
        Depois  acontece a prova de responsabilidade. Estados familiares se apresentam à alma e  o coração começa a se perguntar se verdadeiramente seus pais ou parentes não  tinham ainda necessidade urgente dela. 
        Vêem seus  familiares caídos, doentes e ainda mortos por culpa dela. Tudo isto traz um  grande desassossego à alma, impedindo-a de orar e de cumprir devidamente com  suas obrigações.
        Só então é  que os Superiores têm que ensinar o Ato de Sublimação.
        Antes de  mais nada, não há responsabilidade pelo que já foi consumado.
        Se o  Filho, no momento de entregar-se à vida espiritual, viu que não havia uma  necessidade absoluta de que ele permanecesse em sua casa, conseqüentemente já  não há responsabilidade sobre os acontecimentos que ocorrerão depois.
        Além  disso, a alma, com sua entrega, fez-se responsável ante a Divina Mãe de uma  obrigação espiritual que, por sua natureza divina, é superior à obrigação de  sangue. Então, o Filho que vive sempre preocupado pelo estado de seus  familiares, pelo que poderia suceder-lhes, está faltando a seu verdadeiro  espírito de Ordenado e nem pode ajudar seus familiares nem cumprir bem com sua  vocação.
        A alma  que renunciou a tudo, que está morta para o mundo e para todos os seus afetos,  não pode fazer nada, humanamente, por eles.
        Mas ela  pode fazer muito por eles, divinamente.
        Um Filho  deixou sua mãe anciã, que somente contava com o escasso apoio de suas filhas.  Depois de vários anos voltou para visitar seus familiares e teve a grande  alegria de ouvir de uma de suas irmãs esta confirmação: “Desde que te foste,  Deus nos ajudou visivelmente. Tudo foi melhorando para nós”.
        Os Filhos  Ordenados são os mensageiros da Divina Mãe. Eles nada podem fazer, mas tudo  podem conseguir Dela, já que tudo deixaram por Seu amor. Ela se encarrega de  suas necessidades sem que o peçam: “Buscai primeiro o Reino de Deus e tudo o  mais vos será dado por acréscimo”.
        Mas, para  esta comunicação divina, é necessária a constante sublimação do sangue, e dos  afetos humanos, estado interior e místico que se alimenta com o sofrimento, com  o desapego, e com a renúncia feita sangue e carne, em si mesmo.
        Esta  contínua oferenda dos familiares à Divina Mãe fará também que o amor dos Filhos  para com os pais e parentes seja muito mais puro e maior do que era  anteriormente.
        Santa  Terezinha, sublimando constantemente o amor de seus familiares, chegou a um  amor tão puro e tão sublime para com eles, que os tinha unidos a ela continuamente,  na presença de Deus.
        O Filho  não creia que a Ordenação o afasta de seus familiares ou obriga-o a não  amá-los. O Voto de Renúncia acrescenta este amor já que se ama os familiares  divinamente.
        Então, a  recordação dos familiares, em vez de ser um impedimento, transforma-se em um  incentivo para a vida espiritual.
        No  momento em que os familiares estão passando por duras provas ou sofrem  contrariedades, em vez de cair, sentem alívio em suas almas e ainda em seus  corpos, e são divinamente ajudados.
        O amor  familiar dos Filhos, para ser verdadeiro, há de ser oferendado à Divina Mãe,  sublimado em um ato continuado de humana separação e de divina aproximação.
        
        
        Ensinança 6: Esquecimento do Mundo
        
        Não pode  haver uma dedicação total à Divindade sem um esquecimento pleno do próprio  passado.
        Ao cruzar  a Santa Porta da Ordenação, o Filho deve despojar-se inteiramente do homem  velho como se real e fisicamente nascesse para uma nova vida.
        Assim que  o Filho estiver no seminário fará um exame retrospectivo de toda sua vida  passada. Deter-se-á vários dias ou semanas nele sob a orientação do Diretor ou  de seu Diretor Espiritual.
        Procurará  recordar os fatos mais longínquos e esquecidos; os acontecimentos mais fúteis e  insignificantes, sem esconder nada nem ter vergonha de nada. Se for necessário,  porá tudo por escrito detalhadamente e ocupará suas horas de meditação nestas  recordações.
        Depois,  abrirá seu coração a seu Superior ou a seu Diretor Espiritual, sem reticências  nem pudor. Deporá a seus pés seu passado, para que ele o entregue como uma  oferenda à Divina Mãe, seguro de que ficará tudo no silêncio – e no segredo  mais profundo – aquele que ata do mesmo modo pai a filho: o Voto de Silêncio.
        Imediatamente  depois, recordações e papéis serão lançados ao fogo eterno do Divino Amor em  oferenda viva de entrega, e o passado ficará esquecido e morto para sempre.
        Está  claro que não se poderá voltar a tomar o que foi dado tão gratuita e  generosamente.
        O Filho  seja depois, zeloso em extremo em demonstrar este esquecimento do seu passado.  Nunca há de voltar sobre algum acontecimento ou palavra que possa revivê-lo.
        Evidentemente,  sobretudo no começo, isto será difícil e árduo. O passado surgirá na alma de  mil modos diferentes, procurando ocupar a mente e o coração do Filho.
        Serão nostalgias  que tocarão as fibras íntimas do ser, colocando-o em contato com acontecimentos  e figuras conhecidas e amadas.
        Serão  tristezas que disfarçarão as recordações de dor e miséria do mundo, para  mostrar os poucos momentos felizes vividos no vale.
        Serão  complexos de culpa frente às obrigações abandonadas que somente servirão para  avivar imagens que deveriam permanecer unicamente à presença da Divina Mãe, nas  horas de oração.
        Serão  estímulos sentimentais que procurarão refletir os quadros da carne e do desejo,  sob esse disfarce.
        Mas,  todos estes sentimentos e pensamentos não são mais do que tentações para  arrancar a alma da luz e da paz do mundo divino, e devolvê-la às sombras do  mundo humano.
        Quando a  alma não é muito forte e deixa-se levar interiormente, em demasia, pelas  recordações, este mal se exterioriza e é causa de atraso no caminho da  perfeição, e de muitas faltas de observância, e de falta de bom exemplo para os  outros Filhos.
        Isto será  notado especialmente nos recreios e nos passeios. Estes Filhos sempre deixarão  escapar palavras que lembram seu passado: “Quando eu era estudante em tal  escola”, “Dizia minha tia” “Em minha casa havia uma planta”.
        O Filho  que de verdade está totalmente entregue, esqueceu seu passado. Não tem passado.
        Não  nasceu aqui nem ali, porque nunca nomeia sua cidade natal; a seus bons pais e  parentes, somente os recorda e pronuncia seus nomes aos pés da Divina Mãe, e  não cita nenhuma imagem relacionada com sua vida no mundo.
        Seria uma  falta grave e indício de um espírito errado, recorrer às confidências  particulares.
        Nunca  nenhum Filho caia tanto na imperfeição.
        Quando  uma alma necessita confiar algo a outra que não seja seu Superior ou Diretor  Espiritual; quando necessita contar às escondidas, acontecimentos de sua vida  passada no mundo, isso significa que está atada a esse passado e que ele segue  vivendo nela, impedindo-lhe todo progresso em seu caminho de perfeição.
        E  gravemente falta o Filho que escuta tais confidências porque, por esse meio,  ele também volta ao mundo e ao passado: é como se desprezasse o maná celestial  pelas cebolas do Egito.
  É de se  imaginar que isto nunca há de suceder.
        Igualmente,  os Superiores deverão ser muito precavidos nisto. Não creiam que sua autoridade  os autoriza a lançar as almas no mundo. Sejam parcos nas perguntas, cautos nas  averiguações do passado e pouco amigos de confidências ulteriores.
        O Filho,  ao ingressar na Ordenação, fez seu exame retrospectivo; descarregou-se do fardo  de sua vida passada e o confiou a seu Superior ou a seu Diretor Espiritual.  Tudo isto está morto e enterrado.
        Se o bem  e a necessidade da alma obrigam a tratar destes temas, sempre se fará em  caráter de direção espiritual.
        Canta São  João da Cruz: 
  “Quedei-me  e olvidei-me, 
        o rosto  reclinei sobre o Amado”.
        Não pode  haver outro caminho. Na Senda Mística da Divina União não pode haver a menor  mancha nem a mais leve turvação.
        Somente  têm o bem supremo de reclinar o rosto sobre o Amado, aqueles que ficam ali  atentos unicamente à Divina Luz; aqueles que tudo esquecem; aqueles que tudo  abandonam; aqueles que, mortos para o mundo, têm o dom e direito único de  participar da Vida Divina.
        
        
        Ensinança 7: A Correspondência
  
        Os  Mestres orientais levam seus discípulos com eles à montanha, onde o inverno  rigoroso e a neve abundante impedem todo comércio com o mundo.
        O  Ordenado há de seguir sua Divina Mãe à alta   montanha da solidão para perder todo contato com o mundo. Esquecer e ser  esquecido.
        Mas  muitos Filhos Ordenados, no entanto, não sobem até o cume: ficam sempre na  metade do caminho para ter a possibilidade de uma tênue união com o mundo.
        Estes  Filhos são os que amam a correspondência e fazem muita questão dela.
        A  correspondência, apesar de quão necessária possa ser e das causas justificáveis  para mantê-la, é sempre um fio estendido entre o mundo e o Filho.
        O  verdadeiro progresso do Filho na prática da renúncia está marcado pela  correspondência que recebe e que envia.
        O Filho,  desde seu ingresso no seminário, aprende a controlar e a que controlem sua  correspondência, a escrever breve e pouco, a responder somente as cartas que  são indispensáveis; mas ainda isto não basta.
  É preciso  que a alma não ame a correspondência e a rejeite, para que espontaneamente  cesse quase por completo.
        Como os  Superiores são sempre, sobre este ponto, um pouco complacentes, é necessário  que a iniciativa do corte da mesma dependa exclusivamente da iniciativa do  Filho.
  É bom que  logo se comece este grande trabalho que há de cortar as comunicações entre o  Filho e o mundo.
        No  seminário, é costume escrever uma só carta por mês e aos familiares mais  próximos. Não obstante, os parentes e amigos, devido à novidade do caso e à  curiosidade que sempre estimula a vida afastada, costumam escrever além da  conta, com luxos de detalhes, relatando as novidades da casa e do circundante.  Aqui há de começar o trabalho demolidor do Filho.
        Antes de  tudo, tem que ler rapidamente e sem deter-se, todas as novidades que não lhe  concernem e conformar-se com saber o estado de saúde dos pais e de alguém muito  chegado. As cartas que são puramente amistosas e informativas hão de ser  esquecidas e silenciadas.
        Chegado o  tempo que tenha que responder, as cartas escritas por ele deverão ser simples,  claras e curtas. Não se detenha para comentar nenhum caso de pura curiosidade,  mas passe rapidamente das notícias gerais a avisos saudáveis referentes à alma  e à saúde dos familiares.
        Não sejam  excessivamente carinhosos, curiosos e extensos ao escrever, senão que, como  verdadeiros mortos para o mundo, façam que suas cartas careçam de todo  interesse.
        Depois de  um tempo, com este simples método, já ninguém mais terá desejo de escrever-lhes  e dirão o que disse a um Ordenado, sua irmã: “Não te escrevo porque não tenho  nada importante para comunicar-te”.
        Se os  Filhos não se atêm estritamente a estas normas, o mundo insidioso irá se  infiltrando pouco a pouco na Comunidade e na alma consagrada.
        O mundo  também tem suas razões válidas e todo um vaivém de argumentações para ganhar  suas batalhas de distração. Hoje é uma carta que traz notícias de uma doença e  amanhã outra que comunica contratempos familiares. E assim, pode-se ver o pobre  Filho a quem vai dirigida, todo preocupado e distraído, e ainda desatento no  cumprimento de seus deveres. Continuamente está pensando no que ele considera  uma desgraça e começa a importunar os Superiores para lhe permitirem escrever  para consolar, aconselhar e orientar.
        Com tudo  isto, perde sua paz interior e, ao mesmo tempo, a oportunidade de ajudar  verdadeiramente os seus com a oração e o sacrifício interior.
        Não é com  cartas e frases escritas que os Filhos ajudarão os que sofrem, mas com a  oferenda interior de suas vidas e de seu sangue.
        Existe,  além disso, outra correspondência perniciosa que tira a paz das almas  Ordenadas, e é a de descarga.
        Toda vez  que algo vai mal na casa ou que alguém ali não esteja de bom humor, descarregam  naquele que está ausente, enchendo-o de reprovações e de insultos, a ele e à  vida que abraçou.
        Há que  saborear estas cartas, beber o veneno que destilam, gota por gota, deixar que a  ferida transpasse o coração, mas nada deixar transparecer no exterior. Tampouco  têm que ser respondidas ou consideradas; convém cortar definitivamente com tais  familiares, porque isso significa que nada pode haver em comum entre pessoas  que opinam tão diferentemente.
        A  correspondência mais perigosa é a insinuante, indireta e melosa.
        Existem  aqueles que crêem vencer a paz diamantina da alma consagrada, fazendo com que  sinta as satisfações que eles experimentam no mundo.
        Pode-se,  às vezes, ler em tal correspondência, frases como estas: “Na casa dos tais que  tu conheces, fizemos a tal festa como daquela vez, sabes?” ou “Lembras-te de  tal pessoa?” ou “Tal pessoa perguntou por ti” ou “Este já se casou ou o outro  tem namorada”. Frases onde se nota, ao longe, que foram escritas com dupla intenção,  para pôr à prova a têmpera do Filho que renunciou a todas essas coisas, e  também para ferir com a recordação do que ele deixou.
        Os  parentes que escrevem assim não amam de verdade o Filho, nem humana nem  espiritualmente, e é melhor pôr ponto final para com eles.
        Se o  Filho não põe seu gosto nem sua vontade na correspondência, esta cessará por si  só, como um fogo que se apaga por falta de combustível. Somente faz falta  determinação e um desejo sincero de não querer viver das recordações do mundo.
        Longas  cartas, muitas notícias, telegramas de felicitações nos aniversários,  obrigações com várias e determinadas pessoas, são todas pontes estendidas para  voltar ao mundo.
        Os Filhos  deverão escrever somente a seus pais e brevemente; se estes estão doentes ou impossibilitados,  a algum familiar mais próximo, porém sempre em caráter simples e informativo.
        Alguns  Filhos desejariam poder escrever cartas espirituais. Pensam que poderiam fazer  muito bem em encaminhar as almas e que, muitas vezes, um bilhete oportuno levou  a um ser ao caminho da perfeição.
        Se bem  que isso seja verdade, não é esta a missão dos Filhos Ordenados.
        A Divina  Mãe já suscitará naqueles que tenham pena e talento, o fogo interior para  escrever e ganhar almas com a correspondência.
        No  entanto, às vezes, por ordem dos Superiores, os Filhos devem escrever cartas  espirituais. É então, sob o olhar da obediência, quando a correspondência do  Filho se faz verdadeiramente espiritual. Já não é um laço do mundo mas uma  flecha acesa que, da solidão, cruza as trevas e chega ao próprio centro do  mundo para iluminá-lo e iluminar a alma escolhida.
        Neste  caso, os Filhos depositem nestas cartas espirituais, toda a essência de sua  vida interior e não se fiem tanto do escrito como do amor com que foi feito e  enviado.
        De  qualquer modo, a mais formosa correspondência do Filho há de ser aquela que  escreve à sua Divina Mãe.
        Limpe sua  alma de tal modo que seja um pergaminho branco e imaculado; pegue a pena de sua  vontade sacrificada; preencha seu coração com o sangue de seus sacrifícios como  um precioso tinteiro e escreva, escreva ali a história de seu amor divino  durante todos os dias de sua vida, até a morte. 
        A última  frase de amor, escrita está: Usque dum  vivam et ultrum. 
      
          Ensinança 8: Expansão Anímica
          
        Paulatinamente,  na alma do Ordenado se efetua o milagre da expansão anímica.
  À medida  que a alma vai se fechando mais e mais dentro do Raio de Estabilidade, limitada  pelos muros da Santa Casa, o silêncio se faz efetivo e penetra no interior,  preenchendo o vazio das coisas mundanas com paz e sossego.
        Esta paz  é tão sutil que às vezes nem é percebida.
        Enquanto  a alma se aquece lentamente sob os raios da Grande Corrente e o corpo expele,  pelos poros, a má essência do passado, o ser rompe sua casca e sai à luz do dia  divino.
        As almas  do mundo nunca poderão conhecer este divino mistério de expansão anímica; a  cada dia, as preocupações por suas coisas, por suas casas, pelos seus, fazem  mais dura e resistente a casca que os envolve e chamam a isto “ser livre”,  “viver sua vida”, “não estar presos”.
        Porém, as  almas que renunciaram a tudo têm o dom de experimentar este supremo bem. A alma  liberada sai de sua concha marinha para poder contemplar o sol.
        Este é um  estado difícil de ser explicado, e somente podem compreendê-lo as almas que o  experimentaram. É este um estado que acomete de repente o ser; às vezes está  ali, sendo experimentado e ele nem sequer se deu conta disso, tão natural é,  dentro da nova vida. Como todo milagre, é tal quando está dentro do marco de  uma suma simplicidade, este se encontra ali frente à alma, como a coisa mais  comum da vida.
        O  primeiro que acomete a alma é sempre a expansão anímica dos sentimentos.
        Que  egoísta era a alma para com seus sentimentos dentro da casca! Que reduzidos  seus afetos e que duras as ataduras que a ligavam a eles!
        O  sentimento de posse que a acompanhava tornava-a indiferente, mesquinha e pobre  frente a todos os problemas coletivos da vida, e os olhos olhavam como sem ver  todas as misérias da rua; e quando dizia: “Pobre menino! Pobre enfermo! Pobre  mulher!”, era com o secreto temor de que isso mesmo pudesse ocorrer a algum dos  seus.
        Mas, eis  aqui que a alma rompeu sua casca. Aqueles afetos pessoais ficaram ali, no fundo  da consciência, como algo sagrado, porém não como uma posse e, ao não esperar  nada deles, transformaram-se em um sentimento que abarca muitos. E um dia, o  Ordenado sente o milagre de seu ser que não se apega, que não se ata, que se  expande. É um sentimento doce e forte ao mesmo tempo, que preenche toda a alma,  que se transforma no interior como um extravio de amplitude, de compreensão, de  amor.
  É um  calor efetivo, percebido quando se vê que abarca a totalidade do grupo de  meninos, de doentes ou de necessitados confiados ao Ordenado. É um sentimento  de grande ternura que o faz cada vez mais solícito e eficiente. É um sentimento  de tristeza, como saudade do céu, quando uma turma se vai e outra vem; que é  identificação, na alma consagrada, com as suas preocupações e dores, mais forte  quanto mais impessoal.
        O milagre  da expansão anímica se amplifica cada vez mais. É expansão de idéias, de  maneiras de ver, de conhecimentos.
        Ninguém  poderá nunca conhecer os desejos infinitos do coração e da mente da alma  consagrada. É bom que todos creiam que elas são mansinhas pombas circunscritas  a seu pombal e que alguns as olhem com gesto lastimoso.
  É que as  pessoas têm tantas coisas dentro de sua casca: seu emprego, sua casa, sua  cidade; tudo o que é delas, todo seu reduzido mundo. Há que deixá-las. Não  sabem o que palpita sob os aventais e as jaquetas humildes, nem o que vêem os  olhos, ocultos sob as pálpebras baixas!
        O  Ordenado, sem saber porquê, pressente a amplitude da Obra Divina sobre a Terra,  e desejaria multiplicar-se em mil para cumpri-la. Tudo se faz pequeno, ainda o  próprio mundo, para os desejos do coração consagrado.
        Quantas  obras constroem estas mentes, quantos países percorrem em seus sonhos, quantos  atos heróicos realizam!
        Tudo  parece pouco à alma consagrada. Quisera ir a todas as nações para levar a  palavra de amor a todos os seres; quisera aliviar todos os males; quisera curar  todos os doentes e remediar todas as necessidades. As horas do dia são  demasiado breves para ela, para pedir por todos, para abarcar tudo. 
        Milagre  de amor e de compreensão da renúncia!
        Rompida a  casca, as almas verdadeiramente livres voam pelos espaços infinitos levando sua  brancura à vista de todos os seres. E elas não se sentem sacrificadas por isto,  mas gozam, gozam divinamente nesta amplitude de realizações.
        Não se  detêm aqui as almas consagradas: sua expansão anímica cruza as fronteiras da  cadeia planetária, abarca todo o Universo, transforma-se em uma amplitude sem  fronteiras e sem limites, puramente espiritual.
        Ali a  alma se dá plenamente. Dar-se já não é uma palavra, mas algo que é.
  É como se  a alma, por um momento, transformada em velocidade luz, percorresse todos os  âmbitos infinitos para descansar no regaço da Divina Mãe.
      
        Ensinança 9: Impermeabilidade ao Exterior
          
        O  seminário há de formar a alma Ordenada de tal modo que nunca saia algo visível  de si para o exterior.
        Se a  vocação de Ordenado é viver dentro, na intimidade divina, é indispensável,  desde um princípio, não somente desejar afastar-se do mundo, lutar para que o  mundo não os conheça, mas precaver-se para que o mundo desconheça o Ordenado e  para que o Ordenado desconheça o mundo.
        O doce  segredo do silêncio divino quer tudo para si. Então, é preciso levar sempre  posto o impermeável sagrado que isole o interior das tormentas exteriores. E  isto não é pouco trabalho nem é de pouca monta.
        Tenha, a  alma que começa, explicações claras para não dar lugar a dúvidas a este  respeito. Tudo já está disposto para esta finalidade, nas regulamentações da  Ordenação.
        O  controle contínuo que é imposto ao Filho a respeito de como tem de ser seu  comportamento, em todos os seus atos, em todas as suas expressões emotivas,  culturais e exteriores, são meios para esse fim.
        Toda  demonstração, toda ternura, toda debilidade, toda mudança, toda luta, toda  tentação, há de ser algo exclusivo da alma e de seus Superiores e companheiros;  mas nada disto há de transparecer no exterior.
        Toda  emotividade há de ser suprimida, toda efusividade eliminada. Uma alma Ordenada  há de adquirir tanto controle de si mesma que nem uma contração de um músculo,  nem uma lágrima, nem um rubor, há de expressar-se nela.
        O mais  doce dos segredos há de envolvê-la totalmente para que a única personalidade  demonstrável ao exterior seja aquela da unidade pessoal do Ordenado.
        Tudo isto  fará do Ordenado, aos olhos daqueles que o vêem desde fora, ainda no exterior,  uma figura única, genérica, ideal.
        Este  trabalho há de ser feito atenta e minuciosamente durante o tempo do seminário.
        Os  Superiores não hão de esquecer que estas almas amanhã deverão estar em contato  com deveres exteriores e ainda com o mundo, e que depois seria muito difícil  adquirir hábitos tão sutis e delicados que, em geral, antes de serem postos em  prática espontaneamente, necessitam tempo e exercitação.
        Seria  lamentável ver um Ordenado deixando-se levar por sua emotividade ou  expressando-a diante das pessoas: é como se se rasgasse sua capa.
        Em  verdade, muita verbosidade, a um atento observador, daria a conhecer, em  seguida, a origem, a cultura, as possibilidades e gostos do Filho, coisas que  somente a Divina Mãe e os Superiores hão de conhecer. Nas reuniões sociais  vêem-se senhoras comportarem-se de tal modo, tão discreta e corretamente, que é  impossível decifrá-las. São pessoas de boas maneiras e nada mais.  Se o amor ao êxito mundano faz aspirar a  tanto controle, quanto mais o bom nome da impermeabilidade ordenada deveria  levar a essa aspiração.
        O  Ordenado há de estar tão compenetrado deste espírito de impermeabilidade que  ninguém, por esperto e psicólogo que seja, há de descobrir suas necessidades.
        Se uma  boa alma vai ao Superior e lhe diz: “Gostaria de doar papel e envelopes, porque  notei que os Ordenados precisam”, ou outra coisa similar, é porque algum  Ordenado deixou escapar algo de si que não deveria ser revelado.
        O  Ordenado nunca demonstra precisar de algo nem que algo lhe falte. Os Superiores  já sabem como e quando pedir a ajuda necessária.
        O  Ordenado não há de desvelar seus males morais e físicos a ninguém. Existem  almas completamente pudorosas a respeito de seus males, especialmente físicos;  nunca dizem nem deixam notar os inconvenientes da natureza humana, enquanto que  outras habitualmente queixam-se de seus males ou os fazem notar. Não sabem  tolerar nem uma pequena dor de cabeça, sem divulgá-la.
        Os  Ordenados nunca hão de estar doentes nem ter mal-estares físicos à vista de  ninguém, nem ninguém há de descobrir, por trás de seu aspecto sempre igual, seu  estado de saúde, que eles referem simplesmente, a seus Superiores e ao médico  que há de curá-los.
        Aprenda o  Ordenado no seminário a levar sempre posto seu impermeável que o faz invisível  aos olhos de todos.
        Que  ninguém saiba o que sente nem o que pensa, nem conheça os movimentos exteriores  de seus sentimentos internos, para que brilhe a personalidade do Filho de Cafh.
        Que  ninguém veja a cor de seus olhos, porque estes nunca estarão completamente  fixos ou atentos em alguém, em particular.
        Que  ninguém conheça demasiado o timbre de suas vozes, porque calarão muito e  falarão claro. Falem o necessário e sem modulações especiais.
        Que  ninguém penetre no interior dos Filhos pelas manifestações exteriores: isso  seria como profanar o Templo Sagrado somente dedicado à Divina Mãe.
        Os Filhos  confeccionem, no seminário, este magnífico impermeável que os isole, em toda  oportunidade, do exterior.
      
        Ensinança 10: A Modéstia dos Olhos
          
  Os  Ordenados fazem oferenda de suas vidas e de todo seu ser à Divina Mãe, e esta  oferenda de amor está selada pelo esforço diário do Filho, para fazê-la perfeita.
  Os olhos  são, sobretudo, o controle magnético desta oferenda eterna e diária.
  O  sacrifício continuado da vista é indispensável para que o Filho seja um  verdadeiro Ordenado.
  Os olhos  são o espelho da alma: sejam então o espelho da renúncia do Filho. Eles já não  servirão para satisfazer a curiosidade e os apetites, mas unicamente para ver o  que se quer e se propõe ver; em conseqüência, saberão olhar para dentro. 
  O amor e  a dor, que são os dois grandes ascensores que elevam a alma da terra até o céu,  ensinam este correto modo de olhar. 
  Quando um  ser ama não deseja ver nada fora do ser amado, e anda como que estonteado sem  fixar-se no que o rodeia. Não se podem esquecer os formosos versos de Campoamor  a respeito da jovenzinha enamorada: “Porque meus olhos, como não têm quem se  fixe neles, fechados sempre estão”.
  Assim, a  dor ausenta a vista das criaturas e faz dizer muito amiúde: “Não tenho vontade  de ver nada nem ninguém”, porque a vista, com o pensamento, está fixa na  recordação e na imagem que lhe causa pena.
  Se o amor  do Filho Ordenado é sua Divina Mãe e se sua dor é tudo o que a separa Dela, não  pode desejar ver ninguém fora Dela e, como todas as coisas exteriores são  antes, imagens que distraem e afastam do fim único e da imagem perfeita da  Divina Senhora, ele há de ter sempre os olhos modestamente baixos.
  A  modéstia dos olhos, dom permanente da alma anelante de perfeição, há de ser uma  necessidade imperiosa no princípio da vida espiritual, e no seminário,  principalmente.
  As almas  que vêm do mundo têm a fantasia repleta de imagens que desejam vivamente  esquecer e isto se consegue com muito mais facilidade quando não se sobrepõem  imagens a imagens. 
  Além  disso, o não olhar exclui admiravelmente o hábito da curiosidade que têm as  pessoas que vivem no mundo para ver tudo o que passa ao seu redor, ainda o que  não lhes interessa.
  A  modéstia dos olhos também é como um bálsamo para o cansaço mundano e predispõe  a alma à intimidade com a Divina Mãe, que mora no interior.
  Mantenham,  os Ordenados, continuamente a modéstia dos olhos: não olhem, nem queiram ver  nada fora do que lhes é estritamente indispensável. Mantenham as pálpebras  baixas, sem afetação e com naturalidade. Nem por isso parecerão excêntricos, já  que é correto olhar uma pessoa no rosto no momento em que se a cumprimenta e ao  despedir-se dela, mas manter-se-á a modéstia dos olhos durante o tempo da  conversa.
  Esta  virtude acrescenta a beleza espiritual e a compostura devida, já que os olhos  semiabertos dão um encanto particular ao rosto e o não olhar para toda a parte,  especialmente na rua, dá à compostura uma gravidade atraente.
  Há, por  acaso, rosto mais espiritual e mais formoso que o de Buda? Porém, o que é que  lhe confere essa beleza tão transcendental e característica? Por que esse rosto  se eternizou através dos anos? O que o embeleza tanto é, sobretudo, o olhar.  Suas pálpebras estão semicerradas, deixando que os olhos somente entrevejam,  diante de si, com um olhar que, ao ignorar as imagens circundantes, abarca a  alma e a eternidade das coisas.
É  indispensável adquirir o hábito da modéstia do olhar desde o seminário. Quando  os Ordenados são levados, por seu apostolado ao torvelinho do mundo, só então  percebem toda a importância desta virtude.
Dificilmente  aquele que não fez o hábito de não olhar, poderá adquiri-lo no mundo ou quando  em um trabalho intensivo. Sempre as tentações e os desgostos vêm ao Filho por  não saber refrear devidamente seus olhos.
Os Filhos  oferendem seus olhos à Divina Mãe se quiserem ter sua Imagem Sublime sempre  presente.
      
          Ensinança 11: A Perfeita Observância
          
        O Filho  que chega ao seminário se encontra com um método de vida completamente novo e  diferente, ainda no aspecto espiritual, daquele que estava habituado a seguir.
  É bom que  o Filho, ao amoldar-se à nova vida, adquira o hábito de uma observância  estrita. A perfeita observância de Comunidade não deve ser uma virtude  adquirida, porque nesse caso o Filho segue uma trajetória para alcançar uma  virtude que sempre é algo diferente dele; senão que ela há de ser um estado  próprio, íntimo, amplificativo de sua renúncia interior. O Filho que alcança  uma perfeita observância exterior não a possui plenamente se esta não for  estreitamente unida à observância interior.
        O Filho  posto em contato com a vida de Comunidade se encontra frente a uma mudança  radical de métodos espirituais e ainda em aparente contradição com as normas  estabelecidas e praticadas anteriormente em Cafh. É como se lhe fosse dito:  “Tudo o que fizeste até hoje em teus exercícios e práticas de adiantamento  espiritual já não te servirá; joga tudo fora”.
        A vida  espiritual anterior requeria todo esforço do Filho para alcançar um fim que ia  sendo conquistado progressivamente. Era um esforço para conseguir objetivos e  uma posição psíquica estável. Este esforço era atualizado no Filho pelas  práticas da vida espiritual, pelas reuniões semanais, particularmente, onde lhe  eram explicadas as Ensinanças, pelas horas de exercícios de meditação e pelo  contato com os Superiores.
        Mas este  esforço, quase exterior, para conseguir algo interior, é rejeitado desde o  início, ao pôr-se em contato com a Ordenação, como se a luva da vida fosse  usada ao invés.
        A alma,  em verdade, há de rejeitar todo objetivo, toda conquista, todo esforço, para  ser, negativamente, uma realização.
        Tudo é  rejeitado; tudo perde capital importância; nenhum exercício é mais importante  do que outro; nem ainda possuir determinada capacidade, nem uma virtude  determinada.
        Neste  sentido, na Comunidade, somente é um valor real a perfeita observância, que é a  flor que nasce espontaneamente na alma e não é um bem alcançado.
        Para  chegar a esta perfeita observância interior é necessário que o Filho se identifique  com o Corpo Místico da Comunidade.
        A  Comunidade é um ser vivo, mais vivo do que qualquer outro, porque seus  componentes sacrificaram sua personalidade, sua identificação própria, para  fundir-se em um só ser.
        A negação  da própria personalidade facilita a formação dos Corpos de Fogo dos Filhos,  onde desaparecem as diversidades e os Filhos, por semelhança, identificam-se  entre si. Sem este estado interior de unificação, o Filho poderá ser muito  observante, mas sua observância será sempre algo diferente, uma gota de óleo em  um jarro de água.
        Com este  conceito desaparece o teu e o meu, o mais e o menos, o melhor ou o pior, pois  tudo é uma simples unidade.
        A  perfeita observância, em princípio, somente pode ser alcançada por esta unidade  dos componentes da Comunidade.
        A  preocupação pelo bom adiantamento da casa, pelo cumprimento estrito de todos os  deveres, pelo alcance da perfeição dos Filhos, é responsabilidade de todos.
        Se, por  exemplo, um Filho quebrou um prato, todos os outros Filhos deverão sentir-se,  em seu interior, culpados e solidários; da mesma forma, se outro ganha um  prêmio, todos deverão experimentar a alegria da vitória.
        Um Filho  nunca poderá ver um descuido de outro sem procurar repará-lo, se lhe for  possível, porque a falta de um é também a falta do outro.
        Se tudo  anda bem na Comunidade, todos hão de sentir bem-estar; e, se tudo anda mal,  todos hão de sentir essa carga.
        Com esse  sentir, a observância não é algo abstrato, mas o resultado de um estado de  ânimo de todos os Filhos da Comunidade, assim como o perfume não localizado que  preenche um aposento é o resultado da flor ali presente.
        Não é  então que este Filho seja observante, mas a Comunidade alcança uma  característica inerente a ela mesma e permanece nela.
        A  perfeita observância é assim, o resultado de um estado interior da alma,  conquistado pela Ascese da Renúncia e pela Mística do Coração.
        A mudança  exterior de procedimentos que o Filho encontra ao ingressar no seminário há de  ir seguida de uma mudança interior total. Esta é a obra do Filho, guiado pelo  Diretor, sem a qual não poderá haver observância, ou a observância seria algo  completamente exterior e desprovido de todo valor.
        Entende-se  que, na Ordenação, o Filho chegou ao ponto culminante em que a Ascese da  Renúncia há de ser uma realidade.
        De forma  que, todos os valores sentimentais, capacitivos, ideais e, ainda em certo  sentido, espirituais, deverão ser abandonados.
        As  tendências humanitárias, as experiências vividas, os estudos feitos, os títulos  ganhos, as possibilidades sociais, deverão desaparecer; pode ser que ainda os  êxitos alcançados nas práticas psíquicas e nos exercícios de meditação  desapareçam totalmente, porque a alma há de estar desnuda de tudo.
        A Mística  do Coração é água e fogo que tudo destrói, que tudo purifica, para conseguir a  perfeita simplicidade, sem a qual não há União Divina.
        Se o  Filho não se desembaraça de todos estes valores, estes se transformam em ondas  contraproducentes que afetam o bem-estar da Comunidade e o desenvolvimento da  perfeita observância.
        Se o Filho  se identifica com a vida que abraçou, desaparece toda esperança de futuro:  sonhos e ilusões de conquista, quimeras de felicidades utópicas, porque já  possui em si seu fim e sabe, de antemão, o trabalho que o espera na vida.
        O  resultado exterior da perfeição da Ascese da Renúncia e da Mística do Coração é  sempre e sistematicamente: saúde para os doentes, providência para os  necessitados e direção para as almas.
        A mãe,  desde o instante em que recebe seu filho nos braços, sabe tudo o que lhe  custará fazê-lo crescer e, desde que está determinada a fazê-lo, sabe que é sua  missão ser mãe e não outra coisa, e este sentimento é que a manterá dignamente  em sua missão, e a fará cumprir perfeitamente com todos os seus deveres.
        Assim, o  Filho que conhece o resultado exterior de sua missão, já tem o caudal potencial  de possibilidades para cumpri-la e isso já se manifesta nele através de uma tranqüila  e perfeita observância.
        A  observância não consiste somente em cumprir estritamente o horário e as  ocupações da Comunidade, mas em ser responsável por todas as suas necessidades  e por todos os elementos úteis para capacitá-la para seu fim.
        Observância  é amor ao Raio de Estabilidade, reserva habitual da clausura, Economia  Providencial atualizada, reserva de energias depositadas no caudal comum e,  sobretudo, permanência íntima com a Divina Mãe pela identificação com as  práticas e com os trabalhos diários.
        O Filho  sabe que o resultado de sua renúncia interior há de ser a cura dos males e das  enfermidades do mundo.
        Todas as  grandes enfermidades são fruto dos desgastes contínuos e descontrolados dos  seres humanos.
   A parábola do filho pródigo se repete  constantemente.
        Para  eliminar as doenças fundamentais do mundo, é indispensável repor determinadas  energias; e este é um dos maiores trabalhos dos Filhos.
        A prática  da castidade, a modéstia dos olhos, o exercício contínuo para dominar os  impulsos interiores, o vazio da mente e do coração, não seriam mais do que  virtudes práticas se os Filhos não se desprendessem de seu fruto para armazená-lo  e reparti-lo com suas orações entre os enfermos do mundo.
        Este  trabalho é ainda, às vezes, direto, e os Filhos devem cuidar dos doentes e  assisti-los, fazendo assim mais efetiva sua ajuda magnética e curativa.
        Por isso,  não permitir desgaste de energias é alcançar perfeita e verdadeira observância.
        A  perfeita observância se manifesta na atualização da Economia Providencial.
        Sabe-se  que existe no mundo uma infinidade de necessitados e que o problema econômico  destes deve ser resolvido com a maior brevidade possível, e que este é um dos  resultados fundamentais da Obra de Cafh. Também se sabe que este mal é,  sobretudo, fruto da incompreensão e do egoísmo dos homens.
        Os seres  usufruem de tudo o que podem, de tudo e de todos. Cada coisa que, direta ou indiretamente  é usada, custou não uma, mas muitas vidas, e todos os seres estão em dívida com  a humanidade, por tudo o que possuem e usam tão despreocupada e continuamente.
        Este  egoísmo e esta inconsciência é o que o Filho deve compreender, para sentir-se em  dívida com a humanidade e disposto a dar sua parte efetiva para satisfazer a  necessidade de todos.
        Com esta  compreensão, o Filho sente o imperativo de aplicar, ainda na Comunidade, a  Economia Providencial, e trabalha por trabalhar. Assim, suas economias são  transladadas ao Plano Divino e rendem o cêntuplo.
        Com este  conceito, o Filho não somente entrega seu trabalho, seu desinteresse, sua  aplicação à Obra, mas rende o máximo, e isto sem fatigar-se.
        O  trabalho desinteressado se faz leve e múltiplo.
        Isto se faz  mais evidente pela união e pela impersonalidade dos Filhos de Comunidade, e o  milagre exterior da ajuda aos necessitados se faz efetivo.
        Primeiro,  pela força espiritual compreensiva dos Filhos que derramam mentalmente seu  resultado sobre o mundo; segundo, pelo contato sentimental com todos os  movimentos humanitários das diversas instituições; e terceiro, pelo que fazem  os Filhos através das Obras de Cafh.
        As Obras  de Cafh são um milagre em si já que, sem possuir bens extrínsecos, Cafh, com a  oferenda dos Filhos e as práticas da Economia Providencial, pode sustentar  obras sem rendas determinadas.
        A  perfeita observância é a que faz possível o armazenamento de grandes reservas  de energia.
        A  perfeita observância dá como resultado, além disso, uma união continuada com a  Divina Mãe e lhe outorga o poder, oportunamente, da direção das almas.
        O Filho  que crê que a União Divina é um gozo, um êxtase, não cumpre bem sua  observância. Se seu estado de ânimo é bom e fervoroso, cumpre muito bem com  todos os atos de Comunidade, porém se tem desamparo e aridez interior, pode-se  vê-lo triste, macilento, mal-humorado e ainda, despreocupado com o cumprimento  da observância.
        A União,  fruto divino da Renúncia e da verdadeira Mística do Coração, é uma participação  luminosa em todos os atos de observância.
        A  felicidade não está no gozo, mas em cumprir ou desejar vivamente cumprir bem,  perfeitamente, tudo o que se faz.
        O gozo ou  a aridez não entram aqui, mas a perfeição do ato cumprido e divinizado pela  reta intenção.
        Quando há  plenitude de vida espiritual no ato de Comunidade, uma paz íntima e profunda  invade a alma, uma segurança da presença divina, tão inalterável, que permanece  invariavelmente no fundo da alma, ainda com e apesar das distrações, dos erros,  da aridez e dos gozos devotos.
        Em  resumo: a perfeita observância não é um mero cumprimento externo e mecânico dos  atos de Comunidade; a perfeita observância é um estado permanente da alma, um  estado vivo da idiossincrasia do Ordenado.
      
  
          Ensinança 12: Os Inimigos da Perfeição 
          
        A Ordenação  é um campo magnético de altas possibilidades espirituais, mas não é a Suprema  Realização, que somente se consegue no interior.
        Por isso,  também nas Casas de Comunidade penetram os elementos negativos. Como ali não  podem penetrar os elementos estimulantes baixos, infiltram-se pequenos  elementos negativos que atrasam enormemente o alcance da perfeição, desgastam  as melhores fibras vocacionais e, algumas vezes, até malogram todo o esforço  santificante de uma vida.
        Cada  estado tem seus perigos e defeitos característicos; e na Ordenação de  Comunidade, há alguns defeitos para os quais comumente se tende, e que é preciso  conhecer e combater.
        Estes  inimigos da alma Ordenada podem ser resumidos em três defeitos principais que  são: a desconformidade, a murmuração e os escrúpulos.
        A alma  Ordenada, por seu Voto de Renúncia, está intimamente obrigada a transformar-se  em um nada: um nada divino. Este sublime ideal, alentado por uma vocação  verdadeira, toma uma força tal que leva a alma até a pronunciação dos Santos  Votos; mas em seguida, toda uma série de fatores anímicos escalonados toma sua  represália para impor sua vontade.
        A luta da  Renúncia é árdua, dura, contínua. É o trabalho mais difícil e especial que o  homem pode cumprir sobre a Terra. Quando a alma, se bem que fundamentalmente  cumpridora e entregue, afrouxa ante esta divina atenção de não ser nada, a  personalidade começa a ativar-se outra vez.
        Sempre se  repete a história de Lohengrin: a casta Elsa, imagem da alma entregue, sai um  pouquinho, através dos desejos, ainda que santos, ao balcão  pessoal; em seguida, Gutruna, a usurpadora  destronada, porém ainda não vencida, começa a tentá-la: “Quem é ele?  Pergunta-lhe seu nome”, para que ela se sinta desconforme.
        Se a alma  não cumpre com toda fidelidade, se na intimidade se concede alguma coisa,  imediatamente a parte intuitiva do ser está desconforme, e esta desconformidade  adquire vida própria na alma. Se a alma não é sacrificada, obediente ao  extremo, pura de pensamento, cumpridora de todos os deveres, fiel na oração  constante, começa a sentir-se defraudada. Ditosa é a alma que, estando nestas  condições, está desconforme consigo mesma; mas não queira a Divina Mãe que uma  fina soberba faça que a alma se sinta desconforme com tudo o que a rodeia, e  com os meios que, para sua perfeição, foram-lhe outorgados por Ela.
        Bem dizia  santa Teresa: “De freira desconforme, guarde-nos Deus”.
        Porque as  almas desconformes fazem mal a si mesmas e a toda Comunidade.
        A inimiga  tem argumentos muito sutis para apresentar as queixas à alma desconforme, e o  primeiro é insinuar-lhe que não consegue a perfeição, não por sua culpa, mas  por culpa dos Superiores que não a compreendem e não a valorizam; por culpa da  Comunidade que é mais de trabalho do que de oração ou vice-versa; por culpa disto  ou daquilo.
        E esta  alma faz um hábito de sua desconformidade, esta se transforma em um inimigo  constante que paralisa todas as suas forças e entristece sua vida espiritual,  fazendo-a perder inutilmente um tempo precioso.
        Algumas  almas se dão conta a tempo deste mal, e buscam em si a causa de sua  desconformidade, pondo-se a lutar contra a não efetividade de renúncia que  sempre é a causa.
        Que  triste é ver uma alma verdadeiramente chamada à Ordenação, fiel, santa e boa,  que não realiza seu fim por não compreender que a renúncia é um transformar-se  em nada, não de repente – isto se faz idealmente com os Santos Votos – mas  efetivamente, mediante a entrega diária de tudo o que a alma possui externa e  internamente!
        A alma  obstinada em não se dar totalmente à renúncia está em uma tensão nervosa  constante que a faz saltar continuamente para o exterior por meio de um  desabafo que, repetido, torna-se murmuração. Ela não quer ter a culpa de seu  mal e então necessita descarregar a culpa sobre todos. Pode-se observar, e isto  a experiência bem o diz, que a alma que não cumpre bem seus votos começa por  querer nivelar com ela, as outras almas; e por isso busca, com a murmuração, cúmplices  para seu mal. A murmuração não começa diretamente; antes, a pobre alma busca,  às escondidas dos Superiores, almas que a compreendam, amizade particular, quem  escute suas confidências e intimidade, para poder em seguida descarregar seu  mal com a murmuração do Regulamento, dos Superiores, dos outros Filhos ou de  tudo.
        Se alguma  alma houvesse caído, ainda que muito parcialmente, neste mal tão grande, que se  corrija e clame à Divina Mãe em alta voz: “Lava-me do sacrilégio da  murmuração!”
        Outras  almas, mais simples, porém, igualmente incapazes da renúncia total, não acusam  de seus males os que as rodeiam e os meios de vida que lhes foram outorgados,  mas acusam de seus males a sombras ocultas e a fantasmas imaginários.
        Nem o  carma, nem os maus espíritos, nem as más influências podem fazer algo contra a  alma que cumpre com fidelidade e constância sua entrega total à Divina Mãe.
        O temor  se apossa destas pobres almas e elas são vítimas de dúvidas, tentações e de  todo tipo de escrúpulos. Sempre crêem haver feito algum mal, não ter cumprido  devidamente a observância, não serem bem vistas na Comunidade, não serem  consideradas de utilidade. Se oram, pensam que sua oração não é grata à Divina  Mãe; se trabalham, pensam que seu trabalho não está bem executado; se falam,  crêem haver ofendido; e se calam,  também  se sentem humilhadas.
  É triste  mal o dos escrúpulos e o do temor. Mas, se a alma tem a santa decisão de olhar  em si e buscar qual é a parte da alma que não quer entregar-se, para dá-la, em  seguida, em oferenda à Divina Mãe, imediatamente as sombras das dúvidas e dos  temores desaparecerão como por milagre.
        A Divina  Mãe elegeu seus Filhos para a sublime Vocação da Renúncia; muitos chegam ao  oferecimento de si mesmos através dos Santos Votos, mas nem todos chegam à  perfeição do cumprimento dos mesmos e isto somente por querer guardar uma gota  de personalidade.
        Quando a  alma se sente desconforme, triste, agressiva, murmuradora, temerosa e  duvidando, imediatamente dê graças à Divina Mãe porque isso é indício de que  algo não entregou, de que guarda algo para si, de que não cumpre seus votos  perfeitamente, para que saiba que esse pensamento é claro aviso, um medidor  exato de seu adiantamento ou estancamento na Senda Espiritual.
        Os  defeitos não são mais que uma campainha que dizem a alma: “Ainda não és nada, o  nada divino!”.
        
        
        Ensinança 13: O Vazio Purificador
        
        A Ordenação,  e sobretudo a Ordenação de Comunidade, é a prática do Voto de Renúncia em toda  sua perfeição. E a perfeição deste voto é a prática constante do esforço  determinante da vontade para consegui-la, até que a consciência, rejeitando  todo esforço, é invadida pela graça e pela compreensão da Renúncia.
        No  momento assinalado, esta Graça Divina irrompe na alma, invadindo tudo;  limpando, desbaratando tudo, deixando ali o grande vazio de União.
        No tempo  em que a alma pratica e luta para conquistar a plenitude de seu Voto de  Renúncia, passa por muitos altos e baixos, por provas e tentações, e também por  momentos de grande alegria, mas sempre a alma se sente protegida, auxiliada,  levada pela mão da Divina Mãe.
        Mas, na  medida em que a alma se aproxima da realização, nenhum estado emotivo, por  elevado que seja, deixa-a satisfeita.
        Sente a  vertigem do vazio que a atrai, porém teme lançar-se nele.
        Uma alma  descreve assim este estado de desejo de vazio e, ao mesmo tempo, de apego à  sensibilidade espiritual: “Que incompreensíveis são os estados de minha alma!  Ontem, depois orar durante meia hora, disse para mim mesmo: ‘Vou fazer uma  meditação no estilo do Ordenado’ e escolhi o Templo de Ouro em busca de  consolo. Comecei: Mãe!...Mãe!...Sofro e não sei porquê. Mãe, vem...abraça-me...dize-me  o que devo fazer? O que devo pensar? Mãe...Mãe...e a única palavra que no final  articulava era: Mãe’. De repente, invadiu-me um sentimento de dor, de pena.  Parecia-me como quando um filho insiste com a mãe para que lhe dê algo e ela não  o dá porque sabe que não é bom nem lhe pode oferecer a verdadeira felicidade e  que, pelo contrário, pode lhe causar dano; por isto, nega-o. Mas, ao vê-lo tão  triste, opta por dar-lhe com grande dor para ela mesma. Bem, experimentei como  se Ela me dissesse: ‘Vem Filho, satisfaz teus desejos’, e eu, ao dar-me conta  de que isso significava uma dor para Ela, enchi-me de angústia e as lágrimas  começaram a correr por meu rosto; não era um pranto violento, mas suave. Sentia  um grande desconsolo e então, um propósito foi surgindo em meu interior, que  traduzido em palavras poderia ser: ‘Mãe, não quero nada, nada. Faze Tua  Vontade. Ilumina-me e fortalece-me para que possa compreender e fazer Tua  Vontade’.”
        A alma  ainda deseja o consolo sensível, mas ao mesmo tempo o rejeita porque sabe que  tem de rejeitar tudo para fazer Sua Divina Vontade, que a lançará no grande  vazio.
        Custa  muito à alma separar-se do sentimento volitivo em seu Voto de Renúncia; mas  nada a satisfaz nem nada lhe produz sentimentos agradáveis e, se os tem,  compreende também que eles não são a plenitude da vida espiritual. Tudo o que  faz, interior e exteriormente, não a satisfaz, e o cumprimento dos próprios  deveres se transforma em uma grande carga. Ninguém, ao que parece, pode  compreender esta alma e querer aproximar-se dela, e tudo se torna aflição,  cansaço, angústia e solidão.
        Uma alma  neste estado de transição escreve a seu Diretor: “Sinto-me só, numa solidão da  qual ninguém pode aproximar-se. É como se me encontrasse em meio a um deserto  de gelo e longe, na margem, os rostos amigos sorriem para mim, estendem-me suas  mãos, mas não podem aproximar-se, e são como figuras somente. Tampouco posso  aproximar ninguém de minha solidão, nem eles querem internar-se comigo  no deserto; temem que os leve comigo à dor e  se afastam como se quisessem salvar-se de alguma influência de morte.  Convidam-me, desde longe, para sair do gelo, mas eu sei que não posso voltar,  pois, à frente, chamam-me para que me interne mais na extensão gelada”.
        A alma já  sente que não tem onde se segurar e que está como perdida. A Grande Morte  Mística está se dispondo no interior. É um estado de vazio tão grande e  concreto que, à primeira vista, desconcerta de tal maneira a alma, acostumada  aos disfarces da vida pessoal, que a espanta e desespera. Acrescentam-se  aqui fenômenos psíquicos e físicos.  Desaparece o mundo e a figura dos seres diante dos olhos do Filho e, às vezes,  vê sem ver.
        A cabeça  dói, os ossos rangem, as vísceras se negam a receber alimento e tudo se volta  contra a alma quando chegou ao Umbral.
  É como se  as barreiras de contenção se houvessem aberto ou rompido, todas 
   A alma é invadida por uma tristeza tão grande  e terrível que somente atina em desejar a morte para fugir dessa morte  espiritual que lhe dará a Vida Real.
        O coração  bate aceleradamente, a mente se perde em cavilações, os nervos estalam, os  sentidos parecem feras embravecidas e desatadas. É que a alma não pode tolerar  ainda, com seus meios humanos, o grande vazio, o vazio mortal e divino que se  vai produzindo nela e que a alcança através da nostalgia mais profunda, da  desconformidade mais acentuada e do fastio mais desesperador.
        O mais  importante neste momento solene de entrada no Eterno é manter os olhos  interiores fixos no ponto único: a Divina Mãe.
        Depois  desta morte mística, neste grande vazio interior, a alma desperta para a nova  vida, com um sossego e uma paz infinitos.
      
          Ensinança 14: Vida Espiritual
          
        O  Ordenado há de ser a síntese demonstrativa da vida espiritual.
        Não  existe uma palavra adequada para expressá-la. Seu nome deveria ser Vida, mas a  palavra “vida” está relacionada unicamente com as formas físicas e sensoriais  do homem. Ao não haver uma palavra que a expresse, é necessário compô-la,  chamando-a: vida espiritual.
        Vida  espiritual é a vida integral do homem, a verdadeira vida: física, mental e  espiritual, conhecida através das manifestações conjuntas destes princípios  fundamentais e inseparáveis do ser.
        Muitos  falam de vida espiritual, mas ela não deixa de ser algo teórico, objetivo,  quimérico, enquanto o homem segue vivendo como se a vida do corpo fosse sua  única vida.
        A vida  espiritual não pode ser dita, nem explicada, nem objetivada: somente poderá ser  captada e conhecida se for vivida, e somente poderá ser vivida por meio de uma  comunhão total do ser com ela mesma.
        O  Ordenado, por sua entrega total, está em condições de vivê-la e de  demonstrá-la.
        O  Ordenado há de ter sempre presente, sempre alto seu ideal: sua vida espiritual  não é algo hipotético nem um formoso castelo nas nuvens que se resume em teorias  e projetos. Ele próprio é vida espiritual e ela palpita em todo seu ser e em  todas as suas expressões, dirigindo todos os seus pensamentos e ações, e sendo  seu único norte.
        O  afastamento voluntário do mundo, que o Filho efetuou, não é um ato de desdém para  com os que vivem nele, mas um esforço para construir interiormente um mundo  novo, um mundo espiritual.
        A Mística  do Coração, que absorve o Filho para que se concentre em si e se considere  continuamente, não é um ato especulativo de autocontrole que o coloca em uma  posição irreal, mas um ato efetivo de continuada vontade e de amor. É a busca  íntima das profundidades do ser para a conquista do homem integral.
        A  disciplina e os laços ordenativos do Filho não é uma imposição das potências  superiores contra os instintos que querem manter sua prerrogativa, mas um  exercício de harmonia entre os diferentes valores e potências do ser.
        O Filho  estava cansado de teorias pomposas, de livros eruditos, de frases  altissonantes; tudo isto, ainda que belo, não lhe dava resultados iminentes.  Por isso, decidiu conquistar seu fim diretamente, fazendo carne em si mesmo,  praticando, transformando-se; não estudando vida espiritual, mas fazendo e  sendo vida espiritual.
        Esta,  enquanto está em conflito com algo, enquanto é considerada algo separado, não é  vida espiritual. Ela é tal quando se localiza no interior do ser, na parte  íntima e profunda da alma, na câmara secreta do coração; dali ela toma vida  própria: alimenta-se com o sangue, com o magnetismo e com a força anímica do ser,  expressando-se em seguida, esplendorosamente, em todas as manifestações  exteriores daquele que a conquistou.
        Por isso,  a Ordenação é essencialmente vida espiritual. É isto tão certo que todos  observam e olham o Ordenado como algo que não pertence ao mundo nem à forma  comum de viver.
        Dizia um  Filho: “Os Ordenados são para mim como algo que não está ao meu alcance, que  está mais além”. 
  É  verdade; os Ordenados não podem estar ao alcance dos outros homens, porque não  vivem, senão que vivem espiritualmente. Bem disse São Paulo: “Já não sou eu  quem vive, mas Cristo que vive em mim”.
  É  realmente um ser novo aquele que vive no Ordenado. Uma expressão perfeita e  acabada de vida espiritual.
        Esta  transformação do ser se alcança através de um processo lento e continuado, se  bem que totalmente real e o Ordenado há de empenhar todas as suas forças para  pôr-se a esta altura.
        Ele não  somente há de ser visto mais além pelos demais, mas há de estar verdadeiramente  mais além.
        O viver  dos homens, mais físico do que espiritual, deu-lhes um mundo pesado e  materialista; mas os homens que se esforçam para viver uma vida integral, em  harmonia com os valores físicos e espirituais, construirão ao seu redor um  mundo novo, um mundo espiritual.
        Este  mundo novo, que é a fervente aspiração do Ordenado, far-se-á com o tempo mais  habitual e permanente, até transformar-se em uma realidade tangível.
        Os  Ordenados não afastem nunca seu olhar desta bússola; tenham este fim sempre  presente neles.
        Não podem  existir duas coisas para o Ordenado: vida e vida espiritual; tudo o que o  separa do fim único é completamente relativo e sem verdadeira importância.
        O  Ordenado que alcançou a compreensão plena deste conceito interior de vida  espiritual, conseguiu a plenitude de sua divina vocação.
      
        Ensinança 15: Amor  e Sacrifício
          
        Os  maiores dons da Ordenação são: a capacidade de amar e de sofrer em silêncio que  os Filhos adquirem ao se desprenderem de todas as coisas.
        Pareceria,  ao primeiro golpe de vista, que a vida de Ordenação, com o abandono do mundo e  de todos os afetos que ligavam a ele, fosse uma resolução de almas pouco  sensíveis. E é bom que o mundo creia tal coisa daqueles que o abandonaram.
  É  necessária uma grande capacidade de amor para se resolver abraçar um estado de  vida todo dedicado à Divindade e sacrificar os afetos mais puros e mais  arraigados do coração.
        Além  disso, a vida reconcentrada e atenta da Comunidade, a aplicação aos exercícios  de assistência e oração, intensificam notavelmente as fibras sensoriais do ser,  dando à alma uma delicadeza tão extraordinária e sobrenatural que excede toda  compreensão.
        O mesmo  esforço interior que a alma realiza para sufocar os sentimentos naturais e  sublimar os afetos do sangue, concede-lhe uma maior capacidade de amor; e como  é amor que não se concede ao próprio egoísmo e ao gozo sentimental, expande-se  rapidamente; e este amor adquire um caráter todo sobrenatural e divino.
        O que faz  e diz o Ordenado está matizado e fortalecido por este sublime amor;  acrescenta-se nele o dom de perceber, de observar, de comunicar seus sentimentos  e de valorizar as pequenas coisas que são a bússola dos sentimentos dos seres.
        Esta  supersensibilidade, que não atua por si, mas em si, dá ao trabalho e à  assistência direta um grande acerto e, à ação introspectiva, força de amparo e  proteção.
        Naturalmente  que a aquisição desta grande sensibilidade dá ao Filho também uma maior  capacidade de sofrimento: não uma dor estéril, mas um sofrimento doce e  construtivo.
        Dizia São  José de Cupertino que ele tinha uma chaga no coração; uma chaga viva de amor.
   E Simone Weil disse que Deus na intimidade é  amor e no trabalho exterior é sacrifício.
        O sinal  do verdadeiro amor, inconfundível, é a dor.
        Pode ser  que algumas almas mais débeis não saibam reprimir e calar sempre seu estado de  ânimo, e que se sintam feridas e incompreendidas ante a atitude um pouco  indiferente ou dura de quem as rodeia. Mas estas pequenas lamentações esfumam o  efeito do fruto da graça e dissipam a seiva da oferenda interior.
  É  necessário dar abnegada e continuamente, com uma generosidade sem limites, em  silêncio; assim, as gotas de sangue do coração caem intactas no regaço da  Divina Mãe.
        A força  desta dor interior faz a alma apta para qualquer conquista, para conseguir o  que deseja espiritualmente e, sobretudo, fá-la apta para a conquista de almas. 
        Grande  valor tem o missionário que desafiando os perigos, e à custa de grandes  fadigas, vai conquistar almas onde quer que seja; porém, valor infinitamente  superior tem o missionário egocêntrico que conquista as almas no silêncio amoroso  e sacrificado de seu coração.
        Quanto  mais aumenta nele o dom de amar e sofrer, mais aumenta o número de almas por  ele conquistadas para a vida espiritual.
        O  estandarte de amor do Ordenado leva bordado um signo de sangue.
        A vocação  de renúncia não quer então que se afoguem os afetos e sentimentos, mas somente  que sejam transmutados em uma chama de Amor Divino.
        O amor,  assim purificado das escórias humanas pela dor e pelo sacrifício, transforma-se  em uma chama viva de Divino Amor.
        O amor e  a dor do mundo matam, mas o amor e a dor espiritual dão a vida.
        O amor,  ao fazer-se mais profundo e espiritual, perde as aparências exteriores do afeto  manifestado, e dá a impressão de um estado de apatia e frialdade. Ainda os  afetos humanos quando se fazem mais profundos e mais reais, perdem  consistência, sendo mais da alma que dos sentidos.
        Quando o  verdadeiro amor traz à alma uma grande paz interior e, ainda compreendendo os  males do mundo, não pode sair deste estado de sossego, pareceria às vezes que é  egoísmo, indiferença.
        Uma alma  que perguntou isto a seu Diretor Espiritual, teve a seguinte resposta: “Filho  meu, não detenha, nem um pouco, seu pensamento nisto; sua paz interior é um  estado de amor tão sutil para com a Divina Mãe, que se expande, por  espontaneidade e amplitude, sobre todos os seres que ama e desejaria salvar”.
        Ainda a  dor levada a estas alturas fere sem machucar; não é uma dor objetiva, mas uma  dor em si, que se faz uma segunda natureza do ser e concede à alma o bem  inestimável de não poder prescindir dela.
        Por este  amor doloroso e sublime, a alma se eleva até a Divina Mãe; penetra e permanece em seu Divino Coração  e, desde ali, participa na salvação do mundo.
        Este  Divino Amor não se transluz no Ordenado. Mas todos os que o observam e estão  próximos dele sentem esta boa influência, percebem através de sua aparência as  luzes que o iluminam, e o amam, respeitam e veneram.
      
          Ensinança 16: A Ordenação de Mulheres
          
        A  Ordenação de mulheres é peculiar e fundamentalmente diferente da dos homens.
        As  mulheres como Ordenadas – e para ser tais – viverão em Comunidade.
        Se não  fosse assim, o que poderia fazer uma Ordenada no mundo que também não pudesse  fazer uma Filha de Távola de Solitários?
        Se alguma  vez uma Ordenada tivesse que estar no mundo por alguma missão especial, isto  seria sempre em caráter temporário e nunca permanente.
        Ainda o  trabalho que as Ordenadas de Comunidade efetuam nas Casas de Cafh, poderia ser  feito por almas voluntárias sem serem Ordenadas.
        A mulher  Ordenada tem uma única justificativa para sê-lo, quando faz plausível seu Voto  de Renúncia com uma vida de absoluta castidade; de outro modo, como Ordenada,  não tem motivo para existir, porque não faria nada que não pudesse ser feito  pelas Filhas de Solitários.
        A  castidade absoluta é o que dá à mulher Ordenada seu caráter demonstrativo e  sacerdotal. E como a castidade é uma virtude que há que defender  constantemente, resguarda-se única e exclusivamente na vida de Comunidade e com  a estrita disciplina que nela se observa.
        Muitas  almas, um pouco iludidas, pensaram que a Ordenação seria um título a mais, um  véu branco na cabeça como distintivo, e que depois continuariam a vida de  sempre. E algumas até acreditaram que sendo casadas e tendo lar poderiam ter  este título. Mas os Superiores sabiamente as dissuadiram e fizeram-nas  compreender que a Ordenação não era um título, mas uma realidade contundente.  As poucas mulheres casadas, que por vocação extraordinária, puderam ser aceitas  na Ordenação, tiveram que abandonar lar e afetos para entregar-se completamente  à vida de Comunidade e à prática continuada da castidade.
  É preciso  que as mulheres de Cafh tenham bem claro este conceito e que as Ordenadas o  aclarem bem a todas as Filhas que venha ao seminário: Ordenação de mulheres é  Comunidade e Castidade.
        Os homens,  ainda que castos, efetuam seu sacerdócio com o trabalho continuado pela atenção  ás almas a eles confiadas, com a Ensinança das Verdades Reveladas de Cafh, com  o apostolado sacerdotal que lhes permite comunicar-se com todos os seres por  seu Voto de União de sangue; mas as mulheres afirmam, demonstram e fazem que a  Ordenação delas tenha uma justificação, pela castidade continuada e pela vida  de Comunidade.
        Se bem  que as Filhas Ordenadas não tenham nunca, como os Cavalheiros Mestres, o Voto  de Renúncia Eterno, no entanto, não se pode imaginar uma Ordenada que não seja  tal, em seu foro íntimo, até a morte.
        Uma Filha  Ordenada dizia, em reunião de Comunidade, que ela pessoalmente preferia a morte  antes que uma dispensa de seu Voto de Renúncia. E esse é o verdadeiro espírito  que há de animar a todas as Filhas Ordenadas: dar à Divina Mãe sua liberdade e  sua castidade, para toda a vida.
        Se elas  não fazem Voto de União Eterna como os Superiores de Cafh, também podem fazê-lo  em espírito; oferendar-se como vítimas voluntárias de sangue para manter o  espírito de união entre todos os Filhos de Cafh.
        Todas as  vezes que ouvem a oração de bênção hão de renovar em espírito seu Voto Eterno,  quando se elevam à Divina Mãe as belas palavras: “Contigo estou unido com um  Voto Eterno de União com todos os Filhos de Cafh que foram, que são e que  serão”.
        Inclusive  é conveniente que algumas almas, com permissões especiais, façam, privada e  formalmente, este Voto Eterno.
        Se bem  que possa ser dispensado o Voto de Renúncia, qual será a vida no mundo para a  alma que penetrou uma vez no Santuário da Divina Mãe? E, sobretudo, para uma  alma de mulher que oferendou à Divina Mãe o melhor de si que é sua castidade?  Como estas almas poderão, ainda no mundo, pedir à Divina Mãe a chave do prazer,  que uma vez lhe entregaram?
        Dizia um  Superior a outro: “Sempre retumbam em meus ouvidos as palavras que o C.G.M.  pronunciou no Plenilúnio de 1952, por ocasião de uma dispensa de um Voto de  Renúncia: “Mãe, que seja para outros a dispensa de votos, mas para mim antes a  morte que capitular; tudo, menos isso. Que seja eu o último em Tua Casa Divina,  antes que ser outra vez vomitado ao mundo”.
        A  Ordenação de mulheres é a coroa de Cafh; é sua força, sua esperança, sua fonte  de recursos. Porém as Filhas, para que sua Ordenação tenha um valor eterno e  inviolável hão de cimentá-la. E as coisas divinas não podem ser cimentadas  sobre aparências, dignidades e hábitos, mas sobre Verdades Eternas. E a verdade  eterna da mulher, como sacerdote, é a dádiva à Divina Mãe do que a distingue  como mulher: a oferenda de sua castidade, para toda a vida. 
      
          
          Ensinança 1: Chamado à Ordenação
          Ensinança 2: Discernimento Vocacional
          Ensinança 3: Contato com a Comunidade
      Ensinança 4: Adaptabilidade
Ensinança 5: Sublimação do Sangue
Ensinança 6: Esquecimento do Mundo
Ensinança 7: A Correspondência
      Ensinança 8: Expansão Anímica
      Ensinança 9: Impermeabilidade ao Exterior
      Ensinança 10: A Modéstia dos Olhos
      Ensinança 11: A Perfeita Observância
      Ensinança 12: Os Inimigos da Perfeição 
      Ensinança 13: O Vazio Purificador
      Ensinança 14: Vida Espiritual
      Ensinança 15: Amor e Sacrifício
      Ensinança 16: A Ordenação de Mulheres