Ensinança 1: A Yoga da Índia
Os povos da Índia, desde os alvores de sua civilização, foram impulsionados à prática do misticismo.
Desde os primitivos discípulos dos Grandes Iniciados da nova Raça até os moradores misteriosos do Himalaia, foi-se formando uma infinidade de homens que dedicaram toda sua vida ao estudo e à prática das coisas divinas e extáticas, deixando para a posteridade, exemplos, escritos e documentos que foram a base de todas as escolas ascéticas, até os dias presentes.
Se se quiser resumir brevemente o método extático da Índia para conseguir a União com Deus, devem-se conhecer as oito bases fundamentais, Yogangas que, para isto, adotaram os indianos de todos os tempos.
- Yama: mudança de vida, isolamento do mundo, desinteresse ou renúncia de tudo quanto possa servir para recreio dos sentidos, purificação de costumes.
- Niyama: purificação interna dos sentidos e da mente. Reta intenção e despreocupação pelos bens materiais. Jejuns, mortificações e estudo dos textos sagrados.
- Âsana: postura adequada para a meditação, modo de colocar os braços e cruzar as pernas. Genuflexões.
- Prânâyâma: domínio da respiração, regularização do alento vital. Este exercício se divide em três partes:
- Pûraka, inspiração do alento.
- Rechaka, regularização do alento.
- Kumbhaka, retenção do alento.
- Pratyâhâra: abstração dos sentidos, domínio das sensações, eliminação dos desejos.
- Dhâranâ: concentração sustentada sobre um objeto, até conhecê-lo em todas as suas mínimas partes. Separar da mente, toda idéia que não seja esse objeto.
- Dhyâna: concentração contemplativa sobre um objeto, com tal intensidade de atração que se o absorve em si.
- Samâdhi: êxtase ou consecução da União com Deus. É a União do discípulo com Deus e supremo grau da Yoga. A alma, por contemplação extática, conquista a Suprema Consciência, convertendo-se no Todo.
Estes três últimos exercícios de Dhâranâ, Dhyâna e Samâdhi são designados, coletivamente, com o nome de Samyama.
Se bem que estas bases, em todas as escolas da Índia, sejam indispensáveis, cada escola prestou maior atenção, especialmente, a um destes oito pontos, o qual foi reputado como o mais importante no exercício da meditação.
Mas - e estaria quase demasiado dizê-lo - não se pode conquistar nenhum deles separadamente, porque estão tão estreitamente ligados entre si que conduzem, de um modo ou de outro, a uma única meta que é a Yoga.
O exercício continuado sobre estes oito pontos deu lugar a muitos Caminhos Místicos ou Mârga:
- Karma Yoga ou Karma Mârga: caminho místico que busca Deus pela ação, especialmente pelo trabalho caritativo, pelas obras religiosas. A alma chega à União Divina por meio da ação, por meio de uma ação de desapego.
- Bhakti Yoga: caminho místico de devoção amorosa, a alma se entrega totalmente dando-se com infinito amor.
- Hatha Yoga: método místico de purificação física, de limpeza corporal, de domínio sobre os órgãos externos e internos. Manejo do prâna.
- Tantra Yoga: caminho místico pelo domínio do poder sexual e dos poderes mágicos.
- Laya Yoga: caminho místico pela atenção constante sobre o som interno ou Nâda que se percebe fechando os ouvidos.
- Chakra Yoga: caminho místico pela meditação constante sobre os centros internos de força.
- Mantra Yoga: caminho místico pela repetição das palavras sagradas ou pela recitação mental de certas fórmulas com atenta meditação sobre seu significado.
- Râja Yoga: caminho místico puramente mental e especulativo. É o método de regularização e concentração do pensamento. Pelo domínio da mente o discípulo desenvolve todas as suas faculdades mentais.
- Jñâna Yoga: caminho místico pelo conhecimento, estudo da ciência e busca da sabedoria.
Estes diferentes métodos de ascética fomentaram a literatura mística e aqueles que passaram por estes sublimes estados de oração, muitas vezes se sentiram impulsionados a transmitir à posteridade suas impressões. Por isso, existem no mundo textos incomparáveis e livros maravilhosos deixados pelas diferentes escolas.
O mais antigo dos textos ascéticos é a “Yoga-sûtrâni” de Patañjali, o qual, em um número reduzido de aforismos, descreve as diversas formas de evolução mística do ser em direção a Deus.
Segue-lhe o “Bhagavad Gîtâ”, livro que descreve como Krishna, a Divina Encarnação, leva Arjuna por todas as etapas, em direção ao Samâdhi. No “Nirûpana Chakra” está descrita a conquista do Supremo Poder mediante o desenvolvimento dos Chakras.
O “Shivâgama”, ensinanças de Shiva, é uma obra antiga que já não é encontrada em nenhum lugar. Unicamente existem trechos dela, retirados de textos antigos. Descreve a União com Deus mediante o domínio dos tattvas.
No “Hatha Yoga Pradhipika” e no “Zivashamita” está descrito como se conquista o poder físico que abre passagem ao poder espiritual.
E assim, por suas escolas e seus métodos, seguem na Índia, seus sábios e seus ascetas, seus sannyâsin, seus brahmachârin, seus pandits em direção à conquista de Deus e da unificação do princípio humano com o Princípio Universal.
Ensinança 2: A Escala de Perfeição Cristã
É muito importante conhecer a Mística Cristã para poder apreciar como o Ocidente pratica, com modo e nomes próprios, todos os exercícios ascéticos para chegar à União Divina.
Já nos primeiros tempos do cristianismo, na idade patrística, os monges do Oriente praticaram diversos exercícios metódicos que os levavam a altos graus de espiritualidade.
Os cenobitas, espalhados pelo deserto e oásis do Egito, os que moravam no convento do Mar Sabba, lavrado na rocha viva de uma alta montanha inacessível, para além do Jordão, eram testemunhos de exemplos admiráveis de santidade. É interessante ler isto na vida de Santo Hilário, escrita por São Jerônimo e na vida de Santo Antônio Abade, escrita por Santo Atanásio.
No ano 649, São João Clímaco, superior dos monges que povoavam o Monte Sinai, deixou escrito um tratado de misticismo chamado “Escada do Céu” (“Scala Paradisi”), no qual, por nove graus de desenvolvimento interno e metódico, chega a alma ao êxtase e à União com Deus.
Mas, quem escreveu os textos famosos de Ascética Mística foi Dionísio Areopagita, mais ou menos no ano 500, os quais são estudados, na atualidade, especialmente “Os Nomes Divinos” (“De Eclesiástica Hierarchia”) e “A Teologia Mística” (“De Mystica Theologia”).
No Ocidente, Cassiano, que viveu desde o ano 360 até 435, resume no “Compêndio do Instituto dos Cenobitas (“Instituta Coenobiorum Collationes”) toda a ascética monacal dos quatro primeiros séculos, dando uma verdadeira orientação mística a seus leitores; e São Bento, que morreu no ano 543, com sua famosa regra, facilita a vida ascética e fomenta-a em seus conventos.
Mas, é na Idade Média, aquela grande época de pares de opostos, de fé raiando a loucura e o ateísmo mais profundo, de santidade e de crime, que surge uma Mística nova: a verdadeira Mística Cristã, que arranca das misérias maiores, da mais negra superstição, para culminar na mais ardente caridade e na mais perfeita santidade.
É um movimento que, saído de poucos homens, abarcou em poucos anos, milhares de seres e fez da religião cristã, muito dada a ritos e pompas hierárquicas, uma religião renovada no espírito. É um movimento culminante. Uma Ascética Mística de trabalho e oração que tira os monges dos claustros e os faz santos por aquele caminho que é a síntese de toda a Ascética Cristã: apostolado e oração, amor a Deus e amor ao próximo.
São Domingos de Guzmán (1170-1221) e São Francisco de Assis (1181-1226) são os promotores eminentes desta nova vida espiritual.
A Escola Dominicana contempla e trabalha com seu famoso ditado: “Contemplari et contemplata aliis tradere” (Contemplar e trazer outros à contemplação).
Desta Escola, rígida e fecunda, nasce uma seqüência inumerável de grandes extáticos: Alberto Magno (1206-1280), que comentou os livros de Dionísio, o Areopagita; São Tomás, o Doutor Angélico (1225-1274), que escreveu amplamente sobre Ascética e chegou, ele mesmo, à mais alta contemplação; Santa Catarina de Siena (1345-1380), a qual viveu, na terra, transfigurada pelos estigmas e pelo amor de Cristo; o Beato Enrique Suso, que morreu em 1365 e deixou numerosos escritos sobre suas experiências místicas.
A Escola Franciscana, poética e especulativa ao mesmo tempo, leva a alma ao cume da perfeição pela prática de todas as virtudes, especialmente a pobreza, e pelo amor a Jesus Crucificado.
Os luminares desta Escola são: São Boaventura (1221-1274), que compõe muitos tratados ascéticos e místicos; a Beata Ângela de Foligno que, falecida em 1309, escreve o livro das “Visões e Avisos”; Santa Margarida de Cortona (1247-1297), que de pecadora se transforma em uma alma que passa por todos os caminhos ascéticos até chegar às Bodas Espirituais ou Êxtase Divino; Jacoponi di Todi, que morreu em 1306, o místico poeta que chega a Jesus Crucificado pela contemplação das dores de Maria; e Santa Catarina de Bolonha (1413-1463), que ainda guarda sobre seu rosto de múmia o beijo místico que recebeu de Cristo.
Outros místicos insignes secundaram e ajudaram a mística dominicana e franciscana, especialmente o Beato Jan van Ruysbröeck (1293-1381), que fundou a Escola Flamenga e escreveu “O Espelho de Salvação” e “As Galas das Bodas Espirituais”, e Tomás de Kempis (1379-1471), autor da “Imitação de Cristo”.
No entanto, a reforma de Lutero no século XVI provoca no Cristianismo Católico, uma contra-reforma e novos tipos de mística se incorporam aos já existentes.
O colosso da contra-reforma é Santo Inácio de Loyola, o qual, com seus Exercícios Espirituais, ensina o Caminho Místico por meio da vontade individual modelada sobre a Vontade de Cristo.
É o venerável padre de la Columbière, morto em 1682, diretor espiritual de Santa Margarita Maria Alacoque (1647-1690), o qual, por insistência de sua dirigida, promove a devoção ao Coração de Jesus: a unificação da vontade e dos sentimentos do homem com a vontade e os sentimentos de Jesus.
Mas à Escola Carmelita, fundada por Santa Teresa de Jesus (1515-1582), cabe a honra de fundar uma Escola Mística de pura contemplação, que tende a levar a alma desde a Humanidade de Cristo à Divindade Absoluta.
Seu discípulo, São João da Cruz (1542-1591), aperfeiçoou-a ainda mais. Pois, concebe como único resultado da contemplação a total desaparição da personalidade humana na Imensidade Divina.
O sacerdote Miguel de Molinos, espanhol do século XVII, chega a aconselhar a aniquilação do ser em sua “Guia Espiritual” e Fénélon (1651-1715) é propagador de uma mística similar chamada Quietismo.
Mas, este tipo de mística foi condenado pela Igreja.
O misticismo de São Francisco de Sales (1567-1622) é completamente humanista. Uma consciência serena, sempre posta em Deus; em todos os estados de vida se pode chegar à santidade.
A Escola Francesa do século XVII, fundada pelo cardeal de Bérulle (1575-1629), põe a Ascética Mística completamente ao serviço do dogma da Igreja. Todas as forças espirituais e psíquicas que a alma adquire pela ascese, há de derramá-las sobre a Igreja para benefício das almas e atrasar a felicidade da União Divina até a hora da morte ou no além.
Do oratório da França e de seus admiradores saiu uma infinidade de místicos que chegaram a ser de grande utilidade para a Igreja, como São Vicente de Paula (1576-1660), fundador das Filhas da Caridade; o padre Olier (1608-1657), fundador da Companhia de São Sulpício e S. João Eudes (1601-1680), fundador da Congregação de Jesus e Maria, e propagador da devoção aos Sagrados Corações de Jesus e Maria.
Resumindo todas as escolas, a Mística Cristã se baseia sobre três pontos fundamentais: Purgação, Iluminação e União.
A Via Purgativa é a dos principiantes na meditação e é necessária para a purificação da alma para retirar as escórias.
É exercício indispensável para vencer as dificuldades dos principiantes e a falta de experiência na prática.
A alma não pode purificar-se sem o exercício da penitência. Esta a purifica das culpas passadas e faz com que seja apta para resistir às tentações futuras; limpa e fortalece o corpo físico pelo jejum; acalma as emoções e vence as tentações com as práticas devotas, a mortificação dos sentidos, a prática das esmolas e das boas obras. E, finalmente, põe sossego na mente pelo domínio das paixões e pela renúncia aos prazeres mundanos; da mesma forma, fortalece as três potências mentais: memória, entendimento e vontade.
A Via Iluminativa põe o discípulo em condições de permanecer concentrado certo lapso de tempo, com grande afetividade, sobre assuntos divinos.
A prática positiva de todas as virtudes cristãs e a Imitação da Humanidade de Cristo são os primordiais exercícios. Na Via Purgativa o exercitante discorria durante o tempo da meditação. Mas agora, deixa o discurso porque é a alma aquela que o entretém. Sua União com Deus se faz íntima e habitual, estimulado a isto pelo fervor e pela piedade e, apoiando o fruto de sua experiência sobre a fé, a esperança e a caridade, chega à plenitude do amor.
Há também perigo nesta meditação: aquele que já saboreou os bens espirituais da meditação, se não pode consegui-los, faz um esforço excessivo para voltar a possuí-los e, ao não alcançá-los, acredita que perde seu tempo e deixa de praticá-la.
A Via Unitiva é uma mais íntima e extática União com Deus. Segundo o ditado “Ambulare cum Deus intus”, a União Simples é um olhar persistente e amoroso a Deus que se prolonga por tempo mais ou menos longo voluntariamente, mas que chega a ser contínuo, ainda sem a intervenção da vontade. Os efeitos são: uma santificação cada vez mais íntima da alma, uma compreensão extraordinária dos dons do Espírito Santo e um amor inefável às coisas divinas.
Na Mística Cristã há diversos graus de União Divina. A Oração de Simplicidade, que é um estado da alma no qual nada mais cabe além da serenidade de ver-se e saber-se na presença de Deus.
Segue-a a Contemplação Infusa, que é uma visão intelectual que procede de Deus, junto com um claro entendimento e amor pelas coisas divinas.
Vem a seguir, a Oração de Quietude. É esta, às vezes, árida e dolorosa, outras, suave e agradável. A alma fica, aqui, suspensa entre céu e terra, dolorosa ou feliz. Nem a mais leve brisa, nem um piscar turvam o sossego espiritual.
Pela União Plena, a alma vai-se transformando paulatinamente em Deus, até ficar não só com a vontade, mas com todas as suas potências suspensas, quando se encontra na presença Divina.
Segue-lhe a União Extática, chamada Desposórios Espirituais. Os sentidos ficam suspensos e a mente é absorvida completamente por Deus até chegar à imobilidade. Ainda que pudesse querê-lo, a alma não poderia escapar dali.
A União Extática tem três matizes diferentes: o Êxtase Simples, é um desfalecimento da alma nos braços divinos; o Arroubamento, é uma impetuosidade e violência que arrebata irresistivelmente; e o Vôo do Espírito, é um sentimento de compreensão divina tão grande que parece querer arrancar a alma do corpo.
O último e mais alto estado da extática cristã é a União Transformante ou Matrimônio Espiritual, que é uma total intimidade, sossego e indissolubilidade com Deus. Os efeitos destes êxtases são: maior santidade de vida, desapego perfeito das criaturas, imensa dor pelos pecados cometidos, visão freqüente da humanidade de Jesus e uma vida terrena completamente celeste, divina.
Vários fenômenos psíquicos acontecem aqui: freqüentes visões corporais, imaginativas e mentais; recebem-se freqüentes toques divinos, compreendendo-se repentina e infusamente, coisas que, aparentemente, não têm explicação.
Em alguns, é tanta a elevação que sentem que chegam a ter êxtase ascensional ou de elevação, no ar, do corpo físico, chamado vôo extático ou deslocamento extático. Caminham velozmente sem tocar o solo, como aconteceu a São José de Cupertino, o qual, voando, levou uma pesada cruz, depositando-a no lugar adequado. Às vezes, caminham sobre a água, exercício ascético chamado transfretação.
Estes seres podem emitir eflúvios luminosos ou olorosos. Praticam abstinências prolongadas e chegam a uma imitação tal do Mestre que até têm estigmas em seus corpos.
A Mística Cristã não exclui as baixas formas de meditação. Estas podem trazer a obsessão (que é uma tentação mais violenta e duradoura que a comum) e os possessos, que têm uma presença contínua do espírito do mal no corpo.
Ensinança 3: As Três Normas da Ascética
As palavras “Ascética Mística” querem explicar o processo que a alma percorre, por seu esforço próprio ou pela ação de seu destino ancestral para realizar Deus.
A palavra “Ascética” se refere em particular ao exercício ou esforço controlado, enquanto que a palavra “Mística” se refere ao ato de unir-se, parcial ou totalmente, com Deus.
Não se deve imaginar esta Mística União como uma linha traçada para frente, pois não existe coisa alguma no Universo criado que siga uma linha reta. Deve-se imaginá-la como uma luminosidade oscilante dirigida para um centro determinado.
Os dualistas, criacionistas ou animistas foram aqueles que mais se esforçaram para conseguir esta Mística União. O próprio conceito de sua doutrina assim o exige, já que diferenciam totalmente o Espírito da matéria. Este conceito infunde nas almas um anelo veemente de elevação desde a matéria, em direção ao Espírito. Por isso, as filosofias dualistas tiveram grandes místicos especulativos que chegaram à União com Deus.
Nem por isso os absolutistas, monistas e panteístas deixaram de ter seus grandes místicos. Mas sua mística teve sempre um sentido mais passivo do que especulativo.
No entanto, em todos os seres humanos - e ainda mais entre aqueles que chegaram a um determinado ponto do caminho de evolução - manifesta-se essa tendência a realizar o sentido intuitivo do Espírito.
Todos os grandes seres chegaram, em momentos de grande exaltação, a uma perfeita União com Deus, seja pelo esforço de um trabalho intenso ou por um abandono total de suas potências. Mas, há aqueles que, não somente em momentos determinados da vida querem experimentar este êxtase, e sim provocá-lo à vontade, mediante a disciplina e o exercício.
Desde tempos imemoriais, existiram homens que dedicaram sua vida à Ascética Mística. Se forem cotejadas todas as escolas e se forem resumidas todas as ensinanças ditadas pela prática contínua, pela experiência adquirida e pelos estudos feitos, ver-se-á que a medula de todos esses textos e filosofias estriba em três normas determinadas. Estas são:
- Método de Vida
- Esforço Continuado
- Domínio Mental
O método de vida é aquela reorganização celular do corpo físico que dispõe a matéria à ascensão. Todo o conjunto do corpo físico deverá eliminar aquelas toxinas produzidas pelos maus hábitos e tomar substâncias novas e adequadas que permitam às vibrações espirituais chegar sem tropeço até os centros cerebrais do exercitante.
Com o método de vida se afugentam então os obstáculos, sobretudo as doenças corporais, os hábitos mórbidos do subconsciente, as debilidades nervosas, o desgaste excessivo de energias orgânicas e o tremor muscular próprio daqueles que não estão acostumados às altas vibrações.
Esforço continuado é a aplicação indispensável e contínua para conquistar o objeto.
A preguiça mental, adquirida durante o tempo em que não se fez trabalhar os centros cerebrais adequados é vencida pela aplicação constante no exercício da oração. A mente, pressionada pelo esforço da vontade, afasta as ondas e imagens negativas e traça novos sulcos cerebrais, habituando o pensamento a que se fixe em assuntos divinos.
Pelo esforço continuado, as emoções vulgares se transladam ao cérebro e perdem, à luz da análise, seu valor fundamental. O sentimentalismo é dominado e as formas imaginativas da mente se transformam em ideais ou em imagens únicas que ajudam no exercício da meditação, em lugar de prejudicá-lo com distrações.
Domínio mental, consegue então o exercitante. A alma se sobrepõe às ondas mentais e as domina. Deste modo, pode espelhar em si a imagem divina e sentir o êxtase da Presença de Deus.
O domínio mental, uma vez conquistado, guia a alma em direção a Deus e ao êxtase, por dois caminhos: pela especulação ou pela relaxação, pela oração ativa ou pela oração passiva.
A especulação fixa a mente de um modo contínuo sobre um único objeto, até que este penetre no ser, se transforme nele próprio, de forma que a alma, por esse caminho, possa abismar-se na Essência Divina.
A relaxação afasta constantemente todos os pensamentos até que a alma, lentamente, vazia de tudo, não tem mais que um só pensamento: a Realização Divina.
No entanto, o método de relaxação não é alcançado sem esforço. Alguns místicos colocam o principiante neste caminho que é muito perigoso e que não é aconselhável. Há aqueles que, por predisposição ancestral, entram com muita facilidade nesta via, mas ainda estes, no princípio, devem ser forçados para que sigam o caminho habitual.
O homem não deve esquecer que é tal e que, se bem que a alma tenha possibilidades divinas, nunca deve abandonar a alta missão que lhe foi confiada, de ser homem, simplesmente.
Há que rogar sempre, com humildade, para que os Mestres guiem a alma pelo caminho reto.
“Ó milhares e milhares de homens que lutastes, que vos esforçastes de uma forma ou de outra, numa terra ou noutra, num credo ou noutro, para conseguir a União da alma com Deus e a haveis ensinado aos homens. Patanjali da Índia, sacerdotes do Egito, Platão da Grécia, cristãos Clímaco e Cassiano, Ramakrishna e Emerson destes tempos, desconhecidos Filhos da Divina Mãe, a todos se vos reclama para que nestes dias, escrevais em nossas mentes e em nossos corações, com somente dez palavras, as normas eternas desta grande doutrina: ‘Pelo domínio do corpo, com o esforço continuado e fixando a mente no Espírito, une-se a alma em Místicas Bodas com Deus’”.
Ensinança 4 : O Diretor Espiritual
No caminho ascético, para chegar à Mística União da alma com o Divino, especialmente nos primeiros tempos, é indispensável um Diretor Espiritual que guie a alma pelo caminho que lhe convém.
Não se pode negar que há almas extraordinárias que têm especial direção, seja de sua subconsciência ancestral ou, como acontece em alguns raros casos, diretamente dos Mestres que dirigem o movimento místico desde o mundo astral.
O rei pitagórico Numa Pompílio, de Roma, era dirigido pela ninfa Egéria, à qual unia um estreito laço de amor espiritual, e não ditava nenhuma lei no governo de seu povo sem antes consultar sua bem-amada etérea.
Santa Catarina de Gênova nunca pôde ter diretor algum. Quando tentava pôr-se sob uma direção especial, acontecia algum fato extraordinário em sua vida que a fazia prescindir desse guia. Em troca, diariamente, o próprio Mestre Jesus lhe aparecia, ilustrando-a e dirigindo-a continuamente.
Helena Petrovna Blavatsky também não pôde ter direção espiritual sobre a Terra, pois os Mestres se comunicavam diretamente com ela para dar-lhe suas ordens. Esta mulher, tão excêntrica e de temperamento tão rebelde às ordens da sociedade, era completamente humilde e submissa à vontade Daqueles que, desde o além, orientavam seu caminho.
Se bem que seja verdade então, que há almas excepcionais, dirigidas diretamente desde o alto, a maioria dos místicos que não têm direção visível, especialmente os principiantes, mostram um estado lamentável em sua ascensão, se é que se pode chamá-la assim. Com efeito, a maioria deles vaga de um Mestre a outro, de um exercício a outro, de uma desilusão a outra, encontrando-se no final, tão desorientados e enredados em seus pensamentos, que necessitam perder tanto tempo para desaprender o que aprenderam quanto empregaram para aprender.
Tampouco podem ser estes, matéria muito maleável, postos em boas mãos, porque sua alma é como uma tela muito garatujada, manchada de conceitos errôneos e de preconceitos, que quase se poderia dizer, indeléveis.
A maior felicidade, pois - e a esperança mais segura de alcançar a União Divina - é encontrar um Diretor Espiritual.
Evidentemente, é este um assunto muito delicado. Nunca será suficientemente ponderada aquela frase de Santa Teresa de Jesus que dizia a suas freiras: “Buscai um Diretor Espiritual que seja homem piedoso e letrado”.
A missão de dirigir as almas em direção à perfeição é a mais digna que se pode encontrar sobre a Terra. Mas para isto, é necessário ter uma vocação especial e amar as almas intensamente. Assim como o explorador quer viajar, como o pródigo somente quer gastar seu dinheiro, como o estudioso somente vê seus livros e como a mãe somente vê seus filhos - o Diretor Espiritual somente quer almas, somente vive para conquistá-las, para acender nelas o fogo divino e fazer com que este arda constantemente.
Dom Bosco exclamava: “Tenho sede de almas!”, e Ramakrishna chorava e suspirava, clamando desde o terraço de sua casa: “Vinde almas destinadas a mim”.
O Diretor Espiritual deve ter, então, um amor irresistível pelas almas, uma comunicação espontânea e simpática, que atraiam todos aqueles com quem trate. Também dedicação ao estudo, tudo isto unido à prática da oração. Ele deve estar, além disso, adornado com todas as virtudes generalizadas, sem que nenhuma sobressaia demasiadamente sobre as outras.
Esta simpatia espontânea era dom característico de São Francisco de Sales, o grande diretor de almas. Uma dama disse quando ele deixou Paris: “Ai, ladrão! Ele se vai e leva nossos corações”.
A pessoa unilateral que vê só um aspecto da vida ascética e pratica unicamente certas virtudes não pode ser um bom Diretor Espiritual porque este não há de ser uma flor, mas um ramalhete de diversas e perfumadas flores.
Além disso, para triunfar e levar as almas a seu destino, ele há de ter um fino tato e não ser extremamente meloso. Deve ter uma cortesia e diplomacia que não tirem lugar à disciplina e à severidade oportuna e um constante cuidado com a alma a ele confiada. Estes dotes deverão acompanhar sempre o Diretor Espiritual, como a sombra acompanha o homem.
Inácio de Loyola emprestava dinheiro a Francisco Xavier, quando este perdia no jogo, para fazer-se seu amigo e conquistar sua alma, como fez depois.
Houve um tempo em que Ramakrishna procurava assiduamente Vivekananda. Mas, mais adiante, afastava-o de si sem piedade.
Monsenhor Bérulle mandava Madame Acarie acompanhar seu esposo nos bailes, bem vestida e decotada, de acordo com os costumes desses tempos, que dançasse e fosse atenta com todos de acordo com sua posição e condição, mas que levasse sob o vestido um duro cilício.
Helena Petrovna Blavatsky usava com o coronel Olcott, mudanças das mais surpreendentes. Passava da cortesia mais refinada à maior severidade, quase instantaneamente, para exercitar a paciência desse valente homem.
Um dom característico do bom Diretor Espiritual é o discernimento para conhecer aqueles que lhe foram encomendados pelos destinos superiores e, quando estes se submeteram a ele, tem uma segurança e uma autoridade indiscutível para fazê-los seguir a senda que mais lhes convém. Especialmente nos momentos difíceis e definitivos, deve ter um poder extraordinário para dizer-lhes: “Teu destino é este ou aquele”.
Além disso, é preciso que tenha uma realização pessoal das práticas internas e externas da Ascética Mística. Os livros, o conhecimento e a referência não devem ser para ele, mais que uma ajuda.
Às vezes, é tanto o amor que professa pela alma de seu dirigido, que conhece e experimenta, em parte, o caminho e os trabalhos pelos quais, aquele deverá passar.
A idéia integral da obra do Diretor Espiritual em uma alma há de subsistir desde o princípio até o fim, sem variar, de modo tal que o dirigido não seja submetido à missão do Diretor Espiritual nem que este se deixe arrastar pela missão característica do dirigido.
Uma vez escolhido o Diretor Espiritual, não se pode mudar de orientação. Enlaçam-se as correntes entre Mestre e discípulo que vão além da vida e, assim como ele tomou sobre si a carga da ignorância do discípulo, este carrega com a responsabilidade de sua vida material.
Em alguns casos, pode-se mudar de direção, mas sempre é o próprio Diretor que o aconselha ou um fato extraordinário que o determina.
As relações afetivas entre o Diretor Espiritual e o eleito devem ser extraordinariamente puras. Entre eles deve haver mútuo respeito e ausência de todo excesso de familiaridade. Por trás da casca do corpo de seu discípulo, ele vê constantemente a luz brilhante do Espírito. Só assim ele não estanca na direção da alma e, sem pressa de que passe rapidamente de um estado a outro, vai fazendo com que ascenda pouco a pouco, à medida que descobre a ação divina em seu interior, lembrando sempre aquela frase divina: “As almas devem ser impulsionadas, mais do que arrastadas. As rosas, quanto mais tocadas, mais rápido murcham”.
Se bem que haja diferentes tipos de místicos, em todos os casos é indispensável uma boa Direção Espiritual.
Há três tipos de místicos: os solitários, os ordenados e os giróvagos.
Os solitários são homens que não abandonaram o mundo, mas que vivem sob a guia de um Diretor Espiritual, obedecendo-lhe e respeitando-o em tudo.
Os ordenados, além de terem um Diretor Espiritual, ao qual obedecem cegamente, vivem junto com ele na mesma casa ou no mesmo mosteiro.
Os giróvagos não têm um determinado guia ou Diretor Espiritual e deixam-se levar por seu instinto ou pelo que acreditam ser inspiração divina.
Os solitários obedecem estritamente a seu Diretor Espiritual e submetem-se ao método de exercício e à disciplina interna completamente por sua vontade. Fundamentam sua fé numa total confiança nele, indispensável para a realização.
Quando Saulo é ferido por um raio divino a caminho de Damasco, pergunta: “Senhor, que queres que faça?”, e respondem-lhe: “Entra na cidade e ser-te-á dito o que deves fazer”. O Espírito Superior se nega a dirigi-lo desde um princípio, mas envia-o a Ananias para que a experiência do homem colabore com a Graça Divina.
Os místicos ordenados, que vivem em comunidade com o Diretor Espiritual, predominam principalmente entre os orientais. É indispensável, para um chela hindu, viver junto a seu Guru, e obedecer-lhe cegamente. A obediência cega limpa a mente de todo preconceito passado e põe o ser em harmonia com as forças do Guru fazendo-o apto a alcançar os mesmos êxitos psíquicos e espirituais.
Os chelas da Índia até meditam sobre a forma física de seu Mestre e imaginam, durante a meditação, que este está sentado sobre o pequeno chakra do coração, chegando a identificar-se com ele.
Os místicos giróvagos, que não têm diretamente um Diretor Espiritual, ao empreender um caminho desconhecido e cheio de perigos, podem chegar a perecer.
Ensinança 5: O Retiro
O retiro espiritual, o afastamento completo do mundo durante um período do ano, é indispensável para o bom desenvolvimento dos exercícios ascéticos.
O discípulo, quando está bem adiantado na concentração, pode abstrair sua mente, já seja na mais silenciosa caverna ou na mais buliçosa metrópole. No entanto, como postulado disciplinar, tem de buscar periodicamente seu afastamento do mundo.
Assim como os empregados de escritório esperam ansiosamente o fim-de-semana para sair da cidade, ir ao campo, tomar ar e viver livremente em contato com a natureza com o objetivo de tonificar seu corpo físico, assim também a mente necessita seu descanso e mudança de ambiente para impregnar-se de magnetismo e renovar seu vigor.
Durante o ano, podem-se fazer diversos retiros espirituais:
- Um retiro anual
- Um retiro trimestral
-
Um retiro de um dia
O retiro anual deve ser o mais afastado e rigoroso. Busque-se um lugar silencioso, longe dos ruídos e do ponto habitual de residência e procure o discípulo, deixar completamente toda preocupação. Pense que rompeu com o mundo e que já não tem emprego nem família nem amigos nem responsabilidades. Procure não falar, em absoluto, de coisas que dizem respeito a sua vida privada, para que nenhum pensamento estranho turve sua mente. Como este retiro anual quase sempre é feito em comum com outros companheiros, seja em tudo obediente a quem dirige o retiro, e aos horários estabelecidos.
Pela manhã, eleve seu pensamento à Divina Mãe e aos Mestres, para que orientem o dia em direção ao nobre fim estabelecido e, se não estiver prescrito de antemão, escolha um tema de oração para ser guiado por ele durante todo o dia. Depois, faça sua hora de meditação.
Escute as ensinanças e conferências com suma atenção, procurando reter os pontos principais em sua memória, para considerá-los depois.
Em seguida saia ao ar livre, vigorize seu corpo com trabalhos manuais, com adequados exercícios respiratórios e com banhos de água natural de rio, mar ou cascata.
Depois, dará um longo passeio, procurando que a mente não pense em nada fora das formas naturais que vá observando pelo caminho.
De volta, por-se-á a estudar aquelas ensinanças relacionadas com a meditação do dia, até a hora da refeição.
Nos recreios converse de coisas espirituais ou úteis, sem rir em demasia nem abstrair-se da conversa comum nem entrar em choque com os companheiros.
Depois do almoço terá um descanso prolongado para que os sonhos continuem o trabalho da mente.
A tarde há de ser repartida, mais ou menos, como a manhã. Antes de deitar-se, ao fazer o exame retrospectivo, procurará lembrar-se dos temas e das palavras que mais lhe despertaram a devoção e a atenção durante o dia, para anotá-las e que lhe sirvam de orientação, uma vez terminado o retiro.
Nas horas que não sejam de passeio manterá o mais absoluto silêncio.
O retiro trimestral será feito, com pequenas variantes, como o retiro anual.
Se não for possível ter ensinanças e conferências, o discípulo se prescreverá, ele mesmo, os temas de meditação diária ou lê-los-á num livro adequado.
O retiro mensal, cada um poderá fazê-lo em sua casa particular ou ao ar livre.
Há pessoas que têm, em sua casa, um aposento destinado unicamente à oração e ao estudo. Um pequeno santuário onde ninguém entra, e que se mantém puro com orações e santos pensamentos. Ali, o discípulo pode afastar-se e meditar, fazer suas leituras espirituais e tomar forças nos momentos difíceis.
Na manhã do dia estabelecido, ele se encerrará em seu aposento e escolherá um tema predominante de meditação para guiar-se por ele durante todo o dia. Fará a meditação primeiro e depois anotará os conceitos que a mesma lhe sugeriu, e isto durará uma hora mais ou menos. Seguirá meia hora de recopilação e depois uma hora de leitura espiritual. Depois de almoçar e dormir um pouco, fará uma segunda meditação, estudará duas horas, usando um tempo para pensar em seus problemas espirituais e, por fim, fará uma terceira e última meditação.
Terminará seu retiro com um resumo místico do dia e um exame retrospectivo.
Se fizer isto ao ar livre, o discípulo toma seu lanche sozinho ou com algum companheiro, dirige-se ao campo ou a algum lugar afastado.
É como se empreendesse uma longa viagem. É um dia de liberdade para a alma que, livre de toda preocupação, vive em contato com Deus e com a natureza.
Sentado ao pé de uma árvore ou à borda de um arroio, fará suas meditações, sua leitura espiritual, sua conversa com Deus ou com a Divina Mãe e irá caminhando como se seu passeio fosse em direção à eternidade.
À noite, ao regressar, fará o reconto de seu retiro, das orações e pensamentos que teve durante o dia e voltará reconfortado a seu lar.
Evidentemente, estes métodos não é uma norma fixa, mas conselhos, que os Superiores ou os estudantes podem modificar segundo a necessidade ou as aspirações individuais.
Os Filhos da Divina Mãe amam, às vezes, as altas e nevadas montanhas, se bem que não desdenhem fazer suas casas nos vales sombrios e solitários. Às vezes, souberam esconder-se em ilhas remotas e desconhecidas, custodiando o Santo Graal. Mas, quando é necessário para o bem das almas, sabem morar nas grandes cidades e nos centros de atividade. Todos, no entanto, suspiram continuamente por aquele lugar por Ela prometido, ainda não pisado por pés humanos.
Ensinança 6: Desorientações Psíquicas
Se bem que uma alma possa começar o caminho ascético com fins pessoais, ao avançar nas práticas deve cair, fatalmente, na compreensão de que a única realidade que persegue não é a conquista de certos poderes, mas a União Divina.
Se um ser, depois de haver feito certas experiências místicas, persiste em seu egoísmo pessoal, é arrastado por forças destruidoras malignas e transforma-se no que se poderia chamar um mago negro.
Pela meditação e pela concentração, as forças do Grande Elemento, depositadas no plexo sacro, sobem, voluntária ou involuntariamente, ao cérebro, até o centro coronário para facilitar a visão divina. Mas, no místico extraviado e egoísta, estas correntes são desviadas pelo impulso pessoal e são lançadas nos centros inferiores.
Este procedimento errôneo, se não levar ao desequilíbrio ou ao desespero, acarreta a depravação psíquica. O mago negro se rebela e nega-se a unir suas forças às Forças Eternas, à União Divina. Quer retê-las em si, para usá-las para seus próprios fins. Desafia Deus e, por conseguinte, é como Lúcifer, lançado à profundidade, ao abismo, abandonado a si mesmo.
O ser que perdeu o caminho é - por uma força que não pode sair dele - atacado por desejos horríveis e bestiais, desejos de sofrimentos físicos que chegam até ao automartírio. Conhecidas são as práticas que se impõem certos faquires de baixa categoria, da Índia: dormem sobre camas de pontas de ferro, permanecem em uma postura inadequada até que os membros forçados se atrofiem, ingerem poções de vidro triturado e cometem outras muitas loucuras.
Em conseqüência destas aberrações, o corpo astral é afetado diretamente.
O ser está defendido por uma radiação astral, assim como a casca rodeia o ovo. Esta impede que cheguem a ele, emanações alheias a seu tipo. Ao forçar inconvenientemente sua roda controle com práticas psíquicas equivocadas, ela perde seu equilíbrio e deixa livre passagem a toda influência. Penetram então, nesse círculo de proteção, pensamentos alheios materializados, larvas mentais e seres elementais da natureza que acabam por vampirizar e dominar sua vítima.
Às vezes, isto chega a tanto, que o ser já não atua por si mesmo, mas é dirigido como um autômato por perversas entidades que se apossaram de seu círculo áurico. Chamem-se estes homens, como dizem os cristãos, possuídos pelo demônio, ou como dizem os espíritas, obsediados, sempre se trata da mesma coisa: forças energéticas mal orientadas estouram ao não encontrar o reto caminho e produzem uma ruptura na aura astral.
Muitas vezes, as forças de defesa que ficaram no corpo astral podem repelir estas influências e trazer de volta a normalidade e a saúde. Mas, em outros casos, somente a morte pode restabelecer o equilíbrio nessas almas.
Ensinança 7: A Oração
O homem e Deus são duas coisas aparentemente diferentes. Mas, quando retirados os véus da ilusão, o homem realiza Deus. Então são como uma só coisa.
Esta é a felicidade, o paraíso, e por isso, o ser na Terra, ainda sem sabê-lo, anela pela perfeição espiritual e por encontrar Deus.
A oração é o meio para encontrar Deus. A harmonia entre os sentimentos do coração e as forças mentais é o elemento para alcançá-lo.
A oração, então, é indispensável para a realização. É a alavanca sobre a qual se baseia a vida espiritual e seu êxito. Cristo disse: “É necessário sempre orar” (“Oportet semper orare” – Lucas XVIII,1).
Oportet, é necessário. A oração é uma necessidade e há de ser contínua, perseverante, até que transforme todos os atos diários, ainda os mais insignificantes, em uma oração, em um método de vida.
Semper, sempre. É preciso esforçar-se continuamente para orar. É preciso ter sempre um controle sobre si mesmo, para que a oração não se separe nunca da vida do homem e que ela se converta num esforço continuado.
Orare, orar. A oração deve ter uma qualidade: aquela de tender a orar sempre do modo mais perfeito possível, transformando-se em domínio mental.
A oração se pratica de três formas:
- Oração Operativa
- Oração Vocal
- Oração Mental
A oração operativa se efetua por uma constante autodisciplina no trabalho, fazendo de todas as obras, pela ausência do desejo e pela oferenda humilde a Deus, uma realização. O discípulo não aspira ao fruto do trabalho nem à satisfação pessoal e relativa, mas unicamente busca agradar a Deus e cumprir com Sua Divina Vontade.
A oração vocal ajuda a elevar o pensamento e a purificar os afetos mediante as vibrações repetidas e prolongadas das palavras. O valor dos cantos litúrgicos, dos hinos sagrados, das orações conhecidas é indiscutível.
A oração mental se consegue pela observação continuada das coisas externas ou internas até chegar a fixar-se nas mesmas, de tal modo que se conheça sua essência.
A oração mental se divide em quatro partes:
- Meditação
- Concentração
- Contemplação
- União
A oração mental é ativa ou passiva.
É ativa quando determina e mede, até o extremo, a própria força de vontade. É passiva quando simplifica, até o extremo, seu estado de consciência.
Na meditação, as forças emotivas são transferidas desde o plano habitual de atividade até o plano desejado para a conquista do Amor Divino, alcançando-se por uma purificação constante: humildade, renunciação, autodisciplina e uma grande devoção a Deus.
Na concentração, pela fixação contínua da mente, dominam-se as forças mentais e se consegue: autocontrole, direção sobre si mesmo, conhecimento superior e uma clara iluminação mental.
A contemplação é o estado extático no qual a alma, baseada unicamente na intuição, encontra a essência das coisas e se une a ela.
A União é o momento em que a alma do discípulo se une estreitamente à Alma Divina, perdendo toda comunicação com os planos inferiores, sensoriais e racionais.
Ensinança 8: A Meditação
A meditação se refere aos efeitos sensitivos da alma.
A meditação é um discurso imaginativo. É útil porque põe em jogo todas as forças mentais do ser, orientando-as para a conquista da sensação desejada.
A meditação se divide em duas partes: purgativa e amorosa. A primeira é apropriada ao começar o exercício. A segunda, para que o principiante não se canse e persevere no caminho. A meditação purgativa mostra as chagas da alma com todo seu horror e fetidez. Mas, não se deve permitir que a alma caia no desalento: a meditação amorosa a livra desse mal.
Os principais métodos de exercício de meditação são os seguintes: a meditação lida, a meditação dialogada, a meditação sensitiva e a meditação afetiva.
A meditação, seja purgativa ou amorosa, pode ser ativa ou passiva.
O ser não deve eliminar as paixões, matando-as ou tentando aboli-las quando eclodem na vida, porque, desta maneira, tão somente se consegue sua rebelião ou sua aparente submissão, já que, mais tarde renascem, a qualquer momento, com mais força e pujança. Em troca, canalizando-as, efetuando uma verdadeira transmutação de valores sentimentais, conseguirá vencê-las ou transformá-las definitivamente.
A meditação não é a finalidade da Ascética Mística, mas tão somente um exercício para os principiantes. Há almas que, por serem demasiado escrupulosas, uma vez que começaram este exercício, não querem abandoná-lo. Mas, deve-se evitar este perigo. A meditação é um exercício útil, indispensável no começo, mas não é mais que uma carga, que é necessário depois afastar. No lago da mente, o exercício da meditação ocupa um lugar que desloca as águas espirituais. Algum dia, dever-se-á afastá-lo, para que estas preencham completamente o lago mental.
Muitos místicos dizem que Santo Inácio de Loyola impôs a seus discípulos o exercício da meditação, mas seria cometer uma grave injustiça com o esclarecido contemplativo, afirmar tal coisa. O livro dos exercícios espirituais, onde o santo descreve com tantos detalhes os diversos exercícios de meditação, é tão somente para principiantes; algo que, segundo ele, se deve fazer uma só vez na vida, ao começar o caminho espiritual. Em suas regras, não prescreve aos jesuítas nenhum método de meditação determinado. Isto só foi introduzido mais adiante em seu instituto. Ele estimulava e incitava as almas ao exercício de meditação quando começavam o caminho espiritual.
O exercício da meditação é de grande utilidade e, assim que se note que uma alma tem tendências espirituais, deve-se orientá-la para que o pratique. Ainda mais, há que lançar as almas para que o iniciem, especialmente os jovens. É necessário não esquecer que, se a alma é chamada ao caminho ascético, basta que deseje encontrá-lo para já estar parcialmente nele. Se uma alma deixa o exercício da meditação, fica atada ao caminho místico e, tarde ou cedo, haverá de voltar a ele.
A meditação é um exercício sobre o qual não é possível dizer quanto tempo deve ser praticado pelas almas. Algumas começam, mas não são sinceras nem resolutas ou não são fiéis diariamente ao exercício. Estas, evidentemente, terão que praticá-lo por mais tempo. Mas, outras almas são mais decididas, mais dispostas, e não se deve detê-las demasiado tempo no exercício.
A meditação é sempre de grande utilidade. Existem almas que, ainda depois de haverem escalado grandes estados ascéticos e místicos, em períodos de grande secura e aridez, devem voltar ao exercício para tirar algum proveito na hora da oração mental.
Para fazer o hábito da meditação, é imprescindível que, especialmente os principiantes, se ajustem a um método determinado. Este método deve ser seguido com constância e tenacidade, perseverando nele todo o tempo que seja necessário, de acordo com a opinião do Diretor Espiritual.
Se bem que haja muitos métodos didáticos de meditação, é bom decidir-se por um, claro e singelo. É muito aconselhável o método sensitivo.
A preparação, antes da meditação, é fundamental e básica. Consiste na escolha, de antemão, do tema adequado que se desenvolverá durante a mesma. Se não se o prepara, pode-se perder todo o tempo destinado ao exercício, na busca do mesmo. Esta se chama preparação remota.
A meditação sensitiva se divide em cinco partes:
- Preparação
- Imaginação
- Sensação
- Propósitos
- Conseqüências
Não é a todas as almas que se pode dar o mesmo método de exercício de meditação. Os pobres de imaginação necessitam deter-se consideravelmente no quadro imaginativo. Podem dividir o tempo da meditação em três partes: uma preparação, um quadro imaginativo e os efeitos conseguintes.
Os muito vivos de imaginação devem encurtar, no possível, a duração do quadro. Há seres de escassa memória e, com o objetivo de desenvolvê-la, é conveniente que, de tempo em tempo, se detenham um momento para fazer um esboço mental do objeto da mesma. Vão se intercalando, por assim dizer, breves quadros imaginativos.
Para facilitar o adiantamento, pode-se tomar um livro espiritual, lê-lo pausadamente e deter-se depois de cada frase para considerá-la. É útil tomar um objeto, como uma flor ou uma imagem devota, observando-o em todas as suas partes detidamente e sem pressa, até encontrar algum estimulante da observação. As pessoas muito sensíveis, as de viva imaginação e boa memória, tiram muito destas observações meditativas. Para elas, é fácil chorar ante um quadro de dor, gozar ante uma imagem bela, assim como irar-se e aborrecer-se ante uma imagem de pecado e fealdade.
Os insensíveis, os que tardam em ter efeitos das observações e considerações, devem recorrer à meditação de colóquio. Devem pôr-se na presença de Deus, da Divina Mãe ou dos Santos Mestres, e falar-lhes, confiar-lhes seus segredos e imaginar que escutam suas respostas.
Para algumas almas é muito necessária a meditação sensitiva. O ser, tomando seus sentidos, vigoriza-os e orienta-os em direção a sua conveniência espiritual. Se, por exemplo, quer meditar sobre a rosa, olhe-a até que os olhos se impregnem de sua beleza; aspire sua fragrância, procure sentir seu frescor na boca, imagine apalpar suas sedosas pétalas, e escute o poema de um dia que só ela sabe recitar.
Santo Inácio de Loyola, na meditação sobre o inferno, diz a seus discípulos que procurem ver as horrorosas contorções dos corpos que ali se queimam, ouvir os alaridos dos condenados, sentir o putrefato odor de enxofre e imaginar que o fogo abrasa suas mãos.
A preparação há de ser breve, como uma aspiração, um rogo, uma troca entre a vida habitual e a vida desse momento.
O quadro imaginativo é de suma importância. Deve ser vívido, conciso, claro e indelével, mas breve. Como a imaginação levanta vôo com muita facilidade, ela deve ser bem controlada. Se o exercício durar trinta minutos, o quadro imaginativo não deve durar mais que sete. Se o quadro for apresentado com nitidez, a vontade irá paulatinamente apegando-se ao mesmo, dando-lhe, por si só, vida e sentimentos. Estes produzirão efeitos e sensações, já seja de dor ou de amor, de purgação ou elevação. Para aproveitá-los devidamente, deve-se procurar que não sejam simplesmente objetivos e fugazes, e sim que deixem, após si, algo efetivo, algo que seja como uma fonte à qual a alma possa recorrer durante todo o dia.
Na meditação sensitiva, no entanto, não é vantajoso o excesso de sensibilidade, pois esta é como as águas do oceano agitadas pela tempestade: quanto mais altas as cristas das ondas, tanto mais profundas as depressões. Assim também, quanto mais alto tenha chegado a sensibilidade do discípulo, com mais força será acometido, durante o dia, pela tentação contrária.
Cuidem-se os propósitos, para que não sejam demasiados e impossíveis de serem cumpridos.
As conseqüências serão vigiadas, autocontroladas durante todo o dia.
É preciso meditar em lugar tranqüilo, no qual não se possa ser incomodado.
Deve-se escolher uma mesma e determinada hora para todos os dias. Deste modo, o subconsciente faz um hábito do exercício, sendo preferível que esta hora seja antes do almoço ou, melhor ainda, antes de começar as atividades matinais.
A postura não deve ser nem muito cômoda nem demasiado incômoda. As posições cômodas ou muito incômodas são para os contemplativos de alto vôo. Estando sentado, o corpo deve estar erguido, a fronte levantada, a cintura sem ajustar, as mãos unidas apertando as gemas dos dedos e os braços abandonados e caídos até os cotovelos.
O exercício da meditação pode ser ativo ou passivo.
É ativo quando a alma necessita realizar um grande esforço para conseguir as sensações. Para isso, deve valer-se de diversos métodos discursivos, cujos quadros sejam variados e coloridos.
Muitas são as palavras que acodem à mente do exercitante e, quanto mais fecundo for o discurso, tanto maiores serão os efeitos que a meditação ativa traz.
A meditação passiva é aquela que o exercitante pratica quando, por causas que não são físicas nem morais, sente um fastio crescente com respeito aos quadros repetidos e os muitos discursos e palavras. A meditação é lenta e, quase sem querê-lo, detém-se sobre cada palavra. Quanto menos se diz, mais se aproveita.
Uma alma, fazendo o exercício ativo, meditava sobre a vaidade do mundo e de repente, pareceu-lhe que o mundo era um buraco imenso que ia aumentando mais e mais, inspirando-lhe, esse vazio enorme, um grande aborrecimento por todas as coisas terrenas. Esse era um aviso interior de que a alma devia passar da meditação ativa para a passiva.
Ao seu devido tempo, é necessário então, mudar de exercício.
As palavras devem ser cada vez menos numerosas. Em vez de buscar frases para enriquecer o discurso, deve-se tentar eliminar todas as palavras inúteis e vãs. No quadro, é preciso procurar fazer uma só imagem, e nada mais do que uma.
Às vezes, basta uma palavra para preencher todo o tempo da meditação.
Ensinança 9: Meditações Metodizadas
O método aqui exposto servirá especialmente aos principiantes para entrar no caminho da meditação e facilitará extraordinariamente este exercício.
Primeira meditação. Tema: A Dama Negra. Efeito: Aborrecimento.
A prática desta meditação conduz a alma a considerar seus extravios e faltas, e ao aborrecimento dos mesmos. Cada ato perverso cometido pelo exercitante se transforma em um quadro vivo que o faz padecer e purgar seus males. Por isso, para que o efeito seja mais tangível, é conveniente que aquele que medita se lembre de fatos, momentos e lugares determinados. Da mesma forma, é muito útil considerar como resultado dos vícios passados, as doenças e as dificuldades financeiras, as humilhações e maus momentos pelos quais se tenha tido que passar. Este tipo de meditação, geralmente, é praticada durante uma ou duas semanas.
Luisa La Vallière, a favorita de Luis XIV da França, que foi suplantada no favor real por Mme. Montespan, retirou-se ao convento das Carmelitas Descalças de Paris, onde passou, entre penitências e orações, o resto de sua vida, que terminou em 1710. Quando era já muito velha e acreditava haver esquecido para sempre seu passado, cruzando um dia o pátio do convento, viu uma jovem noviça que, inclinada sobre a bica de água da fonte, bebia no oco de sua mão. Este quadro lhe trouxe, de repente, como uma lufada, a lembrança de quando, jovem e bela, bebia a água das fontes dos parques de Versailles na mão em taça do amante príncipe. A imagem, os fatos e os lugares que ela pensava estarem enterrados para sempre, trouxeram à alma da anciã carmelita um novo e vivo aborrecimento de sua vida passada. Horrorizada, escondeu-se em sua cela e morreu três dias depois, negando-se, em todo esse tempo, a tomar um só sorvo de água, como nova expiação desse passado revivido.
Segunda meditação. Tema: O Abismo. Efeito: Desolação.
A alma arrependida perde sua velha personalidade, tão apegada às vaidades humanas, e o ídolo material que adorava cai despedaçado a seus pés. A tristeza, o desconsolo, a desolação, o tempo perdido em vão, fazem com que ela se encontre só, muito só e como uma estranha, em contato com os antigos hábitos e costumes, e esta desolação a afasta cada vez mais das velhas coisas. É conveniente praticar este exercício num aposento escuro e afastado, no qual não haja coisas agradáveis à vista. Também haverá que abster-se, durante este tempo, de passeios, conversas e diversões.
Lutero, apesar de ser frade e sacerdote, não tinha ainda a plena segurança de estar na senda da salvação eterna. Uma tristeza infinita invadia sua alma nas horas de oração. Iam-se debilitando rapidamente suas forças físicas, iam desaparecendo mais e mais, e já nem saía de sua cela. Mas, nessa solidão desoladora, desfez sua velha personalidade que confiava mais nos dogmas e nas cerimônias do que na verdadeira devoção. Compreendeu que, somente um coração arrependido e desolado - que sabe, desde o abismo da vida, levantar seus olhos ao céu e confiar em Deus - podia aproximar-se pouco a pouco Dele.
Terceira meditação. Tema: Os Dois Caminhos. Efeito: Desapego.
O exercitante já encontra gosto em aplicar seus sentidos às coisas espirituais, enquanto os vai afastando mais das materiais. É como o viandante que, cansado, olha desde longe a meta que quer alcançar e, ao aproximar-se, vai se desapegando cada vez mais de lembranças, costumes, aos quais tanto estava atado. Neste exercício, é preciso empregar bastante tempo, um mês ou dois. Durante o mesmo, o exercitante deve fazer longos passeios solitários, ler biografias exemplares e visitar templos e lugares devotos.
Mejnour não queria falar com Glyndon de seus anelos iniciáticos. Desde o princípio, desde que o inglês chegou ao castelo solitário entre as montanhas, o Iniciado queria que o discípulo se fosse acostumando à solidão, pouco a pouco, para que assim se desapegasse de seu passado e de seus costumes. A única coisa que lhe permitia era que o acompanhasse em suas longas excursões, deixando assim que a natureza despertasse nele o sentido da vida e de sua futura vocação espiritual.
Quarta meditação. Tema: O Estandarte. Efeito: Eleição.
A alma, já purgada de seu passado, derrama-se, durante esta meditação, em exercícios amorosos. Como foi chamada à vida espiritual, escolhe dentro da mesma, sua particular vocação. As coisas materiais já não têm importância para ela, pois somente lhe interessa cumprir sua vocação espiritual e a Vontade da Divina Mãe. Durante dois ou três meses tem que dedicar-se a este exercício, afastada de tudo e de todos. Algumas almas, durante este período, mantêm-se completamente escondidas do mundo.
Henry Dunant, genebrino do século passado, depois de haver estado em Solferino em 1859, aonde fora a negócios, ao ver os horrores e as arbitrariedades da guerra, e os sofrimentos dos feridos, já não pôde viver em paz nem lhe interessaram mais os negócios. O banqueiro se esquece de si mesmo e de suas preocupações financeiras. Vive abstraído e como num sonho; tem sua vocação única escrita com letras de fogo na alma. É um sonho, uma visão, uma obsessão, um anelo veemente de aliviar os feridos da guerra de seus sofrimentos, e fazer com que o mundo todo - amigos e inimigos - respeite os feridos, transformando-se assim no célebre fundador da Cruz Vermelha Internacional.
Quinta meditação. Tema: O Templo de Ouro. Efeito: Consolo.
Os afetos sensitivos interiores consolam a alma continuamente. Durante este exercício, o amor é tão imenso que ela sente ímpetos de comunicar a toda a humanidade sua felicidade. É como se voltasse ao mundo, transformada. A contemplação da natureza, a beleza dos ideais humanos, o esforço das almas para chegar a Deus a preenchem de intenso regozijo. Tudo o que é material, ela embeleza com a força espiritual. Encontra consolo ainda no trabalho, na ajuda e no bem feito ao próximo. Diversos meses são empregados neste exercício.
Chaitanya, nascido em 1485 e falecido em 1553, é o grande enamorado de Krishna, sente em si as chamas do Divino Amor e não pode deter-se. Sai de sua solidão e corre a predicar pelos caminhos de Bengala, o Amor Divino. Canta, grita e apregoa, e a todos convida ao banquete do Amado.
Sexta meditação. Tema: O Véu de Ahehia. Efeito: Gozo.
A alma é inundada por torrentes de prazer e seu peito, durante a meditação e ainda fora dela, inunda-se de desconhecido e soberano amor. Irrisórias parecem as lutas passadas e o tempo da prova.
Cassiano, o pai dos monges do ocidente, afirma que a verdadeira oração é um intenso amor a Deus por Ele mesmo, sem a espera de recompensa e sem importarem - ao discípulo - as lutas, os sofrimentos nem o que possa acontecer. Estes lhe parecem coisas insignificantes e de nenhuma importância, comparadas com o Divino Amor.
Sétima meditação. Tema: A Ressurreição de Hes. Efeito: Arroubamento.
Durante este exercício, a alma chega a uma comunicação total de sua sensibilidade com a sensibilidade divina.
Margarida Maria Alacoque foi visitada por Jesus em visão e este lhe pediu o coração. A santa o entregou e Ele o introduziu em Seu Sagrado Coração, vendo ela como se consumia nas chamas do Divino Amor como se fosse um pequeno átomo, confundindo-se com o Coração Divino. Jesus o devolveu depois, purificado e em forma de uma chama ardente, ficando assim selada, entre os dois, a Divina União.
Ensinança 10: A Concentração
A concentração é um dom exclusivo da mente, um poder psicomecânico do pensamento, de manter e fixar atentamente uma idéia. Este dom nada tem a ver com a bondade do coração nem com as aspirações espirituais da alma.
Este exercício é, no entanto, muito útil, porque é uma etapa na conquista da realização, uma peça da grande alavanca que há de mover a vontade para alcançar a consciência divina.
O homem está determinado e limitado por seus vórtices mentais, os quais continuamente se levantam do cérebro em forma de torvelinhos circulares, adquirindo cor, expressão, forma e materialização, de acordo com o poder de sustentação dos mesmos.
O homem, ao emitir suas forças mentais, fica sujeito às mesmas, sejam estas produzidas por sua mente subconsciente ou por sua mente racional, como também por aqueles pensamentos que são elaborados por outros cérebros e que o afetam direta ou indiretamente.
A concentração domina estes vórtices, pois ela exclui da mente todo pensamento, imagem ou entendimento fora daquele já determinado. A concentração é o dom de uma imagem única, de um desejo único, de uma vontade única. Alguns afirmaram que este exercício não é indispensável. Mas isto somente pode ser aplicado àquele que já tenha sua mente dominada e sossegada.
Quando o candidato estiver destro no exercício da meditação e tiver explorado os caminhos internos da afetividade e da sensibilidade, até sentir-se incapaz de uma emoção que não seja volitiva, passa ao exercício da concentração. Para passar de um exercício a outro, no entanto, é necessário padecer e sofrer.
Na hora em que a mente começa a conhecer-se a si mesma, impulsionada pela sensibilidade da meditação, um fastio ligeiro penetra no coração do discípulo. Os suaves gozos, os doces colóquios perdem pouco a pouco seu poder. Ao meditar, já não encontra gosto algum e unicamente desejaria ficar ali quieto e sossegado.
A prova da concentração é compreensiva. É uma função exclusiva da memória e do entendimento que lutam contra a vontade pura e vazia de tudo. Contínuas distrações atormentam o discípulo nas horas de recolhimento. A aridez e a dúvida é o pão amargo de todos os dias e uma angústia profunda o atormenta, enquanto acredita estar malgastando seu tempo e haver perdido seu bem. É necessária aqui uma ação forte e decidida do Diretor Espiritual para que entre resolutamente no campo da concentração.
Logo que entre neste vasto campo de ação mental, é necessário que o discípulo vá aprendendo todos os métodos, todas as dificuldades e o modo de determinar a fixidez do pensamento.
O discípulo considera, observa e fixa diversas imagens mentais durante o exercício da meditação, mas a concentração não admite mais que uma só: o sujeito e o objeto são os únicos existentes. Tudo desaparece, tudo perde seu interesse e a mente expressa o vórtice da imagem única.
Mas, antes de chegar a isto, é indispensável uma infinidade de exercícios, todos, evidentemente, indicados pelo Diretor Espiritual. São aconselháveis métodos de postura, métodos de vocalização, de repetição de palavras reconfortantes e muitos outros exercícios externos que habituam o corpo e a mente a concentrar-se sobre um só ponto. A princípio, não somente o discípulo padece pelo bem sensível que perdeu, mas sente-se, além disso, agravado por dores físicas, pois os órgãos se renovam junto com as novas idéias e necessidades do aspirante.
O físico, dolorosa e paulatinamente, responde ao fervoroso anelo e chamado das exigências da hora. Neste tempo, padecem-se dores físicas, congestões sangüíneas, apetite anormal e desarranjos nos órgãos digestivos e sexuais. Aquele que sabe sobrepor e vencer todos estes inconvenientes pode estar seguro de que seguirá adiante.
As glândulas endócrinas segregam pouco a pouco forças novas, os gânglios se fortalecem, os plexos se ativam com novas vibrações positivas e os vasos sangüíneos se normalizam através de uma passiva relaxação. Ocorre algo assim como se invisíveis operários tampassem os antigos caminhos para abrir outros novos, mais amplos, mais adaptáveis. E estas mudanças fisiológicas são as que tanto fazem padecer durante esta prova.
Quando já passou e venceu estes primeiros passos da concentração, o discípulo, com um corpo mais disposto, começa a poder permanecer mais tempo com a mente fixa sobre um só objeto.
A concentração, em lugar de efetuar-se sobre vozes ou formas externas, realiza-se sobre partes internas do ser. Alguns Diretores Espirituais aconselham efetuar a concentração com preferência sobre o órgão do coração, outros sobre os pulmões, outros sobre o plexo solar e assim, sucessivamente.
Mais adiante, o exercício se efetua sobre uma imagem abstrata, como: vontade, fé, paciência, etc., até que o discípulo chegue a concentrar-se sobre um ponto e ali fique suspensa sua mente durante um tempo mais ou menos longo. Há de aprender a ser como um raio de luz sobre a ponta de um alfinete.
Ensinança 11: Entrada no Silêncio
A concentração consiste em conseguir que a matéria mental não tome nenhuma forma para que adote uma só forma.
A concentração se efetua de duas maneiras: uma objetiva e outra subjetiva. Uma, como expressão da vontade, que atua sobre um sentido ou uma forma determinada. Outra, como um estado de consciência mental abstrata e superposta a todos os sentidos.
Os objetos da concentração são: 1) Eliminação de toda obstrução interna e externa. 2) Prática constante de determinados exercícios. 3) Acumulação de energia.
Primeiro se pratica a concentração objetiva, com resultados diretos, como expressão da vontade.
A eliminação de obstruções internas e externas purifica o corpo, transforma o sangue e os tecidos, afina as cordas nervosas e os vasos sangüíneos, e estabelece um contato mais harmonioso entre o corpo físico e o corpo astral.
A prática constante de determinados exercícios desenvolve os poderes psíquicos.
A acumulação de energia faz com que toda a potencialidade se recolha em si mesma no depósito dos centros e plexos para que o discípulo a use no momento determinado.
Os exercícios que conferem poderes psíquicos são diversos e resultado da concentração objetiva.
Alguns Mestres consideram estes poderes como produtos da contemplação iluminativa e outros, como o fim mais precioso do caminho de oração. Mas, os poderes psíquicos não devem ser mais do que uma etapa que, de nenhum modo, indica o estado de União Divina. À medida que o discípulo vá adiantando no caminho da concentração, verá os efeitos prodigiosos destes exercícios.
Durante o tempo da meditação aprendeu, por exemplo, a olhar atentamente o mar e a amá-lo. Mas, na concentração, aprende a lançar sua força mental ao mar, fazendo-o produzir ondas cada vez maiores e mais fortes.
A concentração não é a idéia em si, mas é a força da idéia. Quando é objetiva, carrega a imagem central sobre a qual está fixa com um contínuo poder, até que a faz resistente, ampla e viva. Se as imagens centrais são diversas, chocam-se entre si, por contraste, encetando-se, entre elas, uma guerra encarniçada. Quando a imagem mental é uma só, faz-se potente e ampla, transforma-se no próprio sujeito e a concentração se torna subjetiva.
A vontade do homem já não tem poder. A Consciência Divina atua, soberana, sobre a alma. Então, ele não é o refletor da imagem-centro, mas é o próprio centro, a própria imagem.
Deus ideou o Universo; viu que o Universo era bom e amou-o. Por isso, fez-se o centro de sua imagem criadora e ficou preso nela. Divino Prisioneiro de amor que não poderá libertar-se enquanto um só átomo da força que animou Sua idéia fique no Cosmos.
Todos os seres possuem o dom da concentração, mas usam-no animados pela contínua ilusão do desejo, dando vida e força constantemente, a diversas e variadas imagens mentais. Estas lutam entre si mediante o poder que lhes foi dado, gastando a energia do homem e sem permitir-lhe uma verdadeira concentração.
Mas, quando a mente tem uma só idéia, uma idéia integral, e esta é o centro e a finalidade do ser, então a concentração é boa e perfeita.
A passagem mística da concentração objetiva para a subjetiva é chamada: entrada no silêncio.
Ensinança 12: Exercícios de Concentração
Primeiro Exercício:
Nas horas matinais, num lugar afastado e tranqüilo deve sentar-se o estudante com o corpo e a cabeça bem erguidos e as mãos abandonadas sobre os joelhos. Vocalizará lentamente alguma fórmula sagrada ou uma palavra construtiva de sua preferência, imaginando ver-se rodeado de uma cor amarelo-ouro. Quando estiver bem sossegado, concentrará sua mente com todas as suas forças sobre a planta dos pés, todo o tempo que lhe seja possível, respirando ritmicamente. Também pode concentrar-se sobre a ponta do nariz. Depois de um tempo prudente, deverá deixar-se ficar tranqüilo, com os olhos semicerrados, procurando não pensar em nada.
Segundo exercício:
O discípulo, em pé, com as mãos colocadas na nuca e com o pé esquerdo levantado à altura do joelho direito, concentrará seu pensamento sobre o umbigo, olhando esta parte do corpo fixamente. Também nessa mesma postura pode concentrar-se sobre os lábios ou permanecer um longo tempo com a ponta da língua colada ao paladar. Da mesma forma pode, estando sentado, com as mãos sobre os joelhos e com os olhos fechados, procurar ver uma cascata de água e pronunciará palavras de valor, resistência e fortaleza.
Terceiro exercício:
Pratica-se de manhã, à saída do sol. O estudante deve colocar-se, com o busto descoberto, olhando o sol levante e buscando não afastar os olhos nem pestanejar nem deixar-se levar pela sonolência. Depois de um quarto de hora deste exercício, descerá a vista olhando fixamente a boca do estômago e respirará fortemente pela fossa nasal direita. Outro exercício similar a este é fechar os olhos dando as costas ao sol, imaginando ver o horizonte vermelho e permanecer com o pensamento fixo nesta idéia.
Quarto exercício:
O discípulo, ao pôr do sol, deve sentar-se comodamente num lugar afastado e sereno, se for possível num templo ou à sombra de uma árvore como o pinheiro, o carvalho, a bétula ou o tala. Deve colocar as mãos, postas uma sobre a outra, suavemente sobre os joelhos, e ter os olhos entreabertos, o torso ereto e a cabeça ligeiramente inclinada para frente, procurando ver, imaginativamente, o rosto da Divindade e pronunciando, muito devagar, Seu nome divino. Este exercício deve ser repetido tantas vezes, até que se consiga ver, sem esforço, a imagem desejada. Também, em lugar do rosto da Divindade, pode-se imaginar um círculo branco, como uma hóstia sagrada, olhando-o fixamente até que sobre ele se desenhe a imagem divina.
Quinto exercício:
O exercitante em pé e olhando para o levante, estenderá os braços em cruz repetidas vezes, pronunciando, a cada vez, o nome de Deus. Depois, fará as setenta e sete genuflexões, reverenciando outras tantas vezes o Nome Divino. Em seguida, sentado em cômoda postura com as pernas cruzadas, os cotovelos à altura dos quadris, as mãos em forma de taça com os polegares e indicadores unidos, respirando profundamente, imaginará ter diante de si, sobre um quadro branco, o nome de Deus escrito com letras de ouro e deverá lê-lo continuamente. Outro exercício consiste em tampar os ouvidos com os polegares, os olhos com os indicadores, as fossas nasais com os dedos médios e a boca com os anulares e mínimos, retendo a respiração o quanto seja possível, e procurando ouvir, dentro de si, o Grande Nome.
Ensinança 13: A Contemplação
A contemplação é o passo definitivo que a alma dá desde a ascética para a Mística.
É chamada ciência secreta de Deus e Dom Divino porque, a esta altura do desenvolvimento espiritual, a alma é diretamente ilustrada pelos Mestres. Por isso mesmo, alguns crêem e asseguram que ela é um dom, uma graça que somente têm determinadas almas privilegiadas e que, nem todas, nem mesmo as muito adiantadas, podem pretender chegar até aqui. Nada mais equivocado. Todas as almas estão chamadas ao caminho da contemplação, mas têm que esforçar-se e lutar constantemente para chegar a este estado, porque a contemplação é um resultado invariável ao qual se chega pela prática constante dos exercícios de meditação e de concentração, e das virtudes ditadas no desenvolvimento espiritual.
A oração continuada, a prática das virtudes, o autocontrole, determinado pela vida interna, é o esforço ascético que prepara a alma para obter como resultado o dom místico da contemplação.
A contemplação, ao libertar o ser dos laços da separatividade, faz com que este, por um conhecimento amoroso da Divina Presença, sinta-se de tal modo habitado por Ela, que fique todo transformado. A alma, por um esforço volitivo e por um conhecimento mais amplo de si mesma, volta à Unidade Essencial, à Consciência Cósmica.
Este estado não é conseguido plenamente em um só momento. Às vezes, durante as horas dos exercícios, ou também durante o dia, a alma se encontra como raptada, como suspensa, toda posta em Deus, com um grande amor e recebendo luzes de extraordinário conhecimento. Isto, além de ser muito breve, às vezes não acontece, a não ser muito esporadicamente. Nem por isso deve deixar os demais exercícios, nem crer que alcançou o fim perseguido. As almas costumam tardar muito tempo, antes de chegar a uma perfeita contemplação. Mas, esses breves raptos deixam o ser tão fortemente impressionado que, em geral, sua meditação consiste exclusivamente em voltar a pensar naqueles felizes momentos. Todos os exercícios, por elevados que sejam, não deixam na alma uma verdadeira satisfação interior. Às vezes, até as visões astrais lhe são incômodas porque unicamente desejaria estar ali, quieta e unicamente com Deus.
O estado de contemplação, como resultado, por pequeno que seja, concede um extraordinário amor às virtudes. O ser as pratica tão espontaneamente que já não lhe custam trabalho e é como sua segunda natureza. É como se a Divindade levasse a alma pela mão e fizesse com que ela executasse sempre o melhor.
Mas, na maioria das vezes, depois de um tempo prudente, a alma fica conquistada definitivamente. Sua oração é pura contemplação. Sem querer, até na hora que não é de exercício, ela fica absorta em Deus e, quando não sente um gozo manifesto, a desolação de achar-se separada do Sumo Bem a une também a Ele pela grande dor e pelo tormento que experimenta.
Às almas que começam o caminho espiritual, parece que isto é muito difícil de alcançar. Mas, é ao contrário. Uma vez que se entreguem a Deus com sinceridade e comecem a encontrar deleite nas coisas espirituais e na oração, verão que este é o único bem e a única aspiração à qual podem tender: encontrar Deus, fazer da alma um templo para a morada da Divindade.
Ensinança 14: A Morte Mística
A contemplação pode ser tenebrosa ou iluminativa. Em realidade, estas divisões são arbitrárias porque não se podem determinar exatamente estes dois estados. A alma, mais exatamente, vai se fazendo mais contemplativa e fica absorvida por este santo exercício por um tempo cada vez maior.
Todas as almas perfeitas estão chamadas à contemplação, progredindo nela à medida que adiantam na prática das virtudes. Diz Cassiano que, cada alma se eleva na oração segundo a pureza que tem. Esta pureza interior afasta a alma, cada vez mais, das coisas exteriores e mundanas, fazendo-a desejar seu íntimo recolhimento, despojando seu coração de todo afeto e sua mente de toda imagem. A natureza inferior fica completamente a descoberto. O que atava tão fortemente o ser, reconhecido já em sua verdadeira natureza, não tem agora força alguma.
A contemplação tenebrosa é então, aquele estado pelo qual a alma, pouco a pouco, se entrega totalmente a Deus.
No princípio, é curto o tempo em que o discípulo fica nesse estado e é mais por temor de sua humana natureza que se recusa, subconscientemente, a permanecer muito tempo nele.
O coração, ao sentir desapego e intenso desapaixonamento, encontra-se vazio.
É chamada contemplação tenebrosa porque é como morte verdadeira, noite profunda cheia de trevas, na qual a alma se sente só e afastada de todos. Como ainda não está acostumada a esses altos vôos, detém-se ali, sobre o umbral da luz infinita, cegada por tanto resplendor, que é treva para ela. São Dionísio Areopagita o chama “Raio de Treva”.
Uma vez, um discípulo adiantado perguntou a seu Mestre que exercício poderia adotar para conseguir o vazio da mente que o fizesse apto para a contemplação. O ancião lhe respondeu: “Pensa continuamente no sudário que usarás em tua sepultura”.
As potências mentais já não podem razoar e, como é a vontade pura e simples a única que fica ali na Presença de Deus, a alma se sente invadida por um imenso e santo temor.
A mente, ao limpar-se de todo pensamento e ao afastar toda imagem, ao sentir nas trevas, desconhecidas para ela, o esvoaçar do suspiro do Eterno, retrocede com pavor, aferrando-se à separatividade. As imagens que a consciência pessoal reflete sobre a tela ilusória da vida individual não querem perder seu trono, e a própria vontade treme ao ver que deve seguir desnuda e só, o caminho do Absoluto.
Este estado não é, como acreditam alguns, unicamente uma graça concedida pela Consciência Divina que atua na alma e que ela traz desde o seio da Eternidade. É o esforço consciente da vontade que chega por seus próprios meios à Consciência Divina.
Mas, pouco a pouco, a alma se habitua à Divina Presença, e a Morte Mística é seguida pela Ressurreição. À contemplação tenebrosa segue-se a iluminativa.
A mente superior - que permanecia em um sentido alegórico, imóvel, enquanto a razão e o instinto atuavam com predomínio - manifesta-se agora, amplificando tudo.
A alma goza e permanece cada vez mais ante a Divindade, e sua oração se faz cada vez mais passiva.
Não perde os sentidos, mas estes ficam em suspenso e, através do esforço do hábito, a mente instintiva com suas sensações e a mente racional com suas vibrações apaziguadas gozam, por participação indireta, da Divina Presença. Se bem que as potências inferiores possam participar dos efeitos desta iluminação, jamais poderão chegar a explicá-la.
Este auto-reconhecimento adorna o ser de uma capacidade suprasensível e de um saber extraordinário chamado: “Ciência Infusa”.
Não se deve crer que a contemplação iluminativa, que pertence à mente superior, seja a própria luz. Esta é unicamente propriedade do Espírito e da União Divina. No entanto, está tão próxima dela, que parece sê-lo, pois a contemplação iluminativa é a ponte de conexão entre a alma e o Espírito que conduz às Místicas Bodas.
A contemplação é, à guisa de exemplo, um profundo abismo de luz, largo, imenso, onde não pode chegar reflexo em forma alguma, o qual, por nenhum lado tem fim e que, absorvendo em si a alma, esconde-a em sua luminosidade, impregna-a de si mesmo e lega-lhe o grande segredo do conhecimento e do amor.
Quando a alma, por um tempo mais ou menos longo, não experimenta estes estados sublimes, sofre vivissimamente e todo seu desejo é voltar a senti-lo e deixar-se ficar ali, tranqüila e imutável, toda unida com Deus.
Aqueles que chegam a este ponto têm uma verdadeira repugnância de comunicar seus estados a outras pessoas. Como reconhecem - não por soberba e sim por lógica intuição - sua superioridade sobre os demais homens, sabem que ninguém poderá entendê-los. Por isso, são pouco conhecidas as almas que possuem estes dons, pois mantêm seu segredo entre elas e seu Diretor Espiritual.
O segredo e a discrição que as escolas filosóficas recomendam a seus discípulos é compreendido aqui, plenamente. A alma cala, não porque o calar lhe seja imposto, mas porque uma tendência interior lhe comunica a grande verdade: a raiz, para frutificar, deve permanecer oculta na terra. Se se deixa destampado o frasco de perfume, seu aroma evapora.
A alma deve chegar a compreender o valor da solidão e guardar com fidelidade seu doce segredo. Há de permanecer toda escondida em seu templo interior com o Eterno Solitário de Amor: Deus, que unicamente se comunica às almas puras e sós.
Ensinança 15: A União
Na União, a alma se transforma em Deus. Ela fica como deificada. Os véus sutilíssimos que rodeiam a mente superior e que constituem a parte mais elevada do ser, desaparecem momentaneamente durante o ato da Suprema Realização, como se o Espírito absorvesse e transformasse por completo a alma.
Certamente, esta União, este contato direto com o Espírito Cósmico, é instantâneo. Se o ser persistisse nesse estado divino, o corpo e as formas suprafísicas que o rodeiam seriam desfeitos em miríades de átomos que se reintegrariam ao grande depósito universal.
Ao irromper na alma o oceano de Luz Eterna, penetra até seus rincões mais ocultos. A lâmpada desaparece e só permanece a chama. Tudo é iluminado, até as partes mais desconhecidas onde as experiências do ser são guardadas juntamente com suas reservas de possibilidades. Tudo, absolutamente tudo fica a descoberto e tudo desaparece dentro da Luz Divina.
A Divina União, no entanto, também tem diversos matizes. Se bem que seja arbitrário dividir a União em partes, pois não as tem, é bom fazê-lo para a compreensão do estudante.
Pode-se dividir a União em quatro partes:
- União de isolamento passiva
- União de isolamento ativa
- União essencial passiva
- União essencial passiva na atividade
A União de isolamento é como se a alma se fosse, pouco a pouco, acostumando ao contato divino. O Espírito do Amado visita Sua prometida, desposando-se com ela num sublime noivado.
São admiráveis os pormenores que acompanham o discípulo antes ou pouco antes de verificar-se esta grande Realização. Está como aquele que nem goza nem sente nem sabe, isolado, apesar de si, de todas as coisas do mundo. Sua alma é como uma estrela fixa, como uma idade sem fim, como um prisioneiro libertado. Seu coração tem movimentos repentinos que o fazem estremecer dos pés à cabeça e é como se fosse deixar de viver, de um momento para outro. Mas, de repente, as potências deixam toda a atividade, a alma não tem conhecimento algum fora da segurança de estar unida com Deus, e fica presa do Divino Amor. Esta União de isolamento, que é um estado absolutamente passivo, dura breve tempo; às vezes, uma ou duas horas.
Retornando o discípulo a seu estado habitual, passa ao segundo estado de União que é a União de isolamento ativa. Não pode afastar de sua memória a doce lembrança. Sua alma tem a certeza de haver realizado a União com Deus e esta doce segurança a acompanha continuamente, de dia e de noite, sem afastar-se jamais de sua vista.
O terceiro estado, de União essencial passiva, é a Boda Espiritual da alma com Deus. Nesta União, a Chama Divina queima de tal modo todas as coisas exteriores, que o ser permanece como morto para o mundo. Unicamente a Raiz da existência permanece. Muitos discípulos, nesta Divina União, permanecem durante vários dias como mortos. Cruzaram a grande margem da vida e estão unidos à Eternidade. O corpo é como uma casa desabitada que pende, sem sustento, no espaço; está atado ao Espírito unicamente pelo fio dourado da semente da existência.
Nesta União não há nem forma nem semente que atem à Lei de Causa e Efeito. Todo o azeite está à flor da água.
Nela, o Universo é extinto, nem sequer o espaço existe. As idéias não são mais que flutuantes sombras sobre o profundo e escuro perfilar-se do absorvente Espírito. O que é ali, a débil consciência do eu? Nada mais que o fio da existência, também interrompido pela Eternidade.
A alma, quando volta a si, entra na União essencial passiva na atividade. Já não é ela a que vive, mas é Deus quem vive nela. Esteve libertada dos laços da carne por um momento e já não voltará a ser o que era. Ainda sua física vestidura está transformada em Deus. Está como deificada. Viu por um instante o Arcano de Deus, a Luz Impessoal, e compreende agora, a ilusão e a vaidade de todas as coisas existentes.
Para ela, não existe a dualidade: o espaço infinito e o finito não são mais que uma só coisa.
Acima da palavra, acima da mente, além de tudo, está unicamente o Eterno.
Volta a abrir as portas que dão à vida, mas tão somente para esperar o dia em que será libertada definitivamente - suportando o desterro para ajudar aqueles que ainda não chegaram ali.
Ensinança 16: Síntese das Etapas Místicas
Todas as normas para chegar à União Divina que foram sendo traçadas têm suas exceções.
Há almas que jamais conheceram a meditação e outras que, ignorando os exercícios de concentração, chegaram, no entanto, a uma perfeita União com Deus. Querer impor estas normas a todos, indistintamente, é não saber que cada alma é um mundo à parte, que cada alma necessita de suas próprias regras e de um especial desenvolvimento para chegar à meta.
Quando se quer impor determinadas regras, estas se tornam boas para algumas almas, mas contraproducentes para outras. São necessários muita ductilidade, muito discernimento e muita discrição, para encontrar a tocha que há de acender na alma o fogo da vida mística.
No entanto, na maioria das vezes o discípulo necessita praticar todos os exercícios para predispor-se à União Divina.
O interesse, a atenção, em uma palavra, a meditação discursiva, habilitam o pensamento para uma determinada imagem. Mas, a oscilação mental que ela produz desaparece, logo que cessa o discurso.
Supre esta ausência a meditação afetiva que, ao amar a imagem provocada, volta uma e outra vez a fixar-se sobre a mesma. Formam-se nela muitas pequenas oscilações mentais, mas com os vórtices que o pensamento emite habitualmente não há capacidade para Realização.
A onda mental deve fazer-se cada vez mais intensa e sustentada, até repercutir em todo o âmbito universal.
Por isso, passa-se da meditação afetiva à concentração sobre a imagem ideada. A concentração faz com que a mente se mantenha fixa sobre essa imagem e carrega a onda mental com a substância cósmica que a habitua a manter-se. Ainda assim, terminada a concentração, desaparecem os efeitos da mesma. Mas ao voltar uma e outra vez a concentrar-se, o vórtice mental se torna tão amplo e sustentado que contempla a imagem forjada em todas as suas partes, em todas as suas formas, em todas as suas medidas e a imagem conhecida é arrebatada pelo vórtice.
Em uma palavra: o objeto se transforma em sujeito.
É então que a mente já não pode afastar-se daquilo que conquistou porque este está ali, sempre presente e sempre vivo, num estado permanente de União.
No entanto, também para aqueles que seguem todo o processo descrito, é mau atar-se à regra que os levou até o final do caminho.
Assim como a experiência potencial sempre forja um porvir de felicidade, a experiência prática é um estorvo no caminho do adiantamento.
Acontece que há almas que praticaram todas as regras da meditação, da concentração e da contemplação, recebendo imensos benefícios e bebendo a grandes sorvos o êxtase do Divino Amor. Porém, a predisposição regulamentar que as levou à União se transformou em hábito e, às vezes, é uma causa de atraso, é uma muralha impenetrável que as impede de passar ao conhecimento total da mística e estabelecer-se num ponto definitivo da União permanente.
A alma, verdadeiramente sábia, é livre sempre. Toma e dá, usa e deixa, fazendo isto até com as maiores regras da vida interior.
O difícil de determinar é o momento oportuno no qual se devem lançar as muletas. É saber qual é o instante em que os meios utilizados podem ser substituídos pelo esforço próprio da vontade-consciência.
No oceano da vida, deve-se entrar desnudo de tudo. Ninguém chegará a penetrar no Sancta Sanctorum sem antes haver jogado fora o que lhe serviu para a experiência, inclusive as mais sagradas e solenes.
Tudo, absolutamente tudo. Até o Mestre mais perfeito é somente um companheiro de viagem na senda mística, o qual deverá ser abandonado quando a luz que ilumina se transforma em impedimento que obstaculiza a outra Luz que surgiu por trás dele: a Luz Eterna.
INDICE
Ensinança 1: A Yoga da Índia
Ensinança 2: A Escala de Perfeição Cristã
Ensinança 3: As Três Normas da Ascética
Ensinança 4 : O Diretor Espiritual
Ensinança 5: O Retiro
Ensinança 6: Desorientações Psíquicas
Ensinança 7: A Oração
Ensinança 8: A Meditação
Ensinança 9: Meditações Metodizadas
Ensinança 10: A Concentração
Ensinança 11: Entrada no Silêncio
Ensinança 12: Exercícios de Concentração
Ensinança 13: A Contemplação
Ensinança 14: A Morte Mística
Ensinança 15: A União
Ensinança 16: Síntese das Etapas Místicas