INDICE:

Ensinança 1: A Renúncia é o Caminho de Cafh
Ensinança 2: Meditação sobre a Morte

Ensinança 3: Presença na Hora Eterna
Ensinança 4: A Morte Mística de De Rancé
Ensinança 5: Efetividade Possessiva da Renúncia
Ensinança 6: O Vencimento do Sono
Ensinança 7: A Renúncia como Salvação
Ensinança 8: A Mística das Cinzas de São Paulo da Cruz
Ensinança 9: Automatismo Liberador da Renúncia
Ensinança 10: Os Bens da Renúncia
Ensinança 11: O Valor Único da Renúncia

Ensinança 12: Os Discípulos Tibetanos
Ensinança 13: A Renúncia como Holocausto
Ensinança 14: Conquista de Almas pela Renúncia
Ensinança 15: A Renúncia Permanente
Ensinança 16: Santa Francisca Romana

Ensinança 1: A Renúncia é o Caminho de Cafh

O renunciamento é o caminho de Cafh e não há outro caminho para a salvação do mundo. O renunciamento é o único meio de salvação, não somente para os Filhos de Cafh, mas para toda a humanidade. Se se tivesse o conceito de que o renunciamento corresponde somente a uma parte da humanidade, o caminho de Cafh seria imperfeito. A Renúncia é o caminho de Cafh e os Filhos devem praticá-la e vivê-la desde já, porém não com a idéia de que o caminho é somente para eles, mas com a segurança de que é o único caminho para a salvação de todo o gênero humano. O renunciamento é o único caminho de salvação e não há outro. Esta doutrina fundamental não é nova. É a de todos os Grandes Iniciados, de todos os grandes seres que deram a Mensagem à humanidade e não foram ouvidos. Porém, ao Filho foi concedido o dom inapreciável, para o momento em que deve viver, de saber que a humanidade terminou seu ciclo de evolução de permanência oscilante, como as sombras que se refletem sobre a parede do mundo, pelo estremecimento mundial de uma força verdadeiramente sobrenatural, de uma energia nunca conhecida pelo homem. Alcança assim, uma visão mais clara da realidade da vida humana. É que a missão do Filho é realmente extraordinária, porque chega na hora propícia com sua mensagem de renunciamento, na hora em que a humanidade, apesar de todas as suas misérias, pode compreender e captar esta mensagem. Mas, para que isso se cumpra, é necessário que sua preparação seja completa e absoluta. No mundo, não somente os Filhos de Cafh, mas muitas outras almas há que praticam a Renúncia, que a compreenderam e a vivem. Porém, é necessário que Cafh, em seu lugar, com as almas que lhe foram confiadas, comece a predicar esta mensagem acima de todas as coisas. Cafh tem a mensagem para predicar às almas: que o renunciamento é o único caminho de salvação. O Filho que chega a Cafh e não compreende isto, não pode nunca ser Filho de Cafh. O renunciamento é o fundamento da doutrina, a base da crença do Filho, a mensagem que tem para a humanidade. Ele não pode desviar-se deste conceito fundamental no que respeita às almas. Desde que o Filho entra na senda como Patrocinado, compreende que esta é a única verdade. Não a pratica, mas lhe é ensinada e a compreende. Não se pode negar isto às almas. O instrutor que não ensina ao Filho que tudo é vão e perecedouro, não ensina uma doutrina sã. Isto há de ser ensinado ao Patrocinado para que o compreenda e saiba. O dever dos Superiores é que o saiba. Para levá-lo a esse ponto, é necessário que se lance à consideração de que no mundo, tudo é vão. Muitas vezes, os Superiores e os instrutores iludem as almas com falsas doutrinas, seja porque ainda não as julguem capacitadas, seja porque creiam com isso prejudicá-las, sem saber que essa é a base da predicação: abrir-lhes os olhos desde o início. Tudo perece, tudo morre: a Renúncia é o único caminho de salvação. Uma alma que vive de ilusões poderá afastar-se, porém muitas outras predestinadas virão à senda porque, no fim, a alma recebe a mensagem. Acaso não se tem visto quantas almas, sobretudo no começo, afastam-se do caminho? Por quê? Porque não se lhes soube dar a verdadeira doutrina, foram iludidas, não se lhes predicou a sã doutrina da verdade: de que tudo é Renúncia, de que aquele que não renuncia não tem nem terá jamais salvação. Não somente morrerá como ser humano: todas as suas ilusões morrerão com ele. Tudo quanto acreditou ser glória se transformará em fracasso. O Solitário, evidentemente, não pode ser tal se não compreende este bem fundamental. Seus votos não seriam nada mais que uma couraça de defesa exterior se não o compreendesse. Mas, não apenas o compreende, senão que o pratica parcialmente. Compreendeu-o e começou a praticá-lo. Quem lê com atenção o Regulamento vê que a vida do Solitário não é nada mais que uma grande ponte de salvação estendida entre a terra e o céu para que a alma a cruze e se entregue completamente à Renúncia. A vida do Solitário não é nada mais que uma escola, um estímulo à prática contínua para levá-lo à Renúncia. É um trabalho de amor que a Mãe faz através dos Superiores, para levá-lo ao verdadeiro bem que é a Renúncia, compreendida, praticada e vivida, feita carne, feita mente, feita vida no ser. E seria desnecessário dizer que, nesse conjunto divino de Cafh, é o Ordenado aquele que a pratica, que a vive em sua plenitude. Porém, este renunciamento não é o renunciamento do egoísmo. A missão fundamental de Cafh, neste sentido, é uma missão individual, portanto humana, para todo o gênero humano. Não é o renunciamento do homem que o consegue para si, ainda que pense que seu renunciamento deva redundar no bem da humanidade. O renunciamento do Filho não é total nem será nunca total até que todo o gênero humano haja compreendido e vivido esta verdade única e universal. Por isso, o primeiro dever do Ordenado é predicar às almas do mundo a consideração de que tudo é ruína, morte, tudo termina, de que nada pode permanecer. Tudo é um devenir. Esta é a primeira mensagem, o primeiro dever. Mas, para isso, há que ter uma consciência profunda deste sentido. Ele tem que ser uma realidade tão absoluta que, nunca, em momento algum, passe pela mente uma idéia contrária. Um Filho que, por exemplo, tenha em um momento a tentação de voltar ao mundo, não compreendeu o Voto de Renúncia, porque do contrário, essa idéia não poderia entrar em sua mente, em sua natureza, em seu ser. Há que predicar ao mundo que tudo é morte e ruína. Porém, antes de tudo, deve sê-lo para o próprio Filho. Em primeiro lugar, há que ter um conceito claríssimo do que é o Voto de Renúncia, que é completamente auxiliar da verdadeira Renúncia. Porque a Renúncia é algo vivo, do próprio ser. Em segundo lugar, o voto intui a Renúncia, estimula-a. Portanto, deve-se compreender que não pode consagrar-se quem não tem uma compreensão íntima da Renúncia. Assim se evitará ter que ouvir depois: "Eu não posso morrer, não tenho a força necessária para morrer". Isto é fundamental para os Filhos. A idéia há de ser absoluta. Se assim não for, não há que enganar-se, não se pode admitir o Filho na Comunidade. Este conceito leva, por conseguinte, a esta conclusão: aquele que toma o caminho da Renúncia jamais volta atrás. O voto é um auxiliar: pode-se dispensar um voto, porém o ser não fica, por isso, dispensado da Renúncia: é um fracassado. Todos os Filhos são responsáveis por esse fracasso, porque lhe foram dadas ilusões em vez de espírito de desprendimento. Fomentou-se uma vocação. O fracasso dele é o fracasso do Superior, dos Diretores, dos companheiros. É uma ferida que toca todos, que fere todos. É necessário que o Filho que aspira à Ordenação saiba que a Renúncia é um dom da alma. Que uma vez que está na alma não pode ser dali tirado nunca mais. Para isso é necessário que os Ordenados de Comunidade estreitem mais seus laços, seus vínculos, que sejam selados em sua vocação: não por soberba, mas por caridade com as almas que não estão chamadas à vocação de Renúncia. Isto há de fazer que se atem entre si e formem uma corrente mística que impeça que estas almas emitam os votos, que caiam de uma altura tão grande e que reneguem continuamente a Deus. Porque o Anjo de Luz sempre se torna Satã, maldiz em seu coração o que perdeu, o que já não tem. Ainda que seu rosto sorria de felicidade, seus lábios destilam veneno. Os Filhos têm que evitar isso. Qual o mais seguro método a seguir com as almas? Quais hão de ser os meios para evitar-lhes os erros? Primeiro: um exame verdadeiro para ingressar na Ordenação. Segundo: um seminário mais completo. É da responsabilidade dos Filhos que um aspirante nunca chegue a dizer: "Eu não posso morrer". Como não se deram conta antes? Como deixaram escapar isso? Os aspirantes, principalmente os homens, na maioria das vezes, têm um conceito falso da Ordenação. Crêem que a Ordenação é adquirir algo, ter algo. Um aspirante escreveu a seu Diretor Espiritual: "Desejo ordenar-me para ter uma União mais íntima com a Divina Mãe". E este lhe respondeu: "Para conseguir uma União mais íntima com a Divina Mãe não faz falta ordenar-se: todos os Filhos têm a seu alcance os meios para conseguir esse fim, já que esse é um bem completamente interior. Ainda o mais humilde Patrocinado pode alcançar a União Divina se se entregar interiormente com um amor ilimitado e se ordenar sua vida com um ascetismo adequado para ele". Todas as almas interiormente podem chegar à União com a Divindade. Têm menos possibilidades que as almas consagradas, mas podem chegar. O gozo não será perfeito; têm menos meios. Os Ordenados têm mais meios e, portanto, mais responsabilidades. "Ter vocação de Ordenado - dizia esse Diretor Espiritual - é outra coisa: é ter uma segurança interior e sustentada de que somente nesse tipo de vida de Comunidade se encontrará a felicidade, o bem e o meio para alcançar a União Divina. É sentir que esse é o seu lugar, sentir que na Casa da Mãe estará a gosto, que nenhuma outra coisa pode já apetecer-lhe, que poderá ter muitas dificuldades, mas afinal dirá: paciência! e seguirá adiante. Quem sabe, não conseguirá nunca, nesta vida, uma verdadeira União. Mas, isto predispõe, na hora da morte, à União. Para o Filho Ordenado somente isto é o bem e o meio para alcançar a União. Outros poderão ter muitos outros bens mas, para as almas consagradas - continuava dizendo o Diretor Espiritual - é como uma segurança de que não se nasceu para os trabalhos do mundo, nem para a família, que somente se é adaptável ao tipo de vida de comunidade." Isto deve ser muito bem compreendido, porque é um sinal inevitável de vocação. Há que desconfiar dos muitos entusiasmos. Mas, se o aspirante não tem interesse por nada, se nada lhe chama a atenção e faz o que lhe mandam, ouve os conselhos do Superior sem sentimentalismo, isso é sinal de um verdadeiro chamado. Os Superiores não aceitem nunca o Filho que diz que sem isso não pode viver: isso é entusiasmo, são fogachos, é buscar algo. A vida do Ordenado é o nada: renúncia, desprendimento absoluto. E acrescentava aquele Diretor Espiritual: "Ainda assim pode ser que, mesmo sendo bons Filhos Ordenados e muito aptos para a vida de comunidade, não alcancem nesta vida a União almejada. É claro que a Ordenação, que é um tipo de vida, predispõe mais para esse fim. Porém, predispõe; não dá a União. Além disso, a vida de Comunidade não é de ilusões. É de trabalho humilde: cultivar a terra, cozinhar, ser operário, com poucos estudos. Tudo se concretiza em um grande silêncio, em uma absoluta obediência, em uma rotina que termina com a morte física do Filho". Diz-se isto para que não haja dúvidas. Se é isto o que busca, não há inconveniente em receber o Filho. Há que falar muito claramente, porque a dispensa de votos não é mais que um paliativo. No caminho de Deus, da Verdade, da Renúncia, não há mais que duas coisas: ou se triunfa ou se fracassa. Por isso, o único bem que se pode fazer às almas que fracassam é o silêncio: não nomeá-las, esquecê-las. A vida do Ordenado é morte e os mortos não voltam. Quando retornam, os vivos fogem dele. Levam consigo uma maldição, sua própria maldição: não poder estar já em contato com os seres ou encontrar a felicidade. Sobretudo, a grande maldição consiste em que estas pobres almas - para terem um pouco de paz e de solidão - têm que renegar Deus, a fé, que é a graça da alma e o único dom que o homem tem na Terra, que é: crer.


Ensinança 2: Meditação sobre a Morte

Quando o Bem-aventurado Buda começou a reunir seus filhos à sua volta para ensinar-lhes a extraordinária verdade de que tudo é Renúncia e nada é duradouro no mundo, a primeira coisa que fez, não foi dizer-lhes que tudo perece, que tudo termina, e sim, mandá-los a um cemitério. Nesse tempo, em que o hinduísmo, o bramanismo e os grandes exercícios ascéticos estavam no auge - em que se praticava uma renúncia tão exterior que os homens se despojavam até de suas roupas - nessa Índia de então, foi uma novidade o ascetismo de Buda. Ele mandou seus discípulos ao cemitério recolher os farrapos dos cadáveres, para que tivessem assim, a recordação contínua de que tudo morre sobre a Terra. Por essa razão, os que renunciaram levam uma vestimenta amarela, porque era a mortalha dos despojos humanos. Antes que Buda lhes desse a doutrina, seus filhos tiveram que sentir na própria carne - através dessas vestes - que também eles eram despojos humanos, que eram mortos em vida. A consideração da morte e do perecedouro das coisas humanas há de estar continuamente no Filho, não somente como uma idéia, mas como uma realidade. É fácil dizê-lo, mas há que fazer com que verdadeiramente seja uma realidade. Um Filho devotíssimo, que um dia meditava sobre a Dama Negra, ficou como entre sonhos, como que vencido pelo sono. Viu, então, um ser horrível diante de si, um ser que dava a impressão de ser a própria imagem de todos os horrores. Não tinha corpo. Essa imagem de envoltura carnal dava a impressão de umas escamas tremendas de leproso. Não tinha mãos e sim, cotos que pareciam garras, facas de ferro. Não tinha rosto, mas imensos sulcos escuros. O pobre Filho ficou tremendo. Nunca vira um horror assim, porém teve forças para perguntar em sua imaginação: "Quem és? Qual o teu nome? Tu és seguramente a Dama Negra". E este horrível ser, abrindo imaginariamente suas fauces, disse: "Eu sou a Morte". "É bom - disse a esse Filho, seu Diretor Espiritual - e é uma graça extraordinária a que recebeu. Porque quando a inimiga se mostra tal qual é, é porque pouco lhe resta para ser vencida. Ela sempre sabe disfarçar-se e adornar-se de belezas ilusórias". Quantos véus de ilusão leva sobre si! Através deles, vão os pobres seres buscando o prazer, a sensação, a glória, a felicidade, a riqueza. Mas, quando ela está encurralada, quando esses véus de ilusão lhe são tirados pouco a pouco, mostra toda a sua fealdade, o que ela é. Então se vê quais são as suas palavras mais terríveis: ela é, sobretudo, a morte. Ainda entre os Filhos que tomaram a senda do renunciamento, pouco se vê a tendência a esta saudável meditação da Dama Negra, representando-a como a morte. Se a alma há de chegar à Santa Ordenação pela consideração de que tudo é perecedouro, um dos mais belos exercícios que deverá praticar - sobretudo no tempo do seminário - será sobre a única realidade: a morte. Recordem isto os Superiores. E os Diretores de seminário insistam muitas vezes sobre a meditação da morte. Buda, o Bem-aventurado, deu como primeiro dom de graça a seus monges o sudário dos defuntos como traje monástico e mandou, nos preceitos fundamentais consignados, que uma vez por mês se recolhessem uma noite inteira em um cemitério para meditar sobre a morte. Todos os grandes seres costumavam fazer esta saudável meditação e alcançaram a santidade através deste valioso exercício, tão necessário aos Filhos. Porque a natureza humana tende a relaxar, a trazer sensações do exterior, sensações de engano, de gozo, de permanência dos bens do mundo. Como os Filhos ainda estão revestidos de carne, não se pode deixar de dar-lhes o antídoto adequado, que é a meditação sobre a morte. Quando os chelas hindus começam seu noviciado, a primeira coisa que seu guru faz é mandá-los aos crematórios de cadáveres, para que vejam onde vão parar todos os bens e grandezas do mundo. O lugar onde descansam os mortos é um lugar que não agrada aos homens. Porém, os Filhos, em suas meditações - já que nem sempre poderão ir a um cemitério - irão com o pensamento buscar, nessas saudáveis imagens, a visão clara da única realidade. Os homens costumam reverenciar seus mortos de muitos modos. Cada qual crê que a sua é a melhor maneira. Mas, em todos os cemitérios do mundo pode-se conhecer o que é a vida humana. É bom que, nas asas de seu pensamento, o Filho percorra esses lugares onde - se bem que com diferentes cerimônias e métodos - vê-se que tudo se reduz ao mesmo: ao pó, ao nada. Pode voar até os países onde os homens levantam grandes piras ao lado dos rios para queimar os cadáveres de seus mortos. Ver ali como terminam esses corpos tão amados, tão favorecidos, tão obsequiados. Ver como seus despojos são lançados às águas para servirem de pasto às tartarugas sagradas. Vá o Filho às altas planícies do Tibete e verá como, logo depois de mortos, os parentes (apesar de suas lágrimas) entregam os defuntos nas mãos dos homens carniceiros que os levam a um lugar afastado entre as rochas para esquartejá-los e dá-los como alimento aos abutres. Também os parses põem seus mortos em altas torres para que sejam comidos pelas aves de rapina e seus ossos calcinados ao sol. Esses ossos falam bem claro. Essas torres são como cemitérios da vaidade humana, brancos ossos que dizem: "Reconheces-me? Acaso sabes quem sou? Sabes se fui homem ou mulher, rico ou pobre, bonito ou feio?" Ali não há mais que ossos e despojos da morte. Porém, nos dias de hoje, pode-se ver um novo cemitério no mundo: o cemitério feito pela ignomínia da civilização. Ainda os selvagens têm um lugar onde pôr seus mortos, mas a civilização de hoje mata tanta gente nos campos de batalha que não tem onde enterrá-los. Uma mulher missionária protestante na Coréia descreve esses campos como um espetáculo tão terrível e horrendo que não pode ser descrito com palavras: há que vê-lo. Pedaços de corpos mutilados, deformados, desconhecidos, sangue e carne amassada. Imensos campos onde as feras selvagens encontram sua delícia. E surge a pergunta, se esses seres não tiveram também uma ilusão, se também eles não foram apanhados pelas luzes da vida, se não percorreram um dia os caminhos do mundo. Agora, há que olhar para o solo e vê-los ali, destruídos, aniquilados, despojos que nem cadáveres são. Esse é o cemitério desta civilização. Esses hão de ser os frequentes passeios dos seminaristas, essas hão de ser suas meditações. O mundo oferece uma ilusão com suas falsas palavras. Porém, suas realidades são somente morte e ruína. Pensem nisto os Filhos para irem logo, em silêncio, dar graças a Deus por aqueles defuntos que tiveram a felicidade de ter quem os acompanhasse na hora da morte e uma sepultura em um lugar de paz. Vão os Filhos com o pensamento aos cemitérios conhecidos, onde descansam aqueles que representaram a geração anterior à atual. Onde descansam os que foram parentes, amigos, companheiros espirituais. É doce e plácido o lugar da morte para aqueles que o sabem considerar bem. Tem o cemitério um encanto que não é deste mundo, sobretudo para as almas que renunciaram ao mundo. Porque mostra que ali só estão os despojos, já que esses seres transcenderam afinal. Liberaram-se, vestiram um traje de glória, de eternidade, que nada tem a ver com os seus despojos. Não deixem os Superiores de ensinar estes saudáveis exercícios de meditação aos seminaristas. O pensamento da alma consagrada não há de buscar a ilusória alegria do mundo, mas a realidade que é a dor, o sofrimento, a morte. Meditem também, os Filhos, sobre o grande momento em que foram chamados à Renúncia, em que morreram para o mundo, para que a Mãe lhes revelasse a Verdade. O momento em que tocaram a Porta Santa, em que pronunciaram seus votos. Tenham sempre presente a imagem de suas capas e de seus véus, símbolos da morte mística. Se há uma felicidade sublime no mundo é a de haver renunciado. E esta felicidade é fruto da compreensão de que tudo no mundo é transitório. Peçam sempre os Filhos, à Divina Mãe, que os mantenha neste admirável dom. Digam muitas vezes a Ela que Lhe agradecem infinitamente havê-los chamado a esta sublime vocação. Porque ainda nos anos de juventude, não se deixaram iludir pela vida do mundo, mas tomaram a senda dos mais velhos, a senda da compreensão da vida. Porque, ainda sendo homens com muitas possibilidades mundanas, oferendaram essas possibilidades para morrer em vida e serem completamente Dela. Que a Divina Mãe os mantenha em todos os momentos nessa santa compreensão de morte, de inexistência, de estado de abandono interior. Ponham os Filhos muitas vezes, misticamente, a capa e o véu, como no dia em que lhes foram impostos, para que essa santa e doce morte mística não seja esquecida nunca - nem por um olhar, nem por um pensamento, nem por um ato humano. Digam muitas vezes à Divina Mãe que, ao havê-los aceito a Seus pés, ao haver aceitado a oferenda de suas vidas, deu-lhes a felicidade, o verdadeiro bem da vida divina, da ressurreição. Doce Mãe, Santa e Amável Mãe, que fizeram os Filhos para merecer tanto bem? O que fizeram para que lhes tirasses a venda dos olhos e pudessem ver a Dama Negra com seu nome de morte e ruína? O que tinham esses Filhos que não tiveram os demais homens? O que tinham para que não fossem cegados pelo mundo e tivessem um só desejo, uma só aspiração: morrer para o mundo? Só tiveram o bem de saber considerar a ilusão da vida e o fim de todas as coisas.


Ensinança 3: Presença na Hora Eterna

Renunciar é vencer o tempo dimensional para viver um tempo expansivo, imenso, eterno. Mas, essas palavras soam muito vazias, muito teatrais, se não se procura vivê-las, captá-las interiormente, fazer do sentido do tempo uma realidade de eternidade. Têm-se visto grandes Mestres predicarem esta doutrina admirável, de não ser fechado, estreito de juízo, de viver na eternidade, livre, no espaço. Estas doutrinas, que merecem grande admiração e respeito, e que se lêem nas páginas admiráveis de Krishnamurti, são somente palavras se o homem segue vivendo atado ao tempo e à necessidade. Porque a experiência mostra que aqueles que falam de viver a hora eterna - de não ter um horário, de não estar atado a regulamentos, a imposições, porque tudo isso aprisiona - estão desgraçadamente tão atados a tudo como os demais homens. Pobre do homem que sempre quer escapar e cai nas armadilhas! Uma sábia senhora contava que havia um casal que estava mal: a mulher vivia trabalhando, cozinhando, esfregando, cosendo todo o dia e, além disso, era maltratada pelo marido. Uma pessoa amiga lhe aconselhava: "Por que não deixa esse homem?". E ela respondia com sábia razão: "Por duas causas muito simples, uma de Deus e outra da terra. A de Deus é que, esse homem, mau ou bom, é o pai de meus filhos, o que Ele me deu - e isso não se pode mudar jamais. A segunda, é que tenho visto que todos os que querem escapar de uma rotina, de uma obrigação, fazem como o pobre peixe que, ao ser posto na frigideira, salta para escapar do óleo e cai no fogo". Essas almas que falam de tanta liberdade e expansão, de viver a vida espiritual sem travas, poderão libertar-se de algumas coisas, mas caem dentro de outros laços maiores: a tirania do tempo. Não se pode vencê-lo fazendo o que a cada um apetecer, mas sim, transmutando esse tempo, conquistando esse tempo, vivendo esse tempo. Se for perguntado a alguém: "Por que não se levanta mais cedo?", responde: "Gosto de ficar um pouco mais na cama. Sou uma pessoa livre. Para que impor-me uma norma?". Mas, chega o dia em que tem uma obrigação, não pode levantar-se e diz: "Sou escravo da cama". Está atado a esse hábito, a esse costume. Essas liberalidades trazem outros hábitos, encerram o ser dentro de outra limitação de tempo e continua mais escravo porque tem assim dois patrões: a duração do tempo e a duração de seus maus hábitos. A Divina Mãe, ao regular a vida do Ordenado para dar-lhe uma verdadeira liberdade, impôs-lhe, aparentemente, normas mais severas de vida, como se o houvesse atado mais ao tempo, ao distribuir seus dias e sua vida tão estritamente. Dá a impressão de que se está atado a uma norma diária da qual não se poderia escapar. Mas, em realidade, dessa forma a alma pode liberar-se do tempo dimensional, entrar no tempo expansivo - o que só se consegue vivendo muito estritamente dentro do tempo, fazendo hábitos muito precisos, vivendo-os com grande intensidade. O homem é escravo do tempo porque põe todos os seus sentidos no tempo: quando quer come, sai, caminha; quando quer toca música, vai ao teatro, deixa-se ficar sem fazer nada. Tudo isso não é nada mais do que se encerrar dentro da personalidade, dentro da alma instintiva do ser. Para vencer o tempo, para liberar-se, é preciso fazer tudo, mas sem que participe o gosto, sem que participe em nada, a não ser unicamente através da estrita vontade. Fazer todas as coisas a um determinado tempo, sem o gosto sensível, leva a alma a um gozo muito superior. Por isso se diz: "Passeio porque tenho que passear." Não é o cavalo que leva o amo e sim, o patrão quem manda e diz: "Agora nos deteremos, agora caminharemos". O aproveitamento do tempo não consiste somente nisso. Julga-se comumente, que a pessoa livre pode aproveitar muito mais suas horas e seu dia. No entanto, acontece, por exemplo, que tendo que escrever uma carta, todas as idéias lhe venham na hora da meditação e depois, quando deve escrevê-la, não encontre um só pensamento para expressar. É que se gastou o tempo interior, espiritual. Queimou-se esse tempo em aras da imaginação. O mesmo acontece quando se pensa nos trabalhos em horas em que não corresponde: quando se vai fazê-los a tarefa não rende, sai mal, perde-se o tempo. É que se vive no tempo dimensional e o domínio do tempo unicamente se consegue vivendo dentro do tempo da eternidade, no tempo expansivo. Deve-se dizer: "Não é o tempo que me domina; eu o tenho em minhas mãos". O valor do horário de Comunidade é extraordinário. Tratar-se-á primeiro do valor místico do tempo de Comunidade. Se for observado e estudado o horário do seminário, ver-se-á que este horário de vinte e quatro horas (calcula-se o dia e a noite) se divide em quatro períodos perfeitos - nos quais os Filhos terão que dar, em conjunto, todas as forças de suas possibilidades físicas, astrais, mentais e espirituais. Quer dizer que os Filhos têm seis horas de trabalho mental, seis horas de trabalho manual, seis horas de relaxação ativa e seis horas de relaxação passiva. Certamente, o Regulamento faz este horário bastante elástico, amoldando-o às possibilidades de cada um. Faz que seja como uma música que tem várias notas, onde a alma pode aplicar suas forças, sejam físicas, astrais, mentais ou espirituais, de acordo com suas possibilidades. Este vencimento do tempo dimensional, através da perfeita distribuição das horas, segundo a natureza humana, confirma-se com as duas potências cósmicas de Bohas e Jakin. É a rotina transformada em hora eterna: a paciência transformada no pilar humano que sustenta a força divina da eternidade. Se se quer viver a hora eterna, expansiva, é preciso vencer esse tempo que vai acossando os homens desde a vida até a morte. Há que possuir este tempo que se chama rotina e paciência. Quantos anos o ser é acossado pelo tempo, quanto necessita para fazer-se homem! A mãe tem que criá-lo e começar a ensinar-lhe. Tem que ir ao colégio, depois à universidade e quando, aos vinte e cinco anos, termina sua preparação, uma terça parte de seu tempo se foi. Dos vinte e cinco anos em diante o homem começa a buscar uma posição, a lutar, mas todos os belos ideais, todos se perdem. Por quê? Pela tirania do tempo. Quando pode dizer: "Tenho uma posição feita", está com quarenta e cinco anos e tudo começa a desmoronar: a energia não é a de antes, nem a força, nem a mente. Já não pode realizar esses ideais maravilhosos do jovem. O tempo o acossa. O homem tem que se apressar para recolher a sua colheita. Vai-se-lhe a vida: vêm os achaques, chega a idade da velhice. Em uma palavra: serviu ao tempo como um verdadeiro escravo. Vai-se-lhe a vida e não tem nada. Teve que se manter, criar uma posição, formar uma família, acossado pelo tempo. Se não há verdadeira liberação, o tempo seguirá atando os homens. É uma roda, a roda do tempo, que dá voltas, inexoravelmente e caminha com uma velocidade que a débil natureza humana não pode acompanhar: sempre se está atrasado. As margens estão cheias de náufragos, de fracassados, de vencidos. Porém, a Renúncia libera idealmente, teoricamente, do tempo. E a prática da vida de renúncia libera em realidade, substancialmente. O Filho não corre em linha reta. Vive no tempo expansivo, como se sua vida fosse um grande círculo que vai se ampliando até abarcar o Universo todo: a mente se expande, faz-se grande, abarca todo o Universo. É como no mundo astral, quando na hora do sonho se começam a ver imagens. Se o ser está tranqüilo, a imagem vai se expandindo, fazendo-se clara. Ao ver um rosto, este vai se fazendo cada vez maior, de tal forma que se ouve dizer que, no mundo astral, as coisas se fazem grandes: isso é ilusão. É o próprio ser que as expande. Mas, se entra outra imagem e o ser se assusta, a figura se desvanece. No mundo astral não há tempo, somente intensidade. Essa é a expansão. O homem não conhece esse bem, ainda que o tenha, que o possua na alma. Poderia intensificar seus pensamentos, sua energia, mas não pode fazê-lo porque corre atrás do tempo. O tempo é o trem que se vai e a alma corre atrás para ver se pode alcançá-lo. Até que a alma não seja ela mesma o trem, não terá conquistado o tempo. O tempo é uma ilusão: o próprio ser é o tempo. Se a própria força for intensificada, vive eternamente. Se limita essa força, não vive: corre, salta, vai e vem, é um "macaquinho" feliz como todos os homens. Por isso, chama à atenção ouvir Ordenados falarem do tempo, da limitação do horário. Que não tenham percebido o grande benefício que lhes fez a Divina Mãe. O primeiro tesouro é saber controlar o tempo, viver dentro de um horário que permita a expansão, que permita o aproveitamento total das energias, das próprias forças. O horário é, para os Ordenados, como todas as coisas: pode ser uma escravidão e pode ser uma liberdade. Para aquele que não sente amor ao horário, este é uma escravidão. Para aquele que o vive, transforma-se em um bem considerável: tem tempo para tudo. Não se concebe que os Ordenados digam que não têm tempo. Eles não vivem bem o seu tempo. Isto quer dizer que, quando têm que fazer uma coisa, fazem outra - fazem o que não deveriam fazer. Se fizessem perfeitamente o que o horário manda, o tempo sobraria: poderiam escrever uma Suma Teológica, levantar um monumento. Poderiam sonhar todos os sonhos da eternidade, ter a força que não tem nenhum homem sobre a Terra. Mas a Renúncia não é ter a Renúncia: é amá-la acima de todas as coisas e conquistá-la passo a passo. A teoria dos hindus de "Tu és Aquilo", de que, se alguém crê que é Deus se transforma em Deus, é uma tolice. O homem não pode dizer isso. Só pode chegar conquistando passo a passo, como já o disse Buda: "Se queres o Nirvana terás o Nirvana. Porém, hás de conquistá-lo por oito etapas". Há que consegui-lo pouco a pouco e esse é o bem extraordinário que se encontra no horário. O horário é uma afortunada escravidão: uma prisão que dá a verdadeira liberdade. O horário marca seis horas de trabalho mental, mas sempre com elasticidade, com esse bem de adaptação a todas as pessoas. A Ordenação é um caminho aberto a todas as almas: as que amam o trabalho, as que amam o estudo, as de maior ou menor vôo. Esse horário que parece escravidão mostra seu amor a todos os temperamentos. Um Ordenado que não era de Comunidade dizia: "Parece-me que os senhores têm poucas horas de estudo na Comunidade." É porque nunca havia vivido numa Comunidade. As Comunidades estão feitas, sobretudo, para o trabalho mental, para a educação dos Filhos e para a educação das almas. O trabalho mental se divide perfeitamente em: um trabalho oracional, um trabalho de entendimento e um trabalho de iluminação. Quer dizer que se tem tempo para estudar (trabalho racional), para fazer desse razoamento uma compreensão (tempo para estudar intensamente) e tempo, sobretudo, para pensar abstratamente (tempo de oração). O dia do Ordenado começa com um trabalho intelectual: o primeiro que faz é um trabalho da mente. Isto para elevá-la às regiões superiores. Começa-se o dia com uma hora dedicada à oração. Desde ali, a mente tem que se adaptar a um ritmo acelerado: meia hora de exercício e meia hora de meditação. O mais extraordinário dos trabalhos mentais é o da meditação porque, de onde vem tudo ao homem (sabedoria, conhecimento) senão através da oração? Quando perguntaram a São Boaventura qual era o livro onde aprendia seus belos sermões, conduziu-os à sua cela, ao recanto onde costumava orar e respondeu: "Este é meu livro, meu mestre, meu ensinante". A meditação, a hora dedicada a Deus, é a fonte de toda luz e sabedoria. Porém, o horário ainda dá muito tempo para estudar: duas horas de Silêncio Rigoroso, uma hora de Ensinança, uma hora dos deveres do Ordenado (Interpretação e Estudo) e, ainda, meia hora à noite. Os que amam o estudo e desejam aprofundar seu saber têm horas de paz, nas quais ninguém virá interrompê-los ou distraí-los. O trabalho mental então, se bem que separado, está disposto elasticamente e proporciona a possibilidade de estudar tudo o que se queira. Se os Filhos do mundo acreditam que o Ordenado não tem trabalho intelectual, é porque não conhecem a vida de Comunidade. Estas seis horas de trabalho intelectual estão compensadas, para repor energias, com seis horas de trabalho manual. Estas horas de trabalho manual é a glória de muitos Filhos. O trabalho manual, fundamentalmente é aquele que limpa a mente e o coração de todos os males. Mas, é também hora de delícia. Tem que ser feito em silêncio e leva a uma atividade que, às vezes, se faz completamente inconsciente. Por isso, ensina-se que quando os Filhos estejam reunidos cantem hinos, façam orações, leiam ensinanças. O organismo vai se desintoxicando não somente dos males físicos, mas também dos astrais e mentais. E se tem, assim, tempo para ter o pensamento unido a Deus. No entanto, às vezes se observa que muitos Filhos que têm de estar sozinhos, não costumam orar, recitar salmos e orações. Fazem-no interiormente, mas tudo lhes sairia muito bem se mantivessem esse costume. Além disso, o trabalho manual, como é realizado em Cafh, faz que os seres sejam aptos para a vida, não materialmente e sim para fazer render a vida. A educação do mundo faz que os homens sejam aptos somente para uma coisa. Mas, para possuir o tempo, o ser tem que ser apto e ter sentido comum para tudo: deter-se para pensar, razoar e, então, saber fazer as coisas. O seminário ensina a todos os seres a serem pessoas capazes. E, não somente a fazer uma coisa, mas a aproveitá-la. Uma mulher não é mulher se não sabe cozinhar, lavar, limpar como é devido. Poderá ter uma grande profissão, mas não é mulher completa. Um homem poderá ser um grande personagem, mas se não sabe fazer de tudo, se não tem experiência, não é nada. O trabalho manual realizou o milagre de que, por exemplo, se há um Filho com uma profissão, todos os Filhos tenham um sentido da mesma e sejam um pouco profissionais: reflexo de que, quando um Filho adquire uma coisa, todos a adquirem. Contagia-se a capacidade, se é exercitada com uma verdadeira perfeição. Os Filhos se equiparam entre si. Têm os mesmos defeitos e as mesmas virtudes: há equilíbrio. Além disso, por exemplo, não se pode imaginar um eletrotécnico que seja somente eletrotécnico: teria uma só coisa. Tem que ser um pouco ferreiro, um pouco carpinteiro, saber todo tipo de manualidades, tudo o que possa ser de utilidade para a Comunidade. Isto tem que ser cuidado no seminário. A vista do Diretor há de ser muito penetrante, para que ensine aos Filhos, sobretudo, o que não sabem fazer. Uma Filha não pode sair do seminário sem ser perfeitamente competente na cozinha. Os homens têm que saber fazer trabalhos pesados. Se não têm saúde suficiente para isso, não são aptos para esta vida. Não há que matar os Filhos com o trabalho e sim experimentar seus músculos, porque os músculos sadios indicam um cérebro sadio, uma mente orientada. As mulheres também devem fazer seus trabalhinhos pesados. Sobretudo, experimenta-se a mulher na cozinha e na lavanderia. Então, quando saem do seminário, são homens e mulheres. O que se sabe, se sabe e isso fica para sempre. As outras doze horas do horário de Comunidade são de extraordinária importância para a conquista do tempo: seis horas de relaxação ativa e seis horas de relaxação passiva. Os homens não são aptos, na maioria das vezes, para a vida, porque vivem uma vida agitada, uma vida antinatural. E a natureza humana tem certas necessidades, as quais pedem imperiosamente. É difícil imaginar o poder de adaptação e resistência que tem a natureza humana. Mas, quando se exige demasiado dela, arruina-se antes do tempo. Por isso, hoje, a humanidade está doente prematuramente. Não que esteja doente fisicamente, com um mal definido, determinado, mas sim com uma doença nervosa que se reflete continuamente no cansaço e nos mal-estares estomacais e intestinais. Não resta tempo às pessoas para a natureza e têm que pagar o tributo por isso: sofre a parte operativa, mental. O homem não tem hora para comer, não tem tempo para um pouco de recreação. Além disso, as recreações dos homens não são tais. Que importa ter um domingo ou um fim de semana para ir ao campo ou ao rio descansar, se durante toda a semana se exigiu da natureza muito mais do que ela pode dar? As seis horas de relaxamento ativo são para que atue todo o subconsciente do ser. Um Filho do mundo disse certa vez: "Quanto tempo têm os Ordenados para comer e distrair-se. Perdem muito tempo nisso". O bom Filho não sabia quão sábio é o horário ao dispô-lo assim. A natureza não é uma máquina que anda sem parar. A alimentação tem grande importância e há que dar-lhe seu devido tempo. O tempo mencionado permite que o estômago segregue os sucos gástricos, sem os quais o bolo alimentar não pode transformar-se em vida para o ser. Por isso, o Regulamento dá seis horas para a recreação: recreio, alimentação, asseio. Porém, há uma tendência dos Filhos e Filhas de Comunidade a não aproveitar bem essas horas. Sempre a natureza humana tem que fazer o que não deve. É uma tendência muito natural do ser não fazer as coisas à sua hora - e é tão cômodo deixar de fazê-lo! Os Superiores não estão livres da sagrada obrigação que têm com a Divina Mãe de cumprir perfeitamente o horário. Por ali pode entrar uma falha que faça a todos escravos do tempo. Façam em cada hora o que têm que fazer. Por exemplo: se o Filho está no recreio, tranqüilo, essa hora passa sem que se dê conta. Porém, se está intranqüilo, se tem algum sofrimento, necessita ausentar-se alguns minutos do recreio. Isso quer dizer que algo se passa com ele. Tem algum desgosto, algum mal-estar. Se estivesse em completo abandono não necessitaria de modo algum afastar-se de seus companheiros. Além disso, é terrível o costume de ter que fazer sempre outra coisa na hora do recreio. Se a hora do recreio é usada para fazer um trabalho que não foi feito oportunamente, essa é uma hora perdida. Logo se encontrará o momento para fazê-lo. É claro que, se na hora do trabalho manual se faz estudo, nunca se terá tempo para nada. Os Superiores e vices façam que os Filhos amem o relaxamento no tempo de descanso. Ainda que se costure ou tricote na hora do recreio, esse tempo de trabalho é diferente do de trabalho manual, quer dizer, o Filho não se dá conta de que o faz. Quando na hora de recreio dois Filhos têm que lavar e secar os pratos, aquele que lava tem que ser rápido e não ter muitos ajudantes. Um deles lava os pratos. Se aquele que lava os pratos terminar antes do outro que os enxuga, deve apressar-se a retornar ao recreio. Quando são dois Filhos numa Comunidade fica tudo mais difícil, porque há mais companheirismo e em tudo se ajudam, porém a Observância cai por terra. O Filho deve fazer o recreio. Quando quer ajudar demasiado não há relaxação: há muita atividade e já não há recreio. As seis horas de sono são de relaxamento passivo. Os Filhos têm que dormir seis horas. O organismo dos jovens necessita dormir. É melhor que estudem menos e durmam mais. Depois, com o passar do tempo, hão de dormir as seis horas. Se for percebido que não se dorme bem à noite, deve-se eliminar as horas de sono da tarde. A estrutura nervosa do ser humano pode ser comparada, atualmente, a um painel - onde pequenas luzes vão se acendendo e apagando continuamente. O sistema nervoso é como o tique-taque de um relógio. Porém, esse ritmo não se mantém nos seres. É como se fossem relâmpagos, uma descarga e silêncio. Ou como quando um carro dá a partida com toda a sua potência e, em seguida, pára. O horário de Comunidade faz com que tudo isso desapareça. O organismo, nas horas de sono, se repõe nervosamente, mas como os seres comuns não chegam à dimensão profundíssima do sono, necessitam dormir muito. Se chegassem ali, com meia hora teriam o suficiente. Quando o Filho começa a adaptar-se ao horário de Comunidade, sobram-lhe seis horas de sono. A Vida de Comunidade está amoldada de tal forma que transforma o organismo em um perfeito relógio.

Ensinança 4: A Morte Mística de De Rancé

De Rancé, reformador do Cister, o fundador da Trapa, é uma das mais belas figuras da contemplação da morte e da dor. Quando é que a morte o chama à verdadeira vida, tira-o da ilusão do mundo para levá-lo ao cume da mais pura santidade? Às vezes, a Divina Providência dispõe males que se tornam bens. Em um século como o XVII - em que a devoção e a vida retirada estavam tão relaxadas - não chamaria a atenção este jovem que havia abraçado o sacerdócio mais por posição e interesse do que por devoção, que descuidava tanto seus deveres de eclesiástico para entregar-se ao bom viver. Porém, há fibras no coração humano que, quando tocadas, respondem a um chamado, provavelmente divino, através da carne e da miséria. Conta-se que De Rancé, que ia de prazer em prazer durante sua jovem vida, apaixonou-se demasiado por uma jovem marquesa e eram eles o escândalo da corte e de toda Paris. Porém, Deus tocou este homem, que estava mais cheio de prazer que de amor e deu-lhe o amor pelo caminho do prazer. Sempre o amor, ainda o mau amor, é uma coisa santa afinal, porque torna o ser desprendido, sacrificado. Faz com que sofra e o sofrimento sempre é bom. A marquesa, rica, jovem e a mais bela da corte da França, foi presa de febres violentas e rapidamente arrebatada pela morte. Escreve um amigo de De Rancé que todos acreditavam que enlouqueceria. Seu desespero não tinha limites. Sua dor era das maiores e mais sentidas. Poderia haver-se perdido, ele também, e dar-se ao desespero. Mas, seguramente, a alma daquela mulher que o amara apaixonadamente, seu carma e sua falta, desde o outro mundo, quis salvá-lo. De Rancé se retirara a seu castelo e caminhava solitário num entardecer pelos campos, sem querer ver ninguém nem escrever a ninguém. Viu então, ao longe, uma granja que ardia. Pensou que, como era tempo de colheita, os campos se houvessem incendiado e correu até lá para ver o que acontecia. Porém, na medida em que se aproximava, o fogo fugia. E, seguindo-o, encontrou-se no bosque solitário. No fundo do bosque levantou-se uma mulher que ardia no fogo. Via-a até a cintura: o cabelo cobria-lhe o rosto, mas seu aspecto era como o do rosto de sua amiga. Ela quis demonstrar-lhe todo o padecimento, todo o sofrimento que sua alma tinha que experimentar por esse fogo de paixão que tivera neste mundo. Desde esse dia, De Rancé mudou sua vida. Foi outro homem. Abandonou as prebendas, a corte e o palácio, e retirou-se do mundo, até que, por fim, chegou ao seu convento da Trapa, onde fez escrever sobre a porta de sua cela: "A lembrança da morte é minha vida, é minha salvação". Mas, não foi somente isso. Esse padecimento que vislumbrou no além - ao fazê-lo pensar que essa mulher padecia por sua culpa - fez com que este homem admirável instituísse como um fim primordial entre seus monges, o sacrifício continuado para a salvação das almas que padecem no além, das almas desencarnadas que não têm luz. A missão de renunciamento faz que o Filho seja cada vez mais sensível, mais sutil. Sua vida de oração, de recolhimento, afasta-o da tela do mundo e faz que, através da oração, possa muitas vezes cruzar a ponte e chegar à vida do além. Dentro do gênero humano que ele vai redimir estão também os seres desencarnados. Não se creia que estes seres estão distantes porque não se pode vê-los ou tocá-los. Além disso, muitos estão particularmente perto dos Filhos, seja por alguma missão, para ajudá-los, seja simplesmente para pedir-lhes ajuda para poderem libertar-se dos laços da carne. Quem, senão as almas que renunciaram ao mundo, que se ofereceram como holocausto à Divindade, podem ajudar as almas que padecem, que não têm luz para ver o mundo glorioso onde têm que penetrar, que padecem martírios que a mente humana não pode imaginar? Se os padecimentos dessa pobre marquesa são morais, internos, hão de ser mais horríveis, hão de queimar todas as fibras de seu ser, dar-lhe uma dor que chegue ao mais sensível da alma. É um ser que se afoga continuamente e que, ao ver seu amigo, sente que através da vida, ele pode salvá-la. Por isso, volta para estender-lhe a mão. Essa é uma das missões principais dos Filhos de Cafh: dedicar uma parte de sua oração, de seus sacrifícios, para ajudar as almas desencarnadas que estão ao seu redor, que sofrem e padecem no além. Porque, até que a alma não desate os laços da carne, não pode penetrar, está presa entre o céu e a terra, entre a Porta da Eternidade e a Porta da Vida Terrena. O Filho não pode esquecer os defuntos, esse número tão grande de seres que estão ali repetindo o processo de seu padecimento. Dor que nasce da idéia que formaram durante sua vida, segundo suas crenças. Um católico, por exemplo, sente-se aprisionado nas chamas do purgatório. Uma pessoa que não tem fé religiosa estará atada aos objetos, aos seres que amava sobre a Terra: continuamente quererá ir ali tocá-los e padecerá horrores. A missão do Filho é dar-lhes luz, oferecer sua vida, seus votos. Fazer sacrifícios, orações. O Bem-Aventurado Buda, quando falava de redimir a humanidade, não excluía nem os animais nem o menor inseto. Assim também, o Filho deve abarcar os vivos e os mortos. Os que estão sobre a Terra, os que se foram e os que hão de vir. Missão completa, absoluta. Mas, para isso, é necessário que nas meditações os Filhos se detenham muitas vezes sobre este objeto. A consideração da morte e da vaidade do mundo é aquele sentir que faz compreender o valor não só da morte, mas do que existe depois da morte. É um dos fundamentos da Renúncia, é um modo de desembaraçar-se da materialidade. Às almas desencarnadas se dá a oração, que é o que esses seres necessitam. Elas, porém, dão esse sentido do mundo astral, da liberação. Nada se dá por nada. Além disso, essas almas desencarnadas que padecem no além, ao se porem em contato com o Filho através das orações e oferendas, transformam-se em seus protetores e não os esquecem jamais. Os seres que estão no além têm grandes padecimentos, ainda por pequenas coisas. Conta uma santa alma que estando em oração, dela se aproximou sua mais fiel amiga, que havia morrido havia pouco tempo. Tinha um aspecto muito triste e aflito. Via-a como que vindo por um beco escuro, mostrando suas pernas chagadas, como se não pudesse caminhar. Pedia-lhe auxílio, que lhe curasse as pernas. Passou ela então uma noite completa em adoração, orou muito por sua amiga, fez muitos sacrifícios, até que por fim, disse, pode libertá-la. Era uma ilusão a que estava padecendo, pois esta alma tornou a aparecer-lhe e disse: "Recordas-te que, como tu, eu estava para consagrar-me e minha mãe convenceu-me de que formasse um lar? Mas, como em meu coração eu me havia oferecido a Deus, Ele me levou deste mundo. E, por essa falta que havia cometido, via-me sem pernas, não podia caminhar. Não tinha vocação para caminhar. Tua vocação salvou-me. Porém, ajuda agora minha mãe." Com efeito, a mãe havia morrido há uns poucos dias. Uma noite, apareceu-lhe com o tornozelo fraturado, dizendo que o tinha assim, porque não havia sustentado a vocação de sua filha. Se isto traz tantas dores e martírios no além, como serão os daqueles que cometem crimes, os dos que passaram toda a vida fazendo o mal! Dediquem por isso, os Filhos, suas meditações e orações, às almas dos mortos. Isso fará com que possam cruzar com mais facilidade a ponte entre a terra e o céu. Que seu pensamento considere essas almas e as recorde em suas meditações. Durante o ano sempre há um Filho que tem a missão de orar pelos defuntos. Esse há de ser o pão de todos os Filhos. Oxalá possa haver um dia um número suficiente de Filhos Ordenados para que essa missão, que agora tem que se limitar a uma hora de adoração pelas almas dos seres que deixaram este mundo, possa ser uma oferenda perene, de dia e de noite, pelas almas dos mortos. Até os melhores seres têm que padecer um pouco enquanto vão se desmaterializando. Essa oração seria, portanto, uma força contínua, uma chama de luz incessante que os conduza pelo caminho. Como fazia aquela santa mulher que iluminava os viajantes das montanhas quando vinham do Chile e que, devido ao vento Zonda, perdiam-se nos desfiladeiros; assim serão os Filhos que, com sua contínua oração, acenderão um farol para iluminar as almas e levá-las à consideração de que abandonaram o mundo. De que já são seres livres que podem adorar a Deus com plenitude. Depois da consideração da morte, vem a consideração do grande abismo onde padecem os seres desencarnados, as pobres almas que abandonaram o mundo. Os Filhos de Cafh têm que estar em tudo, abarcar tudo. Sua renúncia não é para sua perfeição unicamente e sim para a perfeição de todos os seres. Não se tem idéia de quantas almas padecem no mundo astral. Não se pode, então, escolher uma alma que não se conheça e oferecer-lhe orações e sacrifícios durante o dia, como se fossem seus padrinhos, até que essa alma alcance a paz? Todos têm um pobre ser que espera a ajuda do Filho e, talvez, espere desde há muitos anos. Muitas vezes, acredita-se, com respeito a alguns dos que se foram, que são grandes seres e que não necessitam de ajuda. E, talvez, eles levem uma carga muito pesada de faltas no outro mundo. Ali esperam ajuda. Julga-se que estão em paz e são eles os que mais necessitam. Há que pedir por todos os que morreram violentamente. Pelos homicidas, suicidas, traidores, renegados, pecadores da carne, por todos os que se foram para o além e padecem. Estes seres estão em trevas e unicamente os iluminam os véus e as capas brancas dos seres que deixaram o mundo em vida. Que seria deles se o Filho não lhes estendesse a mão? Não se deve esquecer nunca esta grande missão do Filho de Cafh: orar, orar e orar por aqueles que padecem no além.


Ensinança 5: Efetividade Possessiva da Renúncia

A Renúncia é a única verdade que é dada a conhecer aos homens porque é a parte completamente oposta ao apego - que é a falsidade, a ignorância - sobre o qual os homens baseiam seu conhecimento. O desejo de viver permanentemente, crer que o mundo é um bem durável, é a causa de todas as misérias, de toda dor e de todo mal do mundo. O Universo não é mais que um grande devenir, um mudar contínuo, um começar e terminar, um nascer e morrer. O homem baseia todo seu conhecimento sobre a ilusão, como se o mundo não fosse um devenir e sim uma permanência, como se os bens não fossem mutáveis, mas estáveis, como se a vida lhe pertencesse. Este sentido ilusório e ignorante de permanência e estabilidade sobre a Terra é a causa do apego dos homens às coisas materiais, de que estabeleçam uma diferença entre eles e os demais. Esta diferença lhes cria a ilusão de que são donos de algo. Querer ser dono de algo traz consigo um mal tão grande, tão grande ignorância que faz com que o homem padeça, sofra, não encontre consolo e queira apegar-se cada vez mais, aferrar-se desesperadamente àquelas coisas que lhe foram dadas por um instante e às quais não deve apegar-se porque não são suas. Embora ele creia que são inteiramente suas. A Renúncia é a verdade porque faz com que as almas se desapeguem dos objetos internos e externos que são ilusórios. Mas, este admirável ato de desprendimento de todas as coisas, este dom divino de desapegar-se em vida de tudo o que há que abandonar, antes ou depois, essa flor da Renúncia que é o desapego, há de estabelecer na alma algo inalterável, que não muda, que fica, que permanece: a segurança absoluta da posse da verdade, da posse do único bem, do bem da Renúncia. Não se pode imaginar então, um Filho Ordenado, com apegos às coisas do mundo, que ainda tenha a ilusão de ter alguma coisa, de possuir algo sobre a Terra. Os homens têm muitos apegos, padecem muito por isso, mas têm uma escusa: a de basearem seu conhecimento sobre a falsidade, a ignorância. Eles não olham o sol e sim a sombra que o sol reflete sobre a parede. Seus apegos são a causa de suas dores, sua miséria é a causa de suas ataduras. Mas esta miséria tem uma justificação e pode-se até admirá-los por seu valor e inteireza. Porém, apegos nas almas consagradas, naquelas que conhecem a verdade, isso adquire quase o aspecto de uma grande infidelidade. Mas, ainda que se possa tolerar e perdoar certos apegos do coração - que, às vezes, os próprios Filhos consagrados não sabem distinguir - não se pode tolerar os apegos do conhecimento, da mente. Certa vez, um Filho perguntou a seu Diretor Espiritual se teria gostado de aprender certo idioma. O Diretor ficou olhando esse ser que havia feito Voto de Renúncia e ainda lhe perguntava se gostava de certa matéria, e respondeu-lhe: "No dia em que me ordenei, admiti, acaso, que gostaria de algo? Sem dúvida que teria gostado, mas um Filho Ordenado não pode apegar-se ao conhecimento. Quando jovem, teria gostado de viajar, estudar, conhecer, etc., porém, estudei o que era necessário para cumprir minha missão e nada mais". O conceito de desapego há de ser algo tão claro e forte nos Filhos que nem lhes ocorra apegar-se a algo, mesmo que fosse intelectual. Porque a natureza sempre crê que seria bom isto ou aquilo, sobretudo em questões de conhecimento. Pode-se não ter apegos materiais e ter apego às coisas mais elevadas, às espirituais. O desapego do Filho há de ser algo tão espontâneo, natural, continuado - impedindo que algo se infiltre em seu coração - que nada o afaste desse abandono absoluto nos braços da divina simplicidade, da divina liberdade. Porque o conhecimento da verdade, que lhe outorgou o Voto de Renúncia, deu-lhe a graça do desapego, que não tem compostos de ignorância e saber, de querer e não querer, de fazer e não fazer, que o põe em contato com Deus que é a perfeita simplicidade, sem compostos, sem mescla alguma. Na Comunidade, a falta de apego às coisas do mundo fez, não somente, com que o coração se desapegasse dos afetos e a mente da vontade do eu - mas que as Filhas e os Filhos se afastassem do mundo, permanecessem em um Raio de Estabilidade, fizessem oferenda de amor para a humanidade e fossem enclausurados voluntariamente. Eles não somente não são do mundo: abandonaram o mundo. Este é um dos mais maravilhosos e maiores dons que lhes deu a Divina Mãe. Às vezes, pareceria que não se mereceu este dom, que ele levaria a uma comodidade interior, que seria egoísmo afastar-se dos seres, viver completamente separado das dores do mundo, ainda que a missão do Filho o leve muitas vezes à ajuda e à salvação do mundo. Porém, essa imagem de isolamento não é mais que aparente. No entanto, mesmo vivendo afastados dentro do Raio de Estabilidade, a mente - sobretudo a fantasia e a imaginação - às vezes volta continuamente ao mundo, às coisas que foram e das quais já se desapegaram. Cabe perguntar então: "Filho, se teu desapego é real, não haverá um pouco de apego, desconhecido por ti, nesse voltar continuamente com a mente ao mundo e que apareçam imagens do que foi? Muito cuidado, alma consagrada, que a ignorância e a ilusão sabem estender muitas pontes para chegar à alma, para entrar no Raio de Estabilidade interior, na clausura do santuário que não deve ser tocado". A ilusão tem muitos meios. E estes - que são quase sempre interiores - aparecem ali, no fundo da alma. É necessário que a alma se banhe continuamente nas águas desta divina e perfeita simplicidade, que se abandone completamente nos braços deste sentido de renúncia e desapego, para que não haja nunca algo que a incomode, que interfira - como a pequena gota de corante que quer cair sobre a água puríssima da alma consagrada. Não é absolutamente certo que a alma que fez Voto de Renúncia tenha um absoluto desapego. O que tem é a absoluta convicção, o conhecimento de que o desapego é a única verdade, o único bem que já possui interior e espiritualmente em sua totalidade. As partes anímicas do ser terão que adquirir depois esse conhecimento, pouco a pouco. Mas... Não demorar! Porque a ilusão e a ignorância poderiam tornar a captar e obscurecer o entendimento. "Tenham muito cuidado as almas consagradas porque o inimigo da humanidade anda rondando continuamente como uma fera ao redor de suas almas para devorá-las. Porém, aquele que resistir, será forte na fé." Estas palavras têm um sentido extraordinário. A fé é o dom da verdade porque a fé não é senão uma perfeita renúncia. O renunciamento é a verdade, dá a verdade e faz participar e viver em Deus e salvar as almas. Porém, no mundo, vive-se da ilusão e da ignorância, e este dom de Renúncia se deve adquirir com o esforço continuado. A vida não nasce da experiência, nasce do esforço continuado, do hábito continuado da verdade, da afirmação - com a própria vida, com a própria demonstração, com o próprio exemplo - do que se crê. Ter-se-á assim, o dom da fé. Muitas pessoas espirituais dizem que, estando em contato com o mundo, participa-se de sua vida, de suas misérias. Mas os Ordenados não querem viver no mundo e sim salvá-lo. Salvar o gênero humano e as almas, e não participar de suas misérias. Porque neste mundo, a ignorância e o apego trazem a separação: tudo é o teu e o meu, este e o outro. Duas coisas diferentes que no fim se chocam e se destroem. Porém, sobre o que se baseia a separatividade? Sobre as sensações. Se não houvesse sensação de distinção, não haveria separatividade. E as sensações, com que se manejam senão com os sentidos? O homem diz: "Cogito, ergo sum". Penso, logo sou. Porém, o que é esta afirmação, senão pensar com as sensações, com os sentidos, com o que se vê, ouve, toca, percebe com o olfato? A falsidade do conhecimento dos homens consiste em que se estabelece sobre a separatividade; unicamente se conhece através das sensações que se manifestam pelos sentidos. Tudo isso é ilusão. O espírito está completamente oculto, afastado. Não se pode participar da miséria do mundo porque são os sentidos aqueles que governam. Não se diga nunca que é Deus quem faz as guerras, mata as pessoas, faz o mal. Não é mais que a ignorância. A ignorância de que Deus deu ao homem um dom celestial, meios para praticar o bem na vida e o homem os tomou e transformou em um ente fundamental. Assim, em seguida, o homem atraiçoou Deus. Quando o homem retorna a Deus, quer fazê-lo através dos sentidos, porém não vê mais que a ilusão de Deus. Não vê o Deus puro, simples e verdadeiro. Se o Filho se maneja pelos sentidos, cairá na separação, estará completamente afastado da verdade de sua vida de renúncia. Somente com o hábito e a fortaleza pode o ser deixar-se decantar e encontrar-se a si mesmo, a verdade. Não poderão os Filhos de Cafh possuir seu Voto de Renúncia se não dominarem seus sentidos, se não tomarem as rédeas de seus sentidos. Por isso, desde que as almas ingressam no seminário, não só é necessário que manejem os sentidos com a mente. É preciso que os dominem com o hábito. Quantas vezes se viu que um olhar, uma palavra, uma sensação foi o bastante para pôr abaixo todo o trabalho de um mês, quando não de toda uma vida. Os Filhos que desprezam as virtudes que lhes permitem vigiar seus sentidos, poderão ser muito fortes, mas tenham cuidado em não tropeçar. Pelos sentidos, entra todo o movimento do mundo, e também toda a falsidade, a ignorância e o mal do mundo. Aquele que não dominou os sentidos é um homem ou uma mulher de boa vontade e nada mais, porém, não terá realizações. Sua vida permanecerá estática ali, não será uma plenitude de vida espiritual. Em uma palavra: será uma adesão, um esforço, mas nunca uma realização divina. Pode-se ver, sobretudo nos seminários, a importância do domínio dos sentidos: é imprescindível para a morte mística, para que se possa chegar à plenitude do Voto de Renúncia. Sabe-se muito bem quão difícil é manter a vista em um lugar. Parece insignificante, mas escapa continuamente. Sabe-se muito bem que, se o Filho não adquirir este hábito no seminário, não o conseguirá depois, no trabalho intensivo. Sabe-se o quanto custa praticar essa virtude e o grande bem que proporciona à alma. O mundo que o homem deixou não largará facilmente sua presa. Quantas vezes terão dito os seminaristas a seu Diretor Espiritual: "Por que será? Vi uma porta. Essa porta trouxe-me a imagem de outra porta, depois de uma pessoa... Em uma palavra, levou-me ao mundo". Ou então, viu uma pessoa na rua e o pensamento voltou ao mundo. Mas, quando lhe é perguntado: "Como passou o dia hoje?", se não olhou para ninguém, responde: "Hoje estive tranqüilo, contente". As sensações que os sentidos trazem são infinitas. Os apegos se manifestam de muitos modos: recebe-se uma carta de casa e, após lê-la, esquece-se dela completamente. Dias depois é vista casualmente e vem toda a recordação da família, seus dissabores e dificuldades. A seguir procura-se a carta, lê-se, olha-se, recorda-se e voltam as mesmas sensações. O Filho desapegado está desapegado de todas as coisas e queima todas as suas recordações, ainda as mais insignificantes, porque dão a sensação do que já foi feito, deixado, vivido. Mas, o desapego dos sentidos não torna o Filho insensível ante todas as coisas. O homem da cidade tem que usar óculos. Se for ao campo, não verá o que há a uma légua. Quando muito, distingue uma mancha. Mas, o homem do campo vê, nessa mancha, um animal, um carro, uma pessoa que anda. Aquele que domina seus sentidos não os perde, mas aprende a ver outras coisas maiores e sublimes. Não verá as fantasias ilusórias do mundo, porém verá as verdadeiras necessidades desses pobres seres que ali deixou e que crêem que, com o sentimentalismo, pode-se resolver sua situação. Vê-lo-á se tiver uma visão verdadeira, que se adquire com o domínio dos sentidos. Já não sabem os Filhos ter essa sensibilidade para participar dos gostos e prazeres do mundo, mas terão mãos que saberão aliviar os males, trazer à cabeça aflita, paz e sossego. Não terão ouvidos para escutar os ruídos que vêm de longe, mas ouvirão a voz dos Mestres, a Mensagem, a palavra hão de levar à humanidade. Há que compreender muito bem que os sentidos foram proporcionados ao homem para que conheça a vida e não para que lhe sirvam de tirania nem para que desapareça como um ser espiritual e viva como um ser sensível, nem para que os sentidos externos e internos sejam os donos absolutos do ser. Que Voto de Renúncia seria o do Filho se ele vivesse como os homens? Há que ter os sentidos nas mãos, lutar para cortar tudo quanto possa chegar através da sensação exterior. Um Filho valente, uma alma consagrada, não pode apegar-se a ninharias que lhe tornem a dar sensibilidades materiais. Tem que queimar tudo, cortar todo laço para ficar puro e fixo na Ilha do Senhor. A renunciação quebra a separatividade: não fica senão Deus frente ao eterno devenir do Universo. É necessário tomar alguns exemplos dos grandes seres para ver a que alto estado de espiritualidade e conceito moral leva o domínio dos sentidos e o verdadeiro sentido de renúncia. Para encontrar estes exemplos há que buscar nas fontes inesgotáveis do budismo, que possui princípios de moralidade, domínio dos sentidos, caridade para com o próximo, domínio da separatividade, como não os tem outra religião ou filosofia. Havia um jovem que desejava seguir a senda de renúncia do Bem-Aventurado Buda e, se bem que não pudesse fazê-lo por ter que manter a sua família, esperava arranjar suas coisas para poder um dia seguir a senda do Bem-Aventurado. Mas, este lhe havia dito: "Mesmo antes de ingressar na Comunidade podes viver a vida divina se te separares de todas as coisas do mundo e viveres puro, casto e mortificado." Muitas mulheres iam comprar na loja de perfumes que ele tinha. Nessa cidade, vivia uma famosa cortesã que, como sempre acontece, vendo que havia ali um jovem que não se deixava levar pelos encantos ilusórios exteriores, que sempre se mantinha modesto e sem olhar ninguém, a não ser Deus, concebeu uma paixão por ele. Assim, mandou uma de suas servas com uma mensagem: "Minha senhora quer oferecer-te seu amor." Respondeu o jovem: "Dize a tua senhora que não tenho tempo para essas coisas". Esta infeliz mulher voltou a insistir porque pensou que o jovem não se sentia com possibilidades para chegar até ela. Mandou-lhe dizer que não teria que pagar coisa alguma, nenhum dinheiro. Disse o jovem: "Dize a tua senhora que não tenho tempo nem me interessam essas coisas". Ao ouvir isto, enfureceu-se a mulher e propôs vingar-se. Difamou-o por toda a cidade, mas ele não despegou os lábios. Essa mulher tinha também um grande ódio por certo homem e, como tinha um amigo poderoso, fez com que o assassinassem. Mas o juiz da cidade, que era muito justo, descobriu-a e ditou uma sentença terrível contra ela: seria levada ao cemitério para que lhe cortassem ali os pés, as mãos, o nariz e as orelhas. A sentença foi executada. Isto chegou aos ouvidos do bom jovem que então disse: "Antes, quando esta pobre mulher me ofereceu as belezas ilusórias de seu corpo, não tinha que ouvi-la, mas agora tenho que ir apressadamente oferecer-lhe meu amor". E foi procurá-la. Quando a infeliz, em seu desespero, gritou: "Para que vens? Acaso para zombar? Por que não vieste quando estava cheia de poder para dar-te prazer e felicidade?". "Não venho rir-me de teu mal, venho pedir teu prazer. Agora podes dar-me o prazer verdadeiro, o da compreensão da alma. Teu corpo tinha que terminar com sua beleza. Mas, a beleza de teu coração, de tua alma, não perecerá nunca. Quero oferendar-me a ti. Permite que te dê um beijo." Ela se estremeceu em sua agonia e, através desse beijo, voltou a encontrar a paz, a compreensão da vaidade do mundo. Diz o livro budista que ao morrer, sua alma se expandiu na eternidade por esse beijo de salvação. A Renúncia não anula os sentidos senão que os vivifica, faz que se desprendam da ignorância do mundo para que sirvam à realização da obra no mundo, através da verdade. Havia nos tempos do Venerável Buda, um rei muito sábio que praticava a lei do Mestre e que educou seu filho nessa doutrina. Sempre lhe dizia: "Filho meu, tu serás rei um dia, porém, lembra-te de que tudo passa neste mundo, tudo é perecedouro. O que é um reino desta terra para um príncipe que tem que morrer, que pode ser traído por seus vizinhos, vencido pela guerra? O reino verdadeiro é aquele do Espírito, do saber que tudo passa, que tudo perece. Não consintas nunca em acreditar que és algo. Todos te louvam e adulam; os prazeres te são oferecidos. Porém, hás de saber que tudo isso traz amargura. A verdade é a lei do Buda. O homem não deve apegar-se a nada sobre a Terra e sim apegar-se à eternidade. O jovem se educou nessas doutrinas. Sabia ser príncipe. Porém, esse pai tão sábio estava casado em segundas núpcias com uma mulher que concebeu pelo príncipe uma paixão malsã. E, ao mesmo tempo, um grande ódio, porque ele não lhe correspondia. O príncipe pediu, por isso, para ir para terras longínquas. Quando ele se afastou, essa mulher má conseguiu o selo real e mandou uma ordem para que lhe fossem arrancados os olhos como traidor. Os conselheiros do jovem ficaram espantados e sem coragem para comunicá-la. Porém, ao fim ele a viu. Estremeceu ao lê-la, porém disse: "É uma lei: há que cumpri-la." Ninguém queria fazê-lo, mas ao fim encontraram um pobre leproso disposto para esse ofício terrível. Tremia, no entanto, o homem, antes de executar a sentença, mas o príncipe disse: "Estes olhos são perecedouros, algum dia terão que apodrecer na terra. Além disso, tenho olhos imortais, como me ensinou meu próprio pai que me condena. Tudo é perecedouro, nada dura nem permanece". Quando lhe arrancaram o primeiro olho, tomou-o na mão e disse-lhe: "Ó, olho perecedouro, o que és agora senão uma coisa inútil e repugnante?!". Quando lhe arrancaram o outro, disse: "Agora, não só conheço a verdade. Sinto a verdade, a verdade de que tudo morre: é, é e o creio". Depois de peregrinar com sua jovem esposa que o conduzia pela mão, chegou aos países de seu pai. Quando o rei o viu, espantou-se e quis castigar essa perversa mulher, mas o filho não o permitiu. Disse: "Pai, essas não são as ensinanças que tu me deste. Esta mulher não é mais do que um instrumento da ignorância e da ilusão dos homens. Ela me fez um grande bem. Antes só sabia que tudo é perecedouro, mas agora sei que o sei, vejo-o, tenho-o, possuo-o; sou feliz". Que Ordenado era esse jovem príncipe! Como havia conseguido a plenitude do desapego e da Renúncia! A Renúncia é um bem sem apegos, sem egoísmos, sem diferenciações e sem partes. Sem compostos. A Renúncia é a verdade, um bem único absoluto, separado de todas as coisas materiais, mortais. Ainda das maiores e sublimes: é um dom de uma perfeita simplicidade.

Ensinança 6: O Vencimento do Sono

Há uma formosa lenda tibetana que conta a história do vencimento do sono. Houve uma vez um asceta de grande virtude e santidade que chegou a dominar todas as suas mentes, todos os seus sentidos e todas as suas faculdades. Mas seu desejo era permanecer sempre unido, com sua mente, a Deus. Por isso, começou a dormir muito pouco, quase nada. Mesmo assim, não pode vencer completamente o sono. Sempre havia um momento, uma hora, em que, enquanto estava sentado em sua cama de madeira, era vencido pelo sono (as camas dos ascetas tibetanos são caixotes quadrados de madeira onde eles estão sentados com as pernas cruzadas. Quando querem dormir, apóiam sua cabeça para trás; nunca se deitam para dormir). Porém, lutou e lutou até que um dia acreditou ter vencido. Passou muitos dias sem dormir, mas uma vez, enquanto estava na mais alta contemplação, perdeu a luz divina e ficou, por uns instantes, profundamente adormecido. Então, diz a lenda, cheio de ira contra si mesmo, ira santa e espiritual, pegou uma faca e cortou suas pálpebras para evitar assim, ser dominado pelo sono. Ao fazê-lo, caíram algumas gotas de sangue ao solo e esse sangue bendito fez brotar uma planta que seria depois estimulante e ajudaria a evitar o sono: a planta do chá. Esta bela lenda tem uma grande sabedoria: o homem não pode vencer o sono, tem que dormir. E, o que é o sono, senão o irmão da morte, da eternidade, do eterno descanso? Por mais esforços que se façam, por elevado que se procure manter o pensamento, quando vem o sono invencível, envolve o ser pouco a pouco e faz com que perca o sentido, a memória, o gosto, tudo; e arrasta-o às sombras e ao descanso. Mas, se não se pode vencer o sono, deve-se educá-lo, deve-se meditar sobre ele. Há que educar aquelas horas que têm que ser dedicadas ao descanso do corpo físico. Os seres comuns necessitam da metade de sua vida para dormir. Aonde vão, o que aprendem, que mundos visitam? O sono é como uma morte, uma pequena morte. São Paulo dizia: "Todas as noites morro em Cristo". É bom abandonar-se ao sono como se realmente se fosse para a morte. Dizem que as almas santas, todas as vezes que vão dormir, pensam que é como se abandonassem o mundo e se entregassem à morte. Esse ato é de suprema renúncia porque não só se entrega a vida com a mente e o coração: todas as noites se repete a oferenda. Porém, não se pode meditar sobre o sono se não se conhecem os passos do mesmo. O sono correto tem que cruzar os três estados, como se verdadeiramente a alma morresse. O sono é: vegetativo, associativo e místico profundíssimo. Muito poucos seres chegam ao terceiro sono, ao profundíssimo. Mas é ali onde o Filho deve ir, para refazer suas forças. Porém, antes de chegar a ele, passa-se pelos outros dois tipos de sono: para ir ao cume, há que caminhar primeiro pela ladeira. Estes três sonos têm um tempo determinado: é como um relógio que é necessário percorrer durante a noite. O ser necessita o maior tempo para o sono vegetativo, um tempo menor para o associativo e, às vezes, só uns minutos de vislumbre para o sono profundíssimo místico. O homem não só se alimenta durante o dia, senão que faz como a formiga que, no verão, leva para o formigueiro tudo o que necessita e, durante o inverno, vive disso. Assim é o organismo: de noite assimila os elementos adquiridos durante o dia. Se bem que a digestão se faça de pé, de noite o ritmo de assimilação é diferente. Há elementos necessários para o organismo, muito sutis e desconhecidos ainda, que só podem ser adquiridos durante o sono. A maioria dos seres se deita e se abandona ao sono. Não há um passo entre o adormecer e o sonhar. Não se faz, então, esse sono vegetativo, tão necessário ao ser humano que tem que receber a força energética da vida. Ele a vai adquirindo em muito pouca quantidade e muito devagar. Há certos fatos que permitem perceber isto: por exemplo, os pesadelos. Estes, não acontecem por más posturas, como se acredita comumente; esses são fatores externos. Os pesadelos vêm porque o ser se abandona ao sono e sua mente está sobrecarregada de preocupações. Então, o fator astral que se reflete no ser humano pelo sistema nervoso, quer tirar do sistema vegetativo sua parte, ao invés de deixá-lo fazer seu trabalho. O sistema vegetativo tem que defender-se então, daquele que quer invadir seu campo. Por isso, sonhar com gatos, com animais sobre as costas ou o estômago, com uma manada de cavalos que vem correndo, com um peixe grande que está ali, na frente, com esquilos, indica que o sistema vegetativo não está fazendo bem sua função. Às vezes, sonha-se um momento antes de dormir, porém depois, não se sonha absolutamente nada. É que há um relaxamento absoluto de todas as faculdades do ser. É a verdadeira morte. O ser morre, em realidade, pequenas mortes todos os dias. Por isso, quando se entra no sono, têm-se vislumbres, visões que são como um pequeno exame retrospectivo que se faz rapidamente para entrar, em seguida, no sono profundo. Algumas pessoas se levantam mais cansadas do que quando se deitaram. Isto ocorre porque há uma luta entre a força associativa e a vegetativa. É como se carregasse o mundo sobre si. A razão disso é que o organismo não fez o seu trabalho. O exame retrospectivo não tem muita importância em si. A maioria dos feitos diários do Filho são sempre iguais: meditação, trabalho, refeições, recreio. É um exame muito rápido. O exame retrospectivo tem outro valor: corta o impulso diário. A mente faz, durante o dia, como uma linha que se estende cada vez mais e, como o ser sustenta ainda mais essa linha de força, a mente vai se debilitando. Então, à tarde, já não se tem a mesma força que pela manhã e a linha tende a romper-se. É necessário começar a repará-la ao entrar no sono porque, se se abandona a nota para que se perca por si, não há trabalho de reparação. Assim, o Filho diz: basta. Retrotrai sua força, volta atrás, diminui pouco a pouco sua marcha. O exame retrospectivo aminora a marcha do dia. E o ser, que dava voltas à roda num só sentido, ao fazê-lo em outro, fica imóvel. Por isso, ensina-se que se mande o sangue da cabeça para os pés, ou seja, mover a força em sentido contrário. Um bom sono vegetativo pode dar em quatro horas, uma grande recuperação ao homem. É o exemplo que se vê nos grandes homens - como Napoleão - que necessitam poucas horas de sono. Depois do sono vegetativo, há que dar conta do dia. O corpo já assimilou todos os seus elementos; o corpo etéreo está cheio de força. Os átomos X já preencheram essa parte etérea, esse segundo corpo do homem e o corpo astral pode fazer seu trabalho. Sem o corpo astral, o homem não pode ter a vida do Espírito. As grandes forças são adquiridas nessa zona mística do sono profundíssimo. Mas, o corpo astral não pode fazer isso, se antes não filtrar os canais por onde passaram tantas imagens anteriores: as emoções, as lutas, gastaram esta força durante o dia, obstruíram as vias e, por ali, não pode entrar outra energia. As agulhas não são limpas. Esse trabalho é feito no sono associativo: examinar as coisas que nos impressionaram durante o dia, o que perdemos espiritualmente. Às vezes, parece que se sonha algo sem sentido. Por exemplo: uma pessoa em uma casa que não se conhece. O subconsciente mostra assim que se está equivocado, que se deu a algo um sentido contrário, que no momento de fazer uma obra se a desfigurou. Ou, por exemplo, que a casa se desfez, que veio abaixo; que o carro se espatifou. Quer dizer que não se tirou proveito do passeio. Associações que se apresentam como imagens, mas que são grandes lições se se sabe aproveitá-las. Associam o real do dia com a fantasia: a fantasia desfigurou o real durante o dia e a experiência foi pouco proveitosa. Quando se teve um dia são e sereno, as imagens no sonho são simples, porém claras: limpa-se a capela e, à noite, vê-se uma capela grande. É que se engrandeceu esse trabalho, foi ampliado. Faz-se um vestido com amor e, à noite, vê-se o vestido adornado: é a graça, a força que se lhe deu. Quando se vêem flores e adornos, é o fruto que se recolhe das obras diárias, e isso tem uma importância extraordinária. Os seres desequilibrados e nervosos têm sonhos associativos tremendos, dormem aos saltos. Enquanto que a pessoa tranqüila dorme profundamente e, sobretudo, na Santa Casa da Mãe, onde o sono é morte que se transforma em vida. O Voto de Renúncia e o abandono da vida têm que levar à vida real, a esse sono profundíssimo onde se esclarecem as idéias, de onde vêm à alma as imagens divinas, as comunicações sagradas. Todos os Filhos que cumprem com seu Voto, chegam ao sono profundíssimo. Mas todas as almas tendem a ir para esse sono, que é o sono místico. É ali onde se recebe a Ensinança. Todos conhecem esse mistério: um dia, ao levantar-se, tem-se a solução do problema, a compreensão nova, clara, sobre esse ponto. Quantas vezes, vai-se dormir com uma ansiedade, com uma dor e, na manhã seguinte, é-se realmente outro. O de ontem desapareceu com suas nuvens: a alma está como um claro céu azul. Os Filhos se entregaram ao sono como à morte. Cruzaram o vale dos movimentos humanos e puderam silenciar sua profundeza nas águas de Beatrix, na fonte divina. Veio-lhes a luz, compreensão a respeito de sua vocação e de muitíssimas coisas que não têm explicação, que nem eles mesmos podem explicar, apesar de compreendê-las. Durante o sono profundíssimo, muitas vezes os Filhos se comunicam com os Mestres e assim deveria ser sempre. Os Santos Mestres estão continuamente com os Filhos, porém o que chega a estes é sua luz, que os banha. Se eles quiserem ir e estar ao lado do Filho, têm que se materializar, tomar uma força viva, como o fizeram, muitas vezes, grandes seres, sobretudo algumas aparições verdadeiras, materiais. Algumas vezes vêem a figura de seus Diretores ou Instrutores, mas são os Santos Mestres que os bendizem, que lhes dão força, que os repreendem, aconselham-nos. Através do sono profundíssimo se faz este grande trabalho: estabelecer uma ponte entre o céu e a terra. Os Mestres podem dar assim, aos Filhos, o segredo da vida. O homem vive aferrado à Terra porque, em realidade, não vive, não sabe. Porém, para aquele que pode ter sua própria experiência, a vida tem um sentido completamente diferente. Por isso, há que dar ao Filho fatos concretos, formar uma ponte entre o mundo astral e o mundo material para que todos a toquem com suas mãos. Eles têm que ser os primeiros. Por isso, durante a noite, os Filhos bons caminham por essa ponte, estendendo um arco entre o céu e a terra, por onde, depois, cruzarão todos os seres, para afastá-los do medo e da dor do mundo. No sono profundíssimo, ainda se tem a visão do futuro e o consolo de falar com as almas que já cruzaram o caminho para o além. No sono profundíssimo o Filho se transforma em sacerdote. Não é sacerdote aquele que estudou um número de anos, mas aquele que se pôs realmente em contato com Deus. Se não é asim, é um cego que guia outro cego. Por isso, os chelas hindus perguntam a seu Mestre se realizou a Deus. O sacerdócio da alma, têm-no os homens e mulheres indistintamente, pois todos têm que forjar seu caminho. Se os Filhos sabem considerar a morte, morrem todos os dias nas horas de sono, por seu Voto de Renúncia. Se souberem abandonar-se nos braços da Divina Vontade, experimentarão a verdade. Deus lhes concede a visão do além e podem dizer: "Assim é porque o vi, experimentei-o. Vi a imagem da Divina Mãe; vi as almas daqueles que me precederam no além". Um Filho teve uma vez dois sonhos extraordinários. No primeiro, viu o Templo de Cafh, que era um grande arco-íris que ia se formando pouco a pouco. Por ali cruzavam os Filhos para entrar no verdadeiro templo do além. O Templo da Divina Mãe não é um lugar, é uma força viva da alma que se constrói pouco a pouco. No segundo, viu um rio imenso e alguns Filhos de Cafh que levavam seu cavalo branco por uma das margens. A outra margem estava além, invisível, mas esses Filhos, enquanto caminhavam pelas águas, formavam uma ponte de nácar. Significa o rio místico da alma. A ponte de nácar é o descanso, rotina, paciência. Na medida em que iam entrando no rio, este se tornava cada vez maior, e maior também se tornava a ponte, e mais almas a cruzavam, e mais se estendia. Era a ponte constituída pelas próprias almas, a ponte que um dia teria que estar estendida entre o além e esta terra, entre o conhecido e o desconhecido. Este Divino Mistério, o Filho pode vivê-lo diariamente: ele tem o Livro da Grande Ensinança, o Mestre preparado, se sabe aproveitar bem as horas de sono.


Ensinança 7: A Renúncia como Salvação

A Renúncia, compreendida como única salvação do mundo, abraçada com os Santos Votos, vivida diariamente através dos atos e do ritmo de Comunidade, leva inevitavelmente a uma mística, a um determinado modo de vida interior expansiva. A Renúncia verdadeira, total, absolutamente simples, não é para um só homem ou para um agrupamento de homens, mas para todo o gênero humano e para todos os seres que foram, são e virão. Esse estado interior que se desenvolve na alma através da vida de Ordenação como algo espontâneo e natural, pode ser analisado e controlado - e ainda acelerado - se a alma conhece bem, em termos gerais e particulares, o método; um método para possuir esse bem de renúncia em sua totalidade. A isto se chama, Mística da Renúncia. Não se a denomina "Mística do Coração", que é a síntese total da vida de Renúncia, porque seria necessário muito tempo para explicá-la. Diz-se então "Mística da Renúncia" para dar com ela uma síntese da "Mística do Coração". Não se pode entrar em considerações sobre este campo admirável se não se sabe o lugar que se ocupa no mundo e na vida. A humanidade pensa de diferentes maneiras, tem múltiplos pontos de vista. Por isso, é necessário ser bons observadores e ter uma filosofia própria, bem clara e definida. O que é que determina os acontecimentos humanos? Usar-se-ão termos conhecidos para tornar mais clara a explicação: a História, a Psicologia, a Ética ou Moral. A História é aquele fenômeno que repercute do exterior para o interior do indivíduo. A Psicologia é a ação e reação das faculdades internas do homem. A Ética é o resultado desse choque exterior histórico, individual, psicológico, que se transforma em um fato, primeiro individual, interior; depois coletivo, exterior. Partindo desta base fundamental, pode então o Filho desenvolver sua mística, porque tem uma idéia clara de seu lugar no mundo e no Universo. A missão do Filho Ordenado é o desenvolvimento de suas faculdades interiores, mas não para encerrar-se no conhecimento, análise e posse dessas faculdades e dizer: "Este é meu mundo, minha felicidade, meu céu". Porque, inevitavelmente, por mais que se afaste, sempre haverá fatores externos que repercutirão sobre ele: o que aprendeu, o que trouxe ao mundo, sua idiossincrasia ancestral. Os fatores exteriores históricos sempre virão bater à sua porta. Sempre haverá um resultado determinante destas faculdades. Por isso, o Filho Ordenado há de construir sua morada interior. Mas, essa morada interior há de harmonizar perfeitamente com todos os valores exteriores, relativos. Como resultado desta união de ordens deve haver um determinado modo de viver, uma determinada mística. Não pode ser a mística de um isolamento absoluto ou de uma obra social absoluta, mas o resultado de uma harmonia de oferenda, de supremo sacrifício: uma mística de uma realização expansiva. A Mística de Cafh é, antes de tudo, de oferenda: oferenda de si mesmo, oferenda dos valores interiores, oferenda dos valores exteriores. A humanidade padece porque o fator histórico não lhe deu a devida experiência. Todos desfrutam de todos os bens, das comodidades, de um saber que lhes foi legado por outros homens. Caminha-se por uma calçada, mora-se numa casa, tem-se luz elétrica, viaja-se em um trem, num avião, desfruta-se de todas as comodidades e se diz: é da humanidade, nós o pagamos - e nada mais. Com esse conceito não se conhece o fator de responsabilidade que o homem tem frente à humanidade. Esquece-se de todo o trabalho e esforço de tantas vidas que isso custou. Não são valores econômicos, mas um valor vivo de esforço e sacrifício. O homem diz conhecer seus fatores históricos, porém goza e nada mais. Não faz outra coisa a não ser adquirir obrigações, cargas de dívidas, carma. Em uma palavra: recebe, recebe. “Que me dêem, que tudo seja para mim.” Há que ver se o esforço de dar tem uma relação compatível com o que se recebe. Senão, prepara-se outro processo histórico de dor para a humanidade. O primeiro sentido místico há de ser o de oferenda. Essa singela lição que sempre foi dada ao ser: o homem ganha o que dá, não o que recebe. Pelo que recebe tem que pagar muito. Custa sangue. Há muitos seres generosos que compreendem isto e dão. Mas, os Filhos Ordenados fizeram uma oferenda muito maior, porque deram tudo: sua própria vida. Colocaram-se ao lado dos Grandes Iniciados, daqueles poucos que se oferendam para ensinar com seu divino exemplo, à humanidade, qual é o caminho da salvação. Mas, esta oferenda tem um método místico que a faz mais intensiva e isto há que aprendê-lo dos grandes seres e praticá-lo interiormente. Isto quer dizer: mística. Há que praticá-la com o coração, com o pensamento, com todas as forças da vontade e do amor. A mística de renúncia feita oferenda é a mística do pão e do vinho. Ensinaram-no todos os Grandes Iniciados que vieram à Terra. A primeira ensinança que se dá aos Filhos é esta: "Deixa a bolsa de pão do pobre; sê tu mesmo pão de vida". Como já disse Cristo: "Toma este pão, toma este vinho que são minha carne e meu sangue". Não se pode oferendar só os próprios serviços, o que se pode fazer; há que oferendar-se a si mesmo. Não se pode pagar o carma que se leva sobre si por haver desfrutado de tantos bens sobre a Terra - facilidade para aprender, saber, distinguir o bom do mau - com serviços, mas com a própria vida, com todo o ser. Isto o fizeram os grandes seres. Cristo se oferendou a si mesmo para o bem da humanidade. Mas, antes disse a Seus discípulos: "Tomai meu vinho e meu pão que são minha carne e meu sangue". "Este é o testamento, o bem que vos deixo: dar a própria carne, o próprio sangue". A oferenda há de ser absoluta. A mística de oferenda é esse sentido interior contínuo: não oferendar só o que se dá, senão a própria vida, um pouco todos os dias. O Filho há de dizer em suas meditações: "Recebi tanto da humanidade, tudo me foi dado. Mas, o que dei eu? Começo por oferendar minhas humanas intenções, minhas orações, minha vida mortificada e de oração; todos os trabalhos que faço. Oferendo tudo o que a Divina Providência queira enviar-me: o mal-estar, a aridez, a comodidade, a incomodidade, as enfermidades, as mudanças de vida que me proporcionam o tempo e a idade. Porém, ainda quero oferendar algo mais: quero oferendar-me a mim mesmo, minha própria vida". Este hábito de oferenda do coração, da mente e de todo ser se transmuta misticamente na oração; não só é uma oração imaginativa; é mantida, continuada. Faz com que realmente o mundo absorva o magnetismo, a força do Filho e receba o bem de sua oferenda. Algo sai dele: como uma essência, uma luz que se expande pouco a pouco sobre todo mundo e sobre todos os seres. Clamem os Filhos em seu interior: "Oferendo minha vida, minha carne, meu sangue. Dou-me todo. Tomem-me que já é hora de tomar esta miserável vida, se for necessário, para que eu pague, já que toda a humanidade não está disposta a pagar; para que eu redima os homens de sua cegueira de tomar tudo, ainda tomar pela força. Oferendo-me como pão de vida. Reconheço minha pobreza, mas dou o pouco que sou e permaneço à disposição divina. Pude descobrir o mistério de ser pão, pão eucarístico, pão divino. Agora sou a hóstia, a vítima imolada". Este sentimento interior toma força, vida, comunica-se verdadeiramente e é um auxiliar para os seres humanos. Este é já o sentimento de muitos Filhos. Quando às vezes sofrem de alguma doença e se deseja que se curem, dizem: "Não me peça que me cure de meus males; eles são o único bem que tenho para poder dar algo". Os Ordenados tenham sempre presente que sua mística não é de paz e felicidade na realização divina, e sim de oferenda. Porque, como dizia o Bem-Aventurado Buda: "Não posso ter paz e felicidade se a humanidade não tem o mesmo bem, se segue caminhando pelo caminho da dor, da miséria e do sofrimento". A humanidade está cega. Se se oferendasse, se reconhecesse o bem que recebeu, se o compreendesse e se dispusesse a dar, sua dor seria eliminada imediatamente. Mas, para isso, é necessário que haja almas que saibam oferendar-se. Que triste é ouvir as almas consagradas falarem como o fazem os homens do mundo, como os cegos, mostrando que não se dão através da oferenda mística interior! Exteriorizam-no sem percebê-lo e seguem estendendo a mão, estando desconformes com tudo e deixando de lado o cumprimento da observância e de suas obrigações, que é o único que podem dar. Tudo as cansa e em lugar de tornarem efetiva sua oferenda, seguem regateando com a Divina Mãe o que já Lhe entregaram com seus Votos. Que a oferenda interior dos Filhos comece pela mística, quer dizer, pela oração. Somente assim se tornará efetiva exteriormente. Um santo hindu - conta a lenda - era muito ignorante e não sabia meditar. Certa vez, um javali o atacou e, ao defender-se, bateu muito fortemente na cabeça do animal. O javali deu um grito de dor tão terrível e, ao mesmo tempo, tão sublime, que o comoveu. O asceta então, arrependido por havê-lo ferido, foi repetindo esse grito continuamente para chegar a emiti-lo com a perfeição da dor do pobre animal e diz-se que, ao consegui-lo, realizou Deus. Quando verdadeiramente se ora em espírito de oferenda, essa oferenda se faz efetiva. Deus toma o que se dá e a oferenda se transforma em holocausto, em uma realidade. A alma que é responsável por suas ações frente ao mundo, que harmoniza com o exterior e paga o carma do mundo - não a que diz: eu pago meu carma e estou desligada dos outros - essa alma tem direito de realizar Deus em si mesma e pode chegar a transformar-se em uma harmonia perfeita de valores internos, emocionais, mentais e espirituais. Porque já se transformou em um holocausto, em uma oferenda feita realidade. Cristo não somente oferenda sua vida como semente através do pão e do vinho, senão que sobe à cruz. Ele padeceu todas as dores, todos os martírios, até que chegou à cruz, ao supremo holocausto. Estas belas orações, esta mística interior do Filho há de transformar-se em uma realidade, em algo vivo. Seria ilusão se sua oferenda não chegasse ao holocausto, à realidade. Uma gotinha de sangue há de adornar os véus e as capas dos Filhos para que estes tenham um sinal de confirmação e realidade. O holocausto não tarda a vir para aquele que sabe o que a mística verdadeira significa. É tão diferente a realidade, dos sonhos! Muitas almas consagradas querem oferendar-se com toda sinceridade, porém o fazem à sua maneira, segundo seus gostos, ainda que acreditem que não sejam seus gostos. A mística do holocausto é a mística do mistério, do desconhecido. É o resultado de fatores internos que não se sonhou descobrir nem possuir. Por isso, quando a alma se oferenda a seu modo não faz nada mais que obstaculizar a Obra Divina de redenção nela mesma, pôr reparos. A oração que a Vida de Ordenação impõe, ainda as orações vocalizadas, podem parecer poucas à alma que se oferenda. Em seu fervor, gostaria de dizer muito mais orações, ter mais tempo para orar. Mas, estas orações, por mais belas que sejam, nunca serão o holocausto porque trazem um gozo pessoal, um gosto. É uma oferenda pessoal. Se quiser tomar uma disciplina, toma-lá-a quando quiser, mas se bem que essa disciplina seja boa, não é a perfeição do holocausto. Santa Rosa de Lima dizia ao final de sua vida: "Eu pedia dores, mas não acreditava que fossem tão grandes". Ela imaginava suas dores habituais, mas Deus lhe reservava outra dor. O que se quer fazer pessoalmente, ainda sendo bom, não tem valor. Porque Deus dá o que Ele quer dar e tocará a alma nessa fibra que ela não quer que se toque, nesse lugar secreto, bem guardado e oculto: ali é onde irá bater a dor. Então, a alma imperfeita começa a queixar-se, a achar que é muita dor, a perder o gosto pela oração e a sentir a obscuridade. Pensa que é incompreendida, que os Superiores são demasiado severos, o Regulamento pesado, as obrigações são muitas. Isto lhe acontece porque não quer dar-se: a oferenda pessoal é um teatro, é exterior. Deus quer outra coisa. A alma que se oferenda é uma mente em branco que não pensa o que poderá lhe acontecer nem hoje nem amanhã, senão que está disposta a que Ele tome dela o que quiser. Se o ser se queixa, não dá, a oferenda não se transforma em holocausto. E é necessário transformá-la em holocausto, tingi-la de sangue. É ali onde a alma pode realizar: no trabalho que lhe dão, na doença que lhe manda a Divina Providência, nos inconvenientes inesperados. Ali é onde Deus vai buscá-la e dizer-lhe: "Eu quero isto e outra coisa não me agrada. Eu te dou tudo, mas desejo tua alma". Geralmente acontece que quando se está doente, oferenda-se tudo, mas não esse mal porque incomoda e tira o gosto na oração. Mas isso é o que Deus quer que se Lhe dê, essa é a gota de sangue para salvar a humanidade. Então, pode-se chegar à morte mística e ser dignos de ser chamados mortos que vivem, almas que não pertencem a este mundo. Depois que Cristo expirou com grande dor, houve uma grande paz a seu redor e tudo foi silêncio. Isto quer a Divindade das almas para dar-lhes depois esse grande silêncio de morte, resultado da Mística da Renúncia. Esta é a ética, a moral do Filho: abandono à Divina Vontade. Pode acontecer que, depois de muitos anos de vida de Comunidade, a alma se dê conta, um dia, de que segue tendo o mesmo defeito de quando ingressou e esse defeito está como um espinho no coração. E então, pergunta-se: "Por que o tenho?". É necessário conformar-se quando o ser percebe que isso ainda está ali: abandono total, absoluto, à Divina Vontade. Essa é a morte mística da sensação. Quando se chega a esse estado de dor, isto é, de suportar a dor, aceitando tudo das mãos divinas, é-se então, holocausto tão perfeito que depois já nem se sente essa dor e tudo parece pouco, ainda os maiores golpes que a Divina Providência manda. É então quando se colhe, quando se está morto. Não porque haja uma insensibilidade, mas porque há uma absoluta entrega. Ainda na mística que o Filho vai desenvolvendo depois de haver-se oferendado, pode ser que na oração a Divina Mãe lhe dê grandes martírios: nervosismos, dores intensas que não o deixem tranqüilo, sofrimentos no tempo da meditação. Ainda se isto acontecer, com um esforço supremo tem que conformar-se e estar contente com o que lhe foi dado. Quando ele tinha entusiasmo era ele quem gozava e recebia. Agora que tem aridez e sofre ou a enfermidade o incomoda, tem achaques, nervosismo, tem a impressão de que não está orando. Pois bem: agora está entregando algo. Se o Filho faz esse esforço continuado, se procura renunciar, acompanhar interiormente e dizer com o pensamento essas palavras de oração, essa é uma mística que sempre traz silêncio de morte na alma: sossego, a sensação de que tudo dorme, de que tudo terminou. Se os Filhos fizerem isso, saberão que a oferenda de suas vidas foi tomada pela Divindade. Ali estão, já não têm mais nada para dar. Compreenderam a grande dívida que têm com a humanidade. Tudo o que podiam fazer, fizeram-no - bem ou mal - e seguirão dando. Tudo tomam de Deus. Fez-se a Divina Vontade: Deus dá, Deus tira. Então, pode-se colher o fruto do silêncio. O êxtase verdadeiro não é gozar de Deus, estar ali como se não se vivesse. O êxtase da Renúncia é uma perfeita paz e conformidade, é uma entrega total. Para resumir, pode-se portanto, repetir as palavras de meditação que se deveriam usar para esses passos da meditação de renúncia que é a síntese da Renúncia da Mística do Coração. A Mística do Coração teria que ser explicada mais detalhadamente: começa pela infância espiritual, continua com a juventude, abandono, mendicidade, chamado divino, União com os Mestres, morte mística dos sentidos e assim, sucessivamente. Para a meditação, deve-se pensar: "Recebi de Deus dons infinitos. Tudo me foi dado, desde que nasci até agora: benefícios, comodidades, assistência, guia espiritual, ensinança, alimento, adiantamentos da civilização, livros, revistas, ensinanças escritas... tudo. Na doença tive: assistência médica, os remédios necessários, os mais novos que a ciência pode dar. No inverno, abrigo. No verão, comodidades para minha refrigeração. Assistência da família, da sociedade, da escola. Assistência de Cafh: Comunidade, Superiores continuamente a meu lado. Minhas mãos estão cheias de dons. Recebi tudo despreocupadamente". "Hei de pensar nos que se deram voluntariamente e contribuíram para todo este bem que me foi dado e fazer uma análise do que tenho dado à Humanidade com meu conhecimento e possibilidades, com meu ser. Para receber este bem que me foi dado, que fiz eu?" Depois, ver o pouco que se fez e dizer: "Que ignorância a minha que sempre vivi assim. Quero oferendar meu amor, todo meu afeto. Quero entregar tudo. Continuamente há almas a meu redor que pedem afeto e eu o dou somente a algumas pessoas que me são privilegiadas de amizade e reconhecimento. Meu amor tem que ser para todos aqueles que o pedem: crianças, doentes, inválidos - que a Providência põe em meu caminho. Hei de dar meu sentimento sem esperar que me queiram nem a recompensa de ser compreendido". "Quero dar tudo o que aprendi, pouco ou muito: o que aprendi com minha carreira profissional, com a ensinança espiritual, com a experiência pessoal, no mundo e dentro de Cafh. Quero ensinar, não quero ser egoísta, dar a mãos cheias: que todos saibam o pouco que sei. Tudo darei, continuamente. Todos os meus conhecimentos de leitura, hei de ensinar nos passeios, nos recreios. Hei de dar-me, continuamente." "Mas, isto é tão pouco para uma alma como eu que hei de oferendar minha vida continuamente! Não devo ter medo dos contágios ou do que possa vir de um cataclismo, uma inundação, uma guerra, de nada, porque quero oferendar minha vida. Se outros seres passaram por esses tristes transes com serenidade, hei de dar tudo e não ser como os pobres seres do mundo que só querem guardar os seus, ir aonde nada os alcance." "Que tudo seja entregue para o bem da humanidade, que tudo se esparrame sobre os seres. Sou holocausto, martírio de amor; sou a oferenda perfeita, o mártir desconhecido. Sobretudo, hei de querer o que Deus quer dar-me por meio das repreensões, dos castigos dos Superiores. Porque é tão pouco o que posso dar! Porém, Deus meu, isso que Tu queres, dou-o com todo amor; ainda que seja um pequeno mal-estar. Se queres tirar-me o gosto na oração, também o dou. Que não fique nada mais que o punhadinho de cinzas que sou eu." "Aqui, aos pés do altar, não está um Filho, está um punhadinho de cinzas que qualquer um pode soprar e ninguém se dá conta. Que ninguém se dê conta de mim. Que eu seja pequeno, vão e inútil aos olhos de todos os homens. Que eu esteja morto, transformado em pó e cinza, porque sei que esta cinza um dia será levantada pelo vento do Amor Divino, a Divina Graça que não permite que nada se perca e esse pó se unirá ao pó da eterna felicidade." Esta é a Mística da Renúncia: o Regulamento, o trabalho, a observância do Filho hão de transformá-lo nisso. Isso ele o faz com sua vida interior.


Ensinança 8: A Mística das Cinzas de São Paulo da Cruz

O mais maravilhoso e surpreendente da vida de São Paulo da Cruz é seu extraordinário espírito de renúncia, de absoluto desprendimento de todas as coisas do mundo. Tão grande que institui no mundo cristão uma congregação totalmente dedicada a conseguir essa morte mística, tão parecida à morte mística das almas oferendadas em holocausto para a redenção da humanidade. Orava um dia o jovem Paulo em um humilde quarto de sua casa, quando nas luzes do crepúsculo lhe aparece uma senhora toda vestida de preto, com um véu de luto na cabeça. Era de aspecto doce e agradável, e vertia abundantes lágrimas. Paulo ficou admirado frente a essa maravilhosa visão e aproximou-se dessa senhora que não era senão a Divina Mãe, a Mãe de todas as dores e penas. Paulo ouviu estas palavras: "Paulo quero que sempre estejas de luto pela morte de meu filho Jesus. Quero que estejas sempre de luto pelas dores do Filho do Homem que foram completamente esquecidas pelos homens. Quero que não somente interna, mas também externamente, leves o pesar e o luto em tuas vestes, em teu comportamento, em teu modo de viver, em todas as tuas coisas". O jovem Paulo ficou completamente absorvido por essa visão e, desde esse momento, entregou toda sua vida, sua alma, suas possibilidades a esse fim: estar de luto pelas dores e a morte de Cristo, levar o pesar pelo Senhor que foi esquecido pelos próprios homens a quem veio redimir. Logo que pode abandonar o lar e a família, fecha-se num pequeníssimo quarto ao lado de uma pequena igreja abandonada. E, depois de uma quaresma de jejuns e penitência, escreve uma regulamentação para sua vida. Aquela regulamentação deveria ser depois, a guia da Congregação dos Passionistas. Porém, ainda ali volta a aparecer-lhe a Divina Senhora. Desta vez, sobre seu traje de luto, leva uma bela imagem, um símbolo: à altura do coração tem um coração branco, estampado sobre o preto, com uma cruz branca superposta. E dentro, vêem-se as iniciais da dor que simbolizam a dor de Cristo. Ali, sob esse nome estão os três cravos da cruz de Cristo. Ela volta a dizer-lhe: "Não somente quero que estejas de luto, mas que tu mesmo participes da dor e da morte de meu Filho, que vivas como se estivesses morto, crucificado. Ainda em teu físico te quero morto e crucificado. Leva sempre este sinal sobre teu coração". Este jovem havia chegado à renúncia ideal de todas as coisas da vida, ao abandono dos bens do mundo, porque havia se sentido inclinado à devoção, porque Deus, sobre todas as coisas, havia lhe dado um gozo admirável, desde muito pequeno, das belezas e graças eternas. Sua oração era uma glória, uma devoção contínua. Vivia num gozo extraordinário. Ninguém pode gozar tanto quanto ele aos pés do Senhor. Dizia: "Não trocaria um minuto da felicidade que sinto, por todos os prazeres que experimentam os homens do mundo". Mas, não sabia que duro caminho teria que percorrer para poder cumprir a Mística da Renúncia: esse renunciamento ideal que lhe havia sido dado. Teria que ser um exemplo vivo da Renúncia se quisesse deixá-la como herança a seus Filhos. Se o houvesse sabido, talvez não tivesse tido forças para enfrentar todas as dores que teria que padecer desde então. A partir desse momento desapareceram os consolos, as visões, a devoção e Paulo se viu sumido num mar de trevas, de desconsolo, de tristeza. Porém, a pior tristeza era ver que, se bem que no fundo de sua alma estivesse seguro de sua missão, seu razoamento, seu intelecto, os conselhos de todas as pessoas, faziam-no ver que estava enganado, que ia por mau caminho. Esse imenso martírio duraria vinte anos. Toda uma juventude martirizada, toda uma virilidade padecendo, sempre lutando entre a mente superior que lhe diz: "Adiante" e a mente racional e humana que lhe diz: "Estás equivocado, não tens êxito". Havia-lhe pedido muito a Divina Senhora, mas essa é a Renúncia, a verdadeira Renúncia, o grande saber dos heróis, dos santos, dos Iniciados. Jovem, Paulo, com suas regras nas mãos, caminha de um lugar a outro, esperando encontrar onde estabelecer-se, uma alma que o acompanhe. Paulo da Cruz é venerado por todos como um santo, todos lhe pedem conselho, tomam-no como diretor espiritual. Mas não há uma alma que queira participar de sua vida. Deus misericordioso, a Divina Mãe, aquela Mãe que lhe havia mostrado Suas lágrimas, ocultou-lhe esse longo martírio, todas as penas que o esperavam. Quis, misericordiosamente, não dar-lhe a conhecer todos os anos que lhe faltavam para poder ter a segurança de que sua renúncia não era a do vazio e do nada e sim a verdadeira vida mística para as almas que querem a vida espiritual. Abandona seu lugar e seu povoado porque ninguém quer acompanhá-lo, até que a misericórdia divina, tendo pena dele, envia-lhe um irmão: João Batista. Junta-se a ele em Roma, onde havia ido parar São Paulo da Cruz. Ali seguirá esperando, fazendo o bem, padecendo. Ali mesmo, em Roma, todos gostam dele e conhece grandes personagens, mas ninguém o ajuda em sua obra. Localizam-no então, num hospital. Parece que vão orientá-lo para o caminho da pura caridade. Ele espera ali anos e anos, acompanhado de seu irmão. Não tem luzes: Ela se esconde. Não terá que vê-la. Tem o sentimento de estar equivocado. Tudo continua, porém essa idéia o leva à mais terrível das desesperações. No entanto, às vezes, surge uma luz e ouve interiormente: "Paulo, estás morto, crucificado". Vinte anos de esperar, caminhar, peregrinar até que nesse hospital, por um sábio conselho, começa a estudar para fazer-se sacerdote. Com ele estava seu irmão. O Cardeal protetor do hospital o ampara para que fique como capelão ali. Passa por muitas provas até que um dia, quando já é sacerdote, uma grande força faz com que peça ao Cardeal protetor que o deixe ir à solidão. Pode partir junto com seu irmão e sobe àquele monte Argentaro, onde um dia levantará sua primeira casa. Passarão dez anos ainda, anos de luta, de padecimentos, de perseguições, antes que possa iniciar o primeiro retiro passionista. Ali, todos o veneram. As pessoas do lugar o têm por um grande santo. Muitas almas muito virtuosas o tomam como seu diretor espiritual. Mas todas fogem frente a essa vida, a essa mística de luto eterno, de morte em vida. Todas se espantam. Porém, tem êxito. Já tem sete companheiros. Junto com seu irmão, veio outro irmão (Miguel). Mas quando tudo parece florescer, pouco a pouco esses filhos se cansam dessa vida de renúncia e mortificação, desse viver em casas que são mais choças que casas, de esperar que se edifique um convento e se vão. Voltam a ficar sós. Começa a levantar o convento e ele se queima. O bispo da cidade lhe nega depois a permissão que já lhe havia concedido. Quando parece já que há um vislumbre de triunfo, cai enfermo de uma doença reumática tão terrível que o leva às portas da morte. Diz: "Estou mais morto que os mortos: não tenho luz, nem ajuda nem alívio. Aniquila-me, Deus meu. Devo ser muito mau e perverso quando permites que tantas penas caiam sobre mim e sobre aqueles que em mim confiam". Já é um homem de quarenta e três anos. Lutou desde os vinte e está no mesmo lugar. Porém, numa manhã, aparece entre as árvores desse bosque da montanha um jovem sacerdote de aspecto tímido, de pouco corpo, de caminhar vacilante, que pergunta pelo Padre Paulo. João Batista diz: "Não poderá este levar nossa vida, não pode ser uma coluna deste instituto". Porém, essa é a pedra angular da congregação. Será o mais nobre, o mais fiel e observante dos primeiros Filhos. É como se Deus houvesse caído do céu: chega a permissão esperada, levanta-se a obra. Por um tempo, Deus o alivia: volta a paz a seu coração. Porém, é por muito breve tempo. É como quando há nuvens no céu e aparece o sol, para ocultar-se em seguida. Está disposto a sofrer, a ser um morto. Tem que aprender a doutrina da Renúncia que ensinará depois a muitas almas. Essa doença não o abandonará jamais e, durante outros quarenta anos, terá que lutar. Padece penas de morte. Escreve à sua filha predileta: “... padecendo dores e martírios de inferno”. Este homem que padece tanto, não deixa de predicar, de levar a todos os lugares a palavra de Deus, predicando Cristo e Sua morte. O padecimento de Cristo e Sua morte, esse será o voto de seus filhos: predicar a paixão e morte de Cristo. E esse homem chegará aos oitenta anos, terá forças para fundar uma congregação, da qual o Papa Bento XIV disse: "Eis aqui um instituto que há de venerar sempre a paixão e a morte de Cristo. Um instituto que deveria ter sido o primeiro na Igreja e chega por último". Sua obra se propagará e estenderá à parte feminina. Seu instituto é, no dia de hoje, um exemplo pelo espírito de renúncia, de afastamento do mundo. Não vivem nas cidades, mas vão predicar nelas. São homens verdadeiramente mortos ao mundo e sua Ordem tem feito muito bem às almas. Porém, o que interessa, sobretudo, é a mística de Paulo da Cruz, desse homem de aço. Diz: "Padeço penas de inferno", e no entanto está ali, de pé, dirigindo seu instituto, acompanhando seus filhos, aconselhando o mundo. Para ele, não há outro caminho para a salvação do mundo, a não ser a Renúncia, o espírito de sacrifício e de dor. Sua mística se baseia toda e, sobretudo, na Renúncia. Há que ler suas cartas às almas que dirige, para ver a grandeza dessa mística que muito poucos homens puderam igualar. Suas palavras são fundamentais: "Não há salvação nem há perfeição espiritual se não se leva uma vida apartada e mortificada". Será muito combatido por isso. Não admite que a alma possa viver a vida de Deus e a do mundo. "Ainda para as pessoas que vivem no mundo não haverá salvação se não se desprendem das coisas que parecem boas e que podem ser utilizadas". Sua mística é: sim ou não. "Se queres chegar à perfeição, hás de sacrificar-te". "Não esperes nada. Hás de ter diante de ti uma cruz desnuda sobre a qual hás de subir, para ser crucificado e morto com Cristo". Para seguir a senda da perfeição, da Renúncia, a alma tem que se desprender de todas as ataduras, ainda espirituais. Devoções, práticas espirituais que lhe agradam, consolos interiores, modos de meditar. Unicamente há de amoldar sua vida a essa renúncia absoluta de todas as coisas. Quando fez esse trabalho interior, quando se despojou de tudo, então tem direito de permanecer aos pés de Cristo para oferendar-se, para ser lavada no sangue de Cristo e lavar com esse sangue a humanidade. A iluminação vem depois da renunciação absoluta: a iluminação não é de glória, é de dor. Dá forças para ressuscitar, sublima cada vez mais para oferendar a dor para a salvação da humanidade. A União é a Morte Mística. Às suas filhas lhes diz: "Não desejem nada nem queiram nada. Estejam como mortas e crucificadas". Os grandes seres se encontram, apesar das grandes religiões e conceitos. Diz o que dizem os místicos tibetanos: "... seja um montinho de cinzas aos pés da cruz. A senhora se lavou com o sangue de Cristo, purificou-se com os padecimentos do Salvador, não fica seu corpo, seu ser, nada da senhora, nem seus afetos. Que não fique ali nada mais que um monte de cinzas. Padecer, ser desprezado, ser abandonado por todos. Ainda mais: ser pisado por todos. Esse é o grande bem, o único bem". Esta é a mística de Paulo da Cruz, tão parecida com a do Filho Ordenado, com o espírito de desapego que os Filhos hão de praticar. "Ainda no exterior haveis de ser mortificadas", disse às suas filhas. Elas não somente se vestem de luto: não podem usar nada branco, nem mesmo uma golinha. "Não só vestir de luto exteriormente, mas também interiormente: nada ver, nada ouvir, nada escutar. Não querer que ninguém se aproxime". Estar sempre de luto. Essa é a missão dos Filhos da Paixão. Em uma passagem de uma carta que escreveu a uma filha, a primeira superiora das religiosas passionistas, diz: "Que gozo é poder padecer sem ter consolo nem do céu nem da terra! Tenha em grande estima padecer e dê graças a Deus por isso. Ofereça-se frequentemente ao Senhor sobre a cruz como vítima de holocausto e ali acabe de morrer em Cristo, com aquela morte mística que traz consigo uma nova vida. Vida de amor, vida deífica: poder estar unido pela caridade ao sumo bem, no qual se esconde a mais preciosa pérola de amor. Seja sua vida um puro padecer. Eu não deixo nem deixarei de rogar ao Senhor, segundo suas intenções - escreve-lhe quando ela está muito aflita - porém, gostaria que não ponderasse tanto sobre seus pequenos trabalhos e sacrifícios. O verdadeiro e puro amor de Deus sempre faz parecer pouco tudo o que oferecemos ao Altíssimo. A senhora não está morta de todo e, no entanto, o bom Deus, com os padecimentos que lhe permite sofrer, pretende que morra de verdade. Mas, fá-la sofrer para que morra com morte mística a tudo aquilo que não é Deus e que se porte como morta: sem língua, sem ouvidos, sem olhos. E, assim como um morto que, depois de sepultado é pisado por todos, assim como se estivesse morta e sepultada, deixe-se pisar e converter em abjeção e opróbrio de todos". "Alegra-me saber que seu novo diretor a trata com aspereza. Oh, que bom amigo de Deus ele há de ser, que quer dar os últimos retoques na estátua e embelezá-la para a galeria do céu! Por isso, não permita que queira dar-lhe nenhum consolo, mas que empregue o cinzel mais fino e cortante para polir bem a estátua." "Oh, que excelente! Aproveite, pois, tão preciosa ocasião, deixe-se mortificar, repreender, tratar com toda severidade e aspereza, e procure portar-se sempre como verdadeira serva do Senhor: sempre calada, sempre humilde e rogando a Deus que não a prive desse instrumento de dor até que não esteja terminada a obra que Ele quer fazer consigo." Nesta carta, pode-se apreciar o espírito místico de um Mestre da mística do coração e da renúncia.

Ensinança 9: Automatismo Liberador da Renúncia

A Renúncia mata o homem para que o homem viva. Os homens do mundo, ao olharem as almas que renunciam, têm duras expressões para com elas. Quantas vezes, ouvem-se expressões como estas, quando se referem às almas generosas que deixaram o mundo: "Assim é fácil ir a Deus, abandonando tudo. Mais se ganha estando no mundo, fazendo frente à vida, do que fugindo da vida. A lei da vida foi feita para ser realizada e não para ser suprimida". Todas essas são palavras do mundo. Mas as almas que renunciaram perguntam aos homens desde seu leito de morte: "E vós, o que fazeis? Acaso estais vivos?" Por isso, é bom que os Filhos, que estão mortos, vão um momento ao mundo, para ver se os homens estão vivos. O homem do mundo, esse homem que tem vida, esse espírito encarnado que se julga o dono da terra, que acredita manejar tudo, está realmente morto. Podem muito bem os Filhos, levantar os olhos ao céu e gritar: "Afortunada morte que me deste a vida, que me tiraste o que para os homens é vida e me deste a vida do Espírito, da alma, da claridade!" Os homens estão mortos, profundamente adormecidos. São autômatos que andam. Acaso é esta uma comparação ou uma metáfora? Não: é uma grande realidade. Basta misturar-se com a multidão, ir aonde há vários homens reunidos, para dar-nos conta de que isto é verdade. Se se observa as pessoas que vão pela rua, vê-se que estão tão distraídas, tão distantes de tudo que alguém poderia dar-lhes um golpe na cabeça e matá-las, sem que o percebessem. As preocupações, as paixões, qualquer movimento interior se expressa nelas. São verdadeiramente autômatos. Se alguém levanta um dedo, é como se todos houvessem sido tocados, como uma mola, e começam a reunir-se todos a seu redor. São como as formiguinhas que vão aonde a primeira formiguinha traça a linha. Os homens são autômatos porque não vivem a vida do Espírito. Não como devoção, mas como realidade: não têm autocontrole, não sabem olhar-se a si mesmos das alturas de sua personalidade superior. Pensam, segundo a mente que neles atua nesse momento, a instintiva, a racional, a emocional e assim sucessivamente. Não vivem em sua totalidade. Sempre há determinadas vibrações dos compostos da alma que atuam neles. Pode-se dizer que o homem nasce e morre morto. Que muito poucas vezes tem a verdadeira posse da vida, do que ele é. Em uma palavra: o que é que dá vida ao homem? Seus instintos, suas paixões, os choques, as reações, as ações. É como se fosse uma pessoa semicega que há que ofuscar para produzir uma reação. Quando uma pessoa diz uma frase, uma palavra, adquire um conhecimento, todo mundo o repete. Não há expressão do pensamento individual. Os pensamentos são genéricos e coletivos. É um pensamento que vai se repetindo sucessivamente. Anteriormente - ainda que o homem sempre tenha sido escravo de suas várias mentes - havia um momento em que existia um vislumbre da mente intelectual. Mas agora, por que irá pensar se há alguém que pensa por ele? É fácil memorizar e repetir, fazer a análise, adquirir o conhecimento e expô-lo, segundo o que outro deixou. Em suma: vive-se verdadeiramente no mundo do nome e da forma, que é o único que impressiona o homem. As sensações não podem mais que determinar as coisas: os nomes. E estas coisas não se distinguem a não ser pelo tamanho e aparência: forma. Essa é a vida do homem. O homem estabelece a diferença através do nome e da forma, e diz: isto é uma mesa, etc. Porém, esta separação tão ilusória e, ao mesmo tempo, necessária e ideal para classificar as coisas, não faz com que ele pense: se tirar o vidro do relógio, depois os ponteiros, desmontar a máquina, onde estará o relógio? Não tenho mais que peças. Se pegar estas peças e fundi-las, não fica senão um elemento. E, se depois esse elemento tornar a ser fundido, não restará mais que uma única substância. Mas, para ele, o relógio é o alarme e não sabe ter a idéia fundamental de que todos esses elementos são constituídos por um elemento absoluto. Esta separação de crer que se é tal ou qual coisa, faz com que nasça o grande egoísmo do mundo. Os homens vivem ali, agarrados a uma corda, sem perceber que há uma potência que está jogando à direita e à esquerda dessa corda e, quando a corda se rompe, o homem cai no abismo de sua própria miséria. Crê que há algo que pode sustentar sua personalidade e esse algo é o seu, seu egoísmo. Isto é tão falso e ilusório que é a causa do mal do mundo. Os homens não vivem: vivem a ilusão, possuem o egoísmo. Crêem que são um ser separado da humanidade e, como não é assim, sempre voltam as guerras e as destruições. Por que se repetem continuamente as guerras? Por que haverá amanhã outra guerra, ainda maior? Porque o homem só pensa em defender o que é seu. Crê estar seguro se foge para onde não há guerra e se salva. Mas esse pensamento é tão ilusório que é como se houvesse aberto uma brecha nele mesmo, porque, em realidade, o homem é um conjunto e tudo quanto padecem os demais, repercute nele. E, se há guerra, ele tem que participar. Se pensa que não participa, é o ser mais tolo que existe. Seu egoísmo faz com que acredite estar a salvo. Ainda que se ocultasse dentro da terra, há uma força e uma corrente que o une com todos os demais seres do mundo, com todas as coisas criadas. Esta é a única verdade, que os homens não querem reconhecer. Vivem atuando segundo a mente que se expressa neles. Pensam com a medula, vivem medularmente, conforme os incentivos de uma parte instintiva do corpo, mas não vivem em realidade. É necessário morrer para viver. Dar-se conta de que não se é um eu como personalidade, mas um eu como uma individualidade que se expande e se une com todo o Universo. Afortunada morte a da Renúncia que dá a vida, a verdadeira vida, a única, a vida do Universo e da expansão. Os homens qualificam de covardes as almas que renunciaram. Dizem: "São pessoas inúteis para a sociedade, temem a vida, têm medo de cair em tentação, de não serem fortes para resistir às misérias do mundo. Além disso, o que faz essa gente? Não fazem nada. São parasitas, absolutamente inúteis". Poder-se-ia perguntar, por outro lado, a esta sociedade que considera inúteis as almas consagradas, o que ela faz, qual a grande obra que realiza. Acaso as grandes obras do mundo, as da ciência - porque é a ciência a que traz os adiantamentos e as transformações - são feitas pelos homens do mundo? Se se observa um pouco, vê-se que não há um único ser que escape a esta lei, vivendo no mundo. Os grandes seres que fazem algo fogem do mundo, são inimigos da sociedade, misantropos. Einstein, por exemplo, como modelo deles, era um verdadeiro Ordenado, um homem que não tinha o mínimo sentido do que era sociedade. Um homem que, quando se tornou famoso e teve que ir a uma recepção, esqueceu-se de trajar a rigor e compareceu de pijama. Quando criança, todos o julgavam um bobo porque fugia dos demais meninos. Por que é tolo para o mundo um homem sábio? A vida desse homem é uma maravilha: seu casamento é o de um Ordenado. Na primeira vez, casa-se com uma companheira de trabalho porque o ajuda e assiste. Na segunda, é porque ela o cuida em sua enfermidade. Não há nada de mundano nesse homem. Mas, os que vivem no vale são pobres parasitas que dizem: eu faço isto ou aquilo, e não fazem mais do que viver do que os outros lhes deram com seu sacrifício. Todas as pessoas que se distinguem um pouco no mundo não são pessoas sociais: fogem do mundo, têm horror ao mundo. Quais são os grandes homens hoje em dia? Os artistas de cinema, os jogadores de futebol e os campeões de boxe. Esses são os grandes homens que a sociedade produz. Os homens do mundo não produzem, porque aquele que não está vivo, verdadeiramente, que não pode elevar-se acima de suas mentes e tê-las em suas mãos, não pode fazer nada para a humanidade. Além disso, a história demonstra que todos os grandes adiantamentos saíram dos conventos, dos claustros, dos retiros, dos ashrams da Índia, dos mosteiros do Tibete. Ainda o maior dos homens que tivemos nos últimos tempos, Gandhi, não era mais que um Ordenado: logo que terminava uma conferência pública, corria a refugiar-se em seu mosteiro familiar, em sua comunidade. É bom fazer uma comparação entre o que o mundo faz e o que faz, em realidade, a alma Ordenada. É muito importante saber que, ao haver fugido do mundo, renunciado, morrido, não se perdeu absolutamente nada do que se julgou perder. Deixou-se tudo: posição, família, sociedade, tudo o que o homem chama felicidade de expansão de vida, vida de família, os bens que o mundo poderia proporcionar. Mas, acaso, algo foi perdido? A personalidade? Parece que a vida do Filho é escravidão. Quantas pessoas dizem: "É uma vida de obediência, não se casam, não podem ir a lugar algum, não fazem nada mais que atrofiar sua vontade. São vontades dirigidas". Mas, estes homens que dizem isto são aqueles que não podem viver sem fumar, sem beber, sem o vício secreto. São vítimas dos jogos de corridas de cavalos, dos azares, de tudo. Eles são livres: "livres de pés". O importante é saber que, no dia em que se deixou tudo, mente, coração, vontade e que, de verdade, acreditava-se ter abandonado tudo, encontrou-se tudo porque se transmutou a personalidade, e o egoísmo se transformou em egoência. O homem é um conjunto, um composto; não é perfeitamente simples, puro. Se fosse a perfeita simplicidade, a pureza, a perfeição, não poderia ter carma, estaria unido com Deus. O homem é um composto. Através do desenvolvimento das idéias, desde que Deus criou todas as coisas, o ser humano foi adquirindo experiência, mas esta experiência, estas dores, trouxeram-lhe cada vez mais complicações. O homem pensa de muitos modos porque muda continuamente: quando tem fome pensa com o estômago; quando está cheio de orgulho e vaidade, pensa com sua garganta; quando é movido pelo amor e os sentimentos, pensa com a mente cerebral. Porém, estes são compostos. O homem não pensa com a mente única, divina, a que maneja tudo. Nenhum médico pode dizer o que é a glândula pineal. Mas, ali está a base da pureza da mente. Na parte mais secreta do coração está a mente emocional mais pura. Essa mente cerebral e a mente emocional respondem à mente verdadeira, diretriz, formada por átomos tão sutis que o homem ainda não conhece. Essa é a mente que tudo dirige, que está na arena da potência cósmica, que dá um pouco de luz. O homem, para ser tal, há de pensar com ela, subir até ali, sair fora de si e pensar: "Por que não faço a prova de sair fora de mim e olhar-me um pouco, ver o que penso agora e o que respondo a isto? Por que agora tenho estas mudanças repentinas, mudança de idéia, de emoção? Por que, por exemplo, o apetite e o cansaço têm um poder tão grande sobre mim que me fazem esquecer tudo?" Isto é egoência. O ser que morre para o mundo tem a vida verdadeira: a renúncia à vontade tola, pessoal, viciosa, faz com que o homem adquira pouco a pouco esse poder de pensar e que se veja com a mente diretriz. Também o Filho aspira a essa vida do Espírito porque ainda atua como autômato. Porém, seu esforço continuado - este é um dom da vida de Renúncia - obriga-o a despertar, a sair fora de si mesmo, a razoar e a pensar com essa formosa mente. É bom fazer a prova durante o dia e observar-se a si mesmo. Dizer: "o que estou pensando agora? Que mente é a que atua neste momento: a do estômago, a dos pés? Como é que tenho que fazer o que ela me diz e não a conheço? Chama-me, danço a seu compasso e não a conheço?" Isso é egoência: conhecer-se, olhar-se, controlar-se continuamente. Assim o ser adquire outro eu. Lendo irmã Elisabete da Trindade, pode-se pensar: "Esta bendita religiosa é uma grande santa, mas continuamente fala de sua vida espiritual, do que ela faz frente a Deus. Nunca nomeia a humanidade. Se fala de uma pessoa, é através do afeto que lhe tem. Tudo desaparece, é como se sua vida estivesse reduzida a ela mesma." Mas, não é assim. Nessa consideração de si mesma, ela se eleva até o eu superior. O ser mata o eu, mas não adquire o domínio, a não ser através de seu Eu Verdadeiro. Por exemplo: o homem está rodeado pelo ar. Ele toma ar com os pulmões, mas não sabe como se transmuta. Se conhecesse o ponto em que o ar se transforma em seu ar - o ponto álgido - saberia o segredo da respiração. É o momento em que a alma reconhece a eternidade. Não é possível lançar-se à eternidade como quem se lança no vazio, como crêem alguns que praticam o budismo, porque então seria uma aniquilação. O ser sobe até seu Eu Superior, mas sua personalidade divina sempre se reconhece em sua verdade. É necessário que o homem mate seu eu e que se fixe em sua Consciência Superior. Não é necessário concentrar a vontade sobre um espaço infinito: isso é perder-se. Há que concentrar-se nesse ponto divino, no Espírito, na egoência e, ali, firmar o pé para olhar a própria natureza e o Universo. Ali está esse dom divino de autocontrole. O horário, a obediência, os votos, a observância, ajudam a controlar a mente para sair das mentes inferiores e viver nesse ponto egocêntrico. Para adquirir o hábito de permanecer ali e não perder-se nas diferentes mentes, é bom fotografar-se a si mesmo, algo que o homem nunca faz. Por exemplo: ao fazer um trabalho, imaginamo-lo de um determinado modo, mas não é essa a imagem real. Se nos olharmos no espelho da água, veremos que não somos como nos havíamos imaginado. Ainda quando se tira uma foto, nota-se que somos diferentes de como acreditávamos ser. Quando é fácil perder a autoconsciência, quando não se está nos próprios afazeres, quando se está comendo, é bom dizer para si mesmo: "Agora, vou tirar uma fotografia mental de mim mesmo para ver que papel faço". Este é um exercício muito útil e interessante. Tem-se uma tentação, tira-se a auto-fotografia e se a arquiva no subconsciente. Não há que fazer a fotografia ideal nem querer ver-se lindo e sim tirar os pontos feios: essa é a fotografia que se deve arquivar. Essa é a que os homens do mundo vêem. O que se diz das fotos dos demais, pode-se dizer de si mesmo. É bom olhar-se no espelho do guarda-roupa para ver como se é na realidade. E, quando as mentes querem fazer a ilusão do que não se é, dizer: "Já te conheço" e voltar ao trono real. Para isso, morreu-se para o mundo, para estar ali e dali controlar tudo. "Senta-te no trono, ó rainha, à direita do Rei, para que vejas todos os vestidos de variadas cores que te foram dados como presentes de boda". Os vestidos de variadas cores são as mentes. O trono é o ponto em que o Rei colocou o Espírito. A alma está destinada à liberação, a sair do tremendo emaranhado das mentes. Dizem que a Raça futura há de adquirir a egoência, esse conceito único da existência do ser. Os homens crêem fazer algo e não fazem nada. Existem, mas não respondem mais que ao impulso do carma coletivo. A Raça Ária é a dos pares de opostos que são os que a lançam de um ponto a outro. Porém, tem-se esperança de que a nova Raça que se iniciou traga aos seres a luz da verdade. A morte mística leva à verdadeira vida que não começa nem termina, que não tem morte nem nascimento. Espera-se que esta nova Raça seja assim. No entanto, se os seres não renunciarem, como poderão despertar à verdadeira vida? Há, atualmente, um tratamento para as enfermidades mentais que responde às nossas ensinanças: o choque elétrico. Às pessoas que perderam a luz da razão, o choque elétrico - ou seja, um formidável golpe astral - torna a trazê-las ao sentido normal das coisas da vida. Seria como o choque que se deve aplicar a todos os seres, para que despertem à vida. Aos que não renunciaram, é com choques, com golpes, que se os desperta. Todos os seres do mundo necessitam de vários choques. Isto não é castigo de Deus ou que Deus seja cruel. Não é mais que o fruto da miséria, do carma. É necessário que as forças cósmicas atuem sobre a humanidade a golpes, para que esta abra os olhos. Já teve início a nova Raça, mas a humanidade vive na obscuridade das mentes. Como despertará agora? Será por um conhecimento divino ou pela graça do Maitreya ou pela guerra que arrasará toda a Terra? Essa é a pergunta que o Filho se faz todos os dias e que atormenta a alma dos mestres espirituais que vivem sobre a Terra. Golpeia o coração das almas que têm que educar a humanidade: qual será o golpe que espera os homens adormecidos e cegos? O que se pode fazer para atenuar esse tremendo e espantoso golpe? Uma guerra futura será fulminante. Em poucos meses tudo será destruído, ou pela guerra ou pelo desespero coletivo e a psicose. É possível fazer algo para atenuá-la? Se bem que a Divina Providência não permita que se entre no véu que cobre Maitreya, sabe-se, todavia, que quanto mais almas haja que cumpram a Renúncia, que vivam a vida do Espírito, mais se poderá ajudar a salvação do mundo. Que esperam, portanto, as almas, para fazer de seus votos uma verdade contundente que se transforme em verdadeiros golpes que despertem os homens? Por que não se oferendam? Não têm ainda a suficiente força espiritual para que muitas almas entrem nos mosteiros, afastem-se do mundo, ingressem na religião que seja, que se ofereçam a Deus, que venham a ordenar-se, que muitos Filhos despertem para a luz e perseverem no caminho da Renúncia? Porque, hoje em dia, não há nada que detenha a destruição. O material preparado é tão grande que, se se soubesse, morrer-se-ia de temor. Os demônios têm tudo preparado. Eles são os anticristos e, não há mais que um grupo de almas que possa deter a destruição. Por isso, o que pode fazer o Filho, senão viver puramente em sua mente espiritual e, desde ali, ser como a alma que ergue as mãos ao céu para que venham outras almas e se ofereçam com ela para a salvação do mundo? A alma consagrada tem a vida do Espírito, que não nasce nem morre. Se Deus quiser levar suas vidas, o que importa? Contanto que se salve a humanidade, que os seres não sofram tanto com as suas misérias. E ainda, no sentido dos homens, quem não tem um filho, um pai, um amigo! Não se pode permanecer indiferente. Ainda por um sentido egoísta, terão os seres que reconhecer esta verdade.


Ensinança 10: Os Bens da Renúncia

Diz o Evangelho: "Aquele que deixar casa, irmãos, pais, esposa, filhos, terras, por amor a Mim, receberá o cêntuplo e herdará a vida eterna". Disse Jesus a seus discípulos: "Aquele que ama sua vida, perdê-la-á, e aquele que aborrece sua vida neste mundo, ganhá-la-á para a vida eterna". Eis aqui, em poucas palavras, resumida toda a Mística do Coração, da Renúncia. Renunciar, deixar tudo, abandonar o mundo, os afetos, a personalidade, o egoísmo e morrer, para seguir a senda de Deus, é perder tudo em realidade. Mas, por uma lei divina de sucessão, tudo o que se tenha deixado, não só dará à alma aquele divino estado de liberação interior, mas também a fará apta para a missão que há de cumprir no mundo. Suas mãos estarão cheias de tesouros para dar, "centuplum accipietis es vitam æternam possideveris". O Filho, ao abandonar o mundo e deixar tudo, depositou tudo nas mãos de Deus e isso é como um banco divino que dá juros inimagináveis, não para ele, mas para a humanidade. Pediram um dia ao imperador Otto a graça da vida para um de seus nobres cavalheiros que cometera um grande crime, mas ele disse: "Essa é uma falta muito grave e o imperador não pode perdoá-lo; seria debilidade". Casualmente, isto se passava perto da ermida de São Romualdo e os cavalheiros amigos foram ver o santo e pedir-lhe pela vida desse desgraçado cavalheiro. Romualdo assim o pediu ao imperador e este deu liberdade ao cavalheiro. Perguntaram-lhe então, como ouvira a voz desse santo homem, e ele disse: "Ele pode fazê-lo, eu não. Ele tem a palavra de Deus, tem em suas mãos as leis de Deus. É muito maior que eu e, se pede, é porque é necessário perdoar, salvar e deixar este homem viver". É sempre assim. Os homens de Deus podem tudo se são verdadeiramente homens de Deus. Mortos para o mundo, têm uma riqueza que não é deste mundo. É notável o que disse a poetisa hindu, Naidu, discípula de Gandhi: "Nosso paizinho deixou tudo e é absolutamente pobre. Mas, quantas riquezas materiais tem em suas mãos para repartir! Ninguém pode imaginar todo o dinheiro que passa por essas mãos para manter suas obras. Custa muito dinheiro manter nosso paizinho". Em realidade, as obras de Deus estão verdadeiramente estabelecidas em um trono real de onde dispõem dos tesouros do céu e também dos da Terra. Não somente "centuplum accipietis" mas também "vitam æternam possideveris". É sempre uma graça dada unicamente aos que se dedicam à Renúncia: poder fazer coisas extraordinárias que os demais homens do mundo não podem fazer. E os Filhos, que são como formiguinhas em uma obra recém-instituída, os últimos chegados ao serviço de Deus e da humanidade, quando iam começar sua obra ouviram dizer: "Isso é loucura. De onde tirarão tanto dinheiro para realizar esses projetos?" Mas, a Divina Providência sempre dá as rendas necessárias para as obras da Renúncia. Os homens têm que fazer seus cálculos: comida, vestuário, tanto para isto ou para aquilo. Mas, não os Filhos de Deus, porque vivem em Suas Mãos. Quando necessitam, vão e batem à porta do Banco da Eternidade: a Mãe tem sempre algo sob o manto para dar a Seus Filhos. Algo que eles não viram nem se deram conta de que existia. Não só provê as necessidades espirituais como também as materiais. Assim tem sido, na história de todos os tempos. Sempre as obras de Deus fizeram o impossível, o irrealizável. Há no mundo um fato místico que é digno de toda consideração e respeito: a mística israelita. Todos os povos estão destinados a nascer, brilhar e terminar. Por maior que seja um povo, completa um ciclo e depois desaparece. Mas este povo, que transmutou seu poder material em um poder de amor e veneração a Deus, não morre. Pode ser que morra agora, ao tornar a possuir uma terra. Porém, até agora, não terminou. Em que consiste a mística desse povo, não do povo em geral, mas de seus mais altos expoentes? Transmutam sua terra em uma terra prometida. A Bíblia ensina que eles não têm terra. Enraizam-se sobre uma terra ideal. Não a do homem, mas a de Deus. Moisés os levou durante quarenta anos, errando pelos desertos e pelos bosques, buscando onde fixar-se. Formaram uma lei, sem possuir uma terra. Quarenta anos se apoiando somente em uma promessa do céu. Desde então, começam a desenvolver sua mística de desprendimento. Vemo-los perseguidos até em seu cativeiro na Babilônia. É a mística do povo sem terra, terá que se apoiar na fé, na promessa de Deus, no que Deus queira dar-lhe amanhã. É a mística do renunciamento, da dor, do Eterno. "Lá, nas margens de Babilônia, sentamo-nos para chorar, recordando nossa terra perdida. E, se não chorei, se não fiz luto, que minha língua fique presa a meu paladar, que se destroce meu cérebro contra uma pedra; seja eu maldito para sempre". É a mística da dor, do desespero. Não terá templo, nem pátria. Mas, através de séculos, esse templo perdido lhe trará uma mística maior: a do renunciamento e da dor. Qual era o único desejo, a aspiração destes eternos andarilhos do mundo, senão voltar para morrer em sua terra? A sua mística é a do luto, da dor de serem sempre perseguidos em toda parte, de não possuírem uma terra, de irem caminhando de um lado para outro. Esta mística de desprendimento, ainda no sentido material, traz uma força que não é deste mundo. Através dos tempos, estas pessoas adquirem um estado magnético, econômico. A economia cai em suas mãos. Parece mentira, mas é assim. O dinheiro se movia em suas mãos porque só eles sabiam manejá-lo, porque sabiam como era estar no mundo sem ter uma terra onde fixar-se, onde dizer: esta é a minha casa, minha pátria, o lugar que Deus me destinou na terra. Há como que uma recompensa astral que surge para aqueles que não possuem nada. Certamente, isto não é mais que uma comparação. Mas a realidade é que a mística transmuta o desprendimento em uma posse que, neste caso, é agora um dos grandes perigos do mundo e pode ser um fator de destruição ou de salvação. Aquele que não tem e confia em Deus, aquele que perdeu tudo, que se resigna e transmuta essa dor e essa perda em uma oferenda superior, em uma missão celestial sempre adquire um poder e uma força que os outros seres do mundo não têm. Outro fator econômico, que hoje é um perigo no mundo, é o eclesiástico. As instituições desses homens que renunciaram são as mais ricas do mundo. Como é possível que todas as riquezas estejam nas mãos dos homens que renunciaram a tudo? Centuplum accipietis. Aquele que se basta a si mesmo pode dormir em qualquer lugar. Sempre lhe basta a mesma roupa para vestir-se. Ele adquire uma potência que não é somente espiritual, mas também material. Ainda que tenham sido destruídos todos os seus bens e o lugar onde vivem, ninguém pode ter a força daqueles que a tudo renunciaram e tudo deixaram: seres que não olham o que hão de comer, que sabem bastar-se a si mesmos em todas as suas necessidades, que sabem fazer desde os trabalhos mais pesados até os mais delicados, ser operários, se necessário. As almas consagradas sempre terão de sobra para viver. Unidas são invencíveis e o pão nunca lhes há de faltar. Ainda que se encontrem em um deserto, sempre haverá uma que guiará as outras. E, se alguma não puder caminhar, haverá outra que terá forças para levá-la. E essa irmã, sustentada por esse trono, verá ao redor e dirigi-las-á e as ensinará. E a que sofre com o calor será protegida pelas que não o sentem. Para que querem estas almas os bens do mundo? Elas não os querem e, no entanto, estes vêm da mesma forma, como a água, para estas almas. O que acontece com as instituições que acumulam as riquezas, com os trustes judeus, com as instituições eclesiásticas católicas que juntam tanto poder? Esse mesmo poder as esmaga. A única força do Filho é ter esse cêntuplo, mas para dá-lo e não para fazer-se rico. Ele poderia ser rico muito facilmente. Não há ninguém no mundo que tenha seu poder de renúncia para juntar bens materiais. Mas isto serviria para esmagá-lo depois. Uma vez que tem casa, para que juntar mais? É preciso repartir. Hoje, não se pode fazer a mesma caridade de ontem, quando se tinha a metade dos recursos materiais: há que dar o dobro, dar continuamente. Porque, pobre dos Filhos se juntarem riquezas que, depois, seus braços e seus ombros não poderão sustentar! Este é o único modo de enriquecer com riqueza santa e boa: deixar tudo. Assim, pode-se dar aos demais e nunca faltará nada para fazer a obra, nunca. Essas grandes instituições, quanto bem poderiam fazer! Que não acumulem o que têm que repartir entre os pobres seres do mundo! A Renúncia dá a liberdade, a verdadeira liberdade do Espírito. Mas não somente isso, pois esse seria o egoísmo espiritual, o maior dos egoísmos. Esse bem que se recebeu, espiritual, mental e materialmente só tem valor quando é repartido entre todos os homens. Isto não é somente na ordem material: o Filho sabe muito mais que os homens por seu tipo de vida. Tem possibilidades infinitamente maiores e seu caudal de conhecimentos é muito grande. O poder dos Filhos é muito grande. Mas... a Renúncia é para a humanidade!


Ensinança 11: O Valor Único da Renúncia

A Renúncia, ao rejeitar os valores estabelecidos, é criadora de novos valores. Se a alma abandona o mundo completa e totalmente, se morre para o mundo, é porque no mundo não encontrou a solução para o seu problema íntimo frente à humanidade, ao Universo. É porque a moral dos homens não pode satisfazer sua alma, sua vida interior. Renunciando então, este ser faz um ato de fé, de protesto contra todos os valores estabelecidos. E, com esse ato heróico de abandono do mundo e de renúncia, faz-se credor de novos valores. A Renúncia é, sobretudo, a Verdade. Mas, esta Verdade que se pode vislumbrar com o ato heróico de abandonar tudo, não tira o ser da ignorância. Porque a ignorância é o mal absoluto, é o mal de todos, é a causa de todas as mortes e de todas as dores. Somente um reto modo de viver, pensar e atuar fará com que, pouco a pouco, o homem possa vislumbrar e viver nessa Verdade que intuiu com o seu ato de renúncia, de desapego, de desprendimento. A ignorância do homem vai tão intimamente unida a ele que parece sua própria vida. Porque o homem traz consigo, como resultado de suas vidas anteriores, não somente todas as possibilidades como também todas as deficiências. O ser tem em si grandes possibilidades de conhecer a Verdade, mas não sabe utilizá-las, manejar essas forças internas. Está acostumado, por sua limitada constituição, por sua atuação anímica, a ver as coisas de um determinado modo. É um aparelho ainda não aperfeiçoado. Essa é a primeira causa da ignorância do mundo. Além disso, o homem conhece todas as coisas .imitada e parcialmente. E esta limitação e parcialidade fazem com que continuamente atue como se essa fosse a Verdade, deduzindo, portanto, uma continuidade de atos não corretos, produzidos pela ignorância. E a maior ignorância do mundo é a persistência em seus erros, em sua verdade relativa, porque acredita saber a Verdade. Mas, ao não possuí-la totalmente, não está na Verdade, não faz nada mais que refletir atos ilusórios que não são perfeitos, integrais. Unicamente a Verdade pode colocar o homem no conhecimento, ainda que momentaneamente ideal, de seu lugar no mundo, de sua dependência do Universo, de suas obras, de suas ações. Em uma palavra: ela dará ao homem o conhecimento de que é um ser integral e universal. Todas as coisas que têm em si uma limitação, uma especialidade, uma dependência, não encerram a Verdade, a não ser parcialmente. E a verdade parcial é sempre ignorância. Mas a Renúncia não dá somente este bem da Verdade, dá também a predisposição da alma para receber a Ensinança. O homem a recebe continuamente - a Ensinança é como o devenir que flui continuamente. Mas, ao viver dentro da limitação, a Ensinança chega a ele completamente obscurecida, desfigurada. Que saia o homem fora de si mesmo e olhe a imensidade do Universo - a única fonte de todo criado é o devenir - e terá, em seguida, um ponto de vista diferente. Que rompa os laços de seu egoísmo, em julgar-se como o único objeto da existência e logo mudará o panorama do conhecimento. Isso é fundamental e não pode ser alcançado a não ser com a Renúncia, detendo-se um momento na pendente que leva ao abismo e dizendo: "Não, meu caminho é outro". Basta esse instante, esse momento, esse ponto morto, para se ter um conceito do que se é e ver as possibilidades para o futuro. É preciso abrir a janela da alma. Isto, que é primordial, torna o ser apto a receber a Ensinança. Tem assim uma disposição de que só o desapego, a indiferença, o abandono das coisas próprias e pessoais o colocam em contato com a Ensinança, com a Verdade. Então, a Ensinança penetra na mente, instrui o coração. Em um só instante, muda todo o modo de viver, de ser. Mas, esta eterna e divina Ensinança, que flui para todos os homens de boa vontade que queiram recebê-la, é dada aos Filhos de Cafh para que só eles a compreendam e possuam. Quer dizer que não somente a Ensinança é dada ao Filho: ele tem uma disposição característica para recebê-la. Não para receber uma ensinança falsa, filtrada através do apego e da ignorância, mas para receber a Ensinança que chega às almas de boa vontade. Um dos grandes dons da Renúncia é a possibilidade de receber a Ensinança integral. Às vezes, fica obscuro dizer que os Patrocinados, os Solitários, recebem um tanto e que os Ordenados recebem a Ensinança integral. Isto é uma alegoria da verdade, porque o homem que não renunciou, que não se pôs nessa disposição ampla, livre, desapegado de tudo, não pode receber a Ensinança. Recebe-a, porém, chega a ele filtrada. Isso também pode acontecer com os Filhos: têm a possibilidade de recebê-la, mas depende deles, de sua disposição sentimental, anímica, de se abrirem completamente. Não se pode receber a Ensinança, se continuamente se mantém fechada uma parte de si mesmo. É necessário haver renunciado completamente a tudo. Então, a Ensinança é integral. Esse é o significado da Ensinança. Esta disposição, completamente contrária à disposição do homem do mundo, faz com que a Ensinança Divina de todas as épocas, de todos os grandes Mestres e Ensinantes, chegue ao Filho. É a Voz dos Mestres, do além. Esta Ensinança Divina, sublime, que deve abrir a mente do Filho para que todo conhecimento chegue a ele, é sua herança, seu bem, sua posse. Chegará a ele integralmente, sem véus, sem que ninguém a oculte, conforme tenha tirado os véus de seu interior, as aderências presas à sua alma, para ser como uma tábua rasa, uma alma completamente simples, sem compostos. Esta Divina Ensinança também foi dada a Cafh como uma herança. Quando se fala das ensinanças deixadas pelos Santos Mestres, os Filhos fazem uma idéia de que são papéis escritos. A Ensinança dos Mestres foi dada: chegou desde a distância dos tempos. Os Mestres sempre deram a Ensinança àqueles que quiseram recebê-la. Alguns fragmentos se encontram nos textos sagrados que os homens transformaram em ídolos. Nos livros dos Vedas, dos Upanishads, na Bíblia, estão escritas as verdadeiras ensinanças dos Mestres e os Filhos de Cafh, conseqüentemente, também recolheram esta herança. Portanto, a base principal das ensinanças é o conjunto das ensinanças universais que foram dadas a todos os homens de boa vontade. Não quer dizer que estas ensinanças tenham que ser recebidas de pés juntos. Elas não são nada mais que verdades que se transformaram em palavras para que o homem as tome e sobre elas medite, para que volte a por-se na presença de Deus, para encontrar o verdadeiro significado que elas representam. As que Cafh tem em seus textos, como o têm todas as religiões e filosofias, não são dogmas: são o que ensinaram os grandes seres. O Filho tem que considerá-las e fazê-las suas. Em suma: é a Ensinança Universal, primeira, verdadeira. Estas ensinanças constituem também um capital para Cafh, uma herança, porque se tem visto que há nos Filhos uma tendência a não saber distinguir as ensinanças. O mal é este: há muitas ensinanças que são comparativas, ensinanças que se encontram nas grandes religiões, e se crê que essas são ensinanças unicamente de Cafh. Mas, não é assim: têm-nas todos os homens. Uma filosofia o diz de um modo e uma religião o diz de outro, de acordo com o matiz com que o vejam os homens. Cafh as explica com seu modo característico, segundo o escreveram os Mestres de Cafh. Mas, além desta Ensinança Universal, Cafh tem sua ensinança individual que os Mestres deram exclusivamente para os Filhos, ou seja, outra coisa à parte da Ensinança Universal. Muitos Filhos misturam as ensinanças que estão escritas e confundem-nas com livros que leram, fazem uma mistura quando explicam a Ensinança. Dizem: "A Ensinança diz assim, mas eu li em tal livro..." e fazem uma grande confusão de idéias. É necessário que os Filhos de Cafh conheçam as grandes ensinanças, mas é bom que depois façam suas definições sobre elas. Se submetidos a um exame, ver-se-á que muito se equivocam, misturam tudo. Por isso, seria bom que o Filho dissesse: "Tenho que fazer para mim umas definições gerais de ensinanças universais, tê-las bem presentes e não mudá-las". Todas as ensinanças têm seu fundo de verdade, como as religiões e filosofias. E o homem depois faz uma mistura de tudo isso e todas essas coisas se tornam particulares. As religiões são todas particulares porque cada uma diz: "Eu sou possuidora da verdade", e a Ensinança, a Verdade, é uma só. Portanto, nenhuma delas é universal. Não há religião universal conhecida por todos os homens. Se fossem universais teriam toda a Ensinança em suas mãos, saberiam conhecê-la toda e dá-la às raças, segundo seu adiantamento e possibilidades. A Ensinança de Cafh, por conseguinte, à parte da Ensinança Universal, é aquela que Cafh dá detalhadamente para o Filho. É a verdade que faz falta para ele. Sempre ocorre isto: um grupo de homens recebe a Ensinança que é para eles e depois quer impô-la a todos. Não. Essa verdade pode não ser útil, posta em contato com os demais seres do mundo. As ensinanças não estão classificadas e não é dito ao Filho: "Esta é uma Ensinança Universal e esta outra é uma ensinança direta para os Filhos de Cafh. Por isso, misturam as idéias. Não distinguem quando é para todos e quando é para eles. Este último ponto é fundamental e sobre o mesmo têm que apoiar-se para conhecer depois as verdades universais. A Ensinança de Cafh, o Filho não a saberá da Blavatsky, de Shopenhauer e dos materialistas, mas unicamente através da Ensinança de Cafh, porque os Mestres crêem que a capacidade e possibilidade dos Filhos é essa. E não há outra. Esta é dada continuamente aos Filhos. O Divino Zelador é um Mestre de Cafh cuja missão, há trinta anos, é dar a Ensinança aos Filhos da América. Esta Ensinança está condensada em algumas das Ensinanças de Cafh: as verdades místicas necessárias para o desenvolvimento dos Filhos de Cafh, desde que entram na senda, até chegarem à realização. Não só estão estabelecidas nos apontamentos de ensinança, mas em todos os Filhos de Cafh. Os Filhos as têm recebido continuamente através dos Superiores, Oradores, Ensinantes. Estão particularmente nos Filhos porque, embora a Ensinança seja dada para o grupo, essencialmente está destinada à alma. Cada Filho, portanto, há de adaptá-la às suas condições. As Verdades Universais têm que estar adaptadas a cada alma. Do contrário, não são a Verdade, são a de um terceiro. Daí se depreende o significado extraordinário de Cafh que não se dirige a um conjunto, mas individualmente a cada alma. Se os Filhos fizessem um trabalho coletivo, estariam fora de seu sentido, porque Cafh reconhece que a única verdade e dogma é ir diretamente à alma, e dar-lhe a verdade que necessita, a que está feita para ela. Que desgraçado é o ser que olha o outro para ver o que faz, como se comporta, quando tudo foi dado unicamente para ele. Não há outro Filho de Cafh sobre a Terra que o Filho. Ele tem a responsabilidade de toda Cafh. Cada um é assim: sua responsabilidade como Superior é única, todos os Filhos dependem dele. Ele é o último que ingressou na Ordenação, o enxerto novo. Toda Cafh repousa nele, tudo está dentro de sua alma, ele há de ser o responsável, a vítima. Ele chegou à metade do caminho, é a alma. A Ensinança foi dada a ele. A responsabilidade é toda sua. Cafh é obra de almas. Ainda que todo o mundo desaparecesse e só um ficasse de pé, todos estariam ali presentes, ninguém ali estaria morto, todos estariam nesse Filho: toda a responsabilidade de Cafh, da Obra no mundo, estaria resumida nele, sobre suas costas. Isto não pode ser esquecido. O trabalho de ensinança do Filho é instruir individualmente, um por um. Por isso, dizem bem os Superiores: "Onde se aprende, onde se salva as almas não é na hora da Ensinança e sim na Direção Espiritual. Ali se faz o verdadeiro trabalho de comunicação entre a Ensinança dos Mestres e a alma". Porém, esta ensinança ainda existe nos apontamentos, no conjunto harmonioso de certas ensinanças universais e nas dadas aos Filhos de Cafh. As ensinanças que deveriam ser dadas aos Filhos de Cafh já o foram. O ciclo de ensinanças já se completou. Porém, há ainda uma ensinança mais sutil, mais íntima: a ensinança que cada um dá depois de havê-la recebido dos Mestres. Há a Ensinança Universal dada para os Filhos de Cafh e a ensinança do Filho, sua ensinança própria, a que surgiu de sua alma em contato com a Ensinança, a que foi revelada pelos Mestres a ele mesmo. Essa Ensinança também é preciso transmiti-la. Cada Filho de Cafh é fonte de verdade, de ensinança. Assim, pode-se dizer que se tem: 1°, uma Ensinança Universal; 2°, uma Ensinança que foi dada aos Filhos pelos Santos Mestres e que eles conservam; e 3°, a Ensinança que dão os Superiores e Ensinantes. Esta última é dada oralmente - depende da vontade de cada um dos Filhos, dar esta Ensinança - porém, essa é a Ensinança, essa é a única verdade que se possui porque não se afirma sobre um dogma, mas sobre a Verdade de todos os tempos e os Filhos a tiveram aqui por seu Irmão e Protetor: o Zelador. Depois, há a ensinança que dão as almas que já realizaram a Divina Mãe, as que já percorreram seu caminho espiritual de Renúncia. A ensinança espiritual que o Ensinante recebeu foi de caráter universal e esta ensinança é unicamente aquela que estava definida por uma determinada escola. Poder-se-ia chamar escola eclética, aquela que não é deísta, mas admite um princípio fundamental do Universo. Não é absolutista porque o absolutismo leva ao nada ou ao materialismo. Se, por exemplo, diz-se que o Universo é o único existente, tudo o mais é ilusório. Pois bem: se tudo é inexistente - um absoluto Absoluto - e se o que o homem conhece não é nada mais que a ilusão, essa ilusão leva unicamente a conhecer pelos sentidos, ou seja, pela parte material. Portanto, não há um ponto ideal que as sustente, um ponto divino. Esta é uma doutrina materialista. A teoria fundamental de Cafh é a de que o Absoluto Universal não pode ser definido pelos homens. Defini-lo seria cair no mais brutal materialismo: o homem o conhece, mas não tem o direito de defini-lo. Não pode o homem ser materialista ou idealista porque reconhece o Universo como um princípio divino, absoluto, cósmico, que resume em si toda a energia do Universo: Espírito, mente, matéria. Não poderá ser nunca materialista quando ele é um ponto de energia criadora, fundamental. Poder-se-ia assim sintonizar com todas as ensinanças do mundo: espirituais, idealistas, materialistas, porque Cafh se mantém em um ponto médio de observação. Essas, as Ensinanças que lhe foram dadas. Agora, as Ensinanças relativas ao Filho foram as Ensinanças fundamentais de Cafh: as Ensinanças do Ired, do movimento cósmico, as da relação e dependência do homem com o Universo num sentido histórico, psicológico e ético. O homem é um ser, devém de um centro que é sua própria alma: o Espírito. Este constitui seu ser, dele depende seu conhecimento. Este é o único no Universo. Seu livre-arbítrio está determinado em um campo magnético que está conectado com todo o Universo. Esse exterior que o determina é a realização da vida do Cosmos. É esse conhecimento histórico - unido às possibilidades psicológicas do homem - que lhe dá a chave do futuro. Mas era necessário dar a Cafh na América uma ensinança especial, adaptada ao temperamento das pessoas que a receberiam. Um Mestre Divino se ocupou de dar estas ensinanças para que fossem gravadas na mente e no coração daqueles que têm que transmiti-las. Este Mestre Divino foi o Zelador. O Zelador deu as Ensinanças de Cafh através do Fundador de Cafh. Este as deu a um grupo de almas. Se depois estas almas não as compreenderam, não importa: ele as deu. Ensinou-lhes quais as verdades adaptadas aos Filhos, as que põem o ser em contato com o Universo. Deu-lhes detalhes de seu modo de ver as ciências. Agora, falta a Ensinança dos próprios Mestres de Cafh, dos Fundadores que começaram a Obra de Cafh na América. Essas ensinanças não foram registradas. Mas, embora não tenham sido registradas, permanecem nas almas que as conheceram e ouviram. Quantas vezes os Filhos recebem uma ensinança e a compreendem de um determinado modo através de um olhar, da leitura. E, depois, estes Mestres com um olhar, fazem-nos compreender que essa ensinança tinha um significado completamente diferente, que essa era letra morta. Ensinaram-lhes a receber a Ensinança verdadeira. Essa é a missão do Mestre: não permitir que a letra morra, mas fazer com que sempre viva, que tenha um sentido individual para cada um dos seres que recebem essa ensinança e que depois terão que dá-la. É necessário que a renúncia do Filho seja total. Porque a cada dia que passa se perde uma oportunidade de receber a ensinança direta. Depois, virá o dia em que o ciclo se fechará, assim como aconteceu com a universal e também com a Ensinança de Cafh que foi dada e já encerrou seu período. A ensinança individual fechará seu ciclo e os Filhos que foram destinados a recebê-la não poderão fazê-lo se sua renúncia não for total, se a personalidade ocupa ainda muito lugar em sua alma. Tão rápido como o rio flui, assim a cascata cai rapidamente. A Ensinança é dada em cada momento, mas muitas vezes não se sabe tomar essas ensinanças porque há muita personalidade na alma, há muita obscuridade e a mente está tampada. Apressem-se os Filhos para que esta Ensinança seja vivida. Quantos tesouros Deus derrama, quantas ensinanças vêm às almas! Pode-se dizer que estes Filhos chegaram no ciclo dos Mestres de Cafh, no momento de triunfo de Cafh, quando recebem a Ensinança direta dos Mestres. Mas, que não tenham de arrepender-se amanhã porque não receberam totalmente a Ensinança, porque sua mente estava cheia das coisas do mundo, porque o Voto de Renúncia não foi feito com plenitude, em sua totalidade. Esta ensinança é muito necessária para as almas consagradas. Estes são os Filhos da segunda hora: a hora solene em que se concretizam as idéias. Mas, depois a hora passa e terão que transmitir uma ensinança verdadeira ou uma ensinança falsa, como acontece com todos os homens. Porque, se não estão desapegados de tudo, não terão a Ensinança. Cada um deles é responsável pela verdade, por Cafh, pela Ensinança que deverão transmitir. A Ensinança de Cafh é de alma para alma, de Mestre a discípulo. Que eles nunca digam: se eu me esquecer de algo, meu companheiro há de sabê-lo. A Ensinança é grande e solene, chega no trato com os Superiores, no recreio, em todo momento. Porém, o único modo de recebê-la é esvaziando a alma. Que a Renúncia seja verdadeira, que se abra a tudo. Peguem as almas uma lâmina, para cortar, de uma vez, todas as calosidades, para que sejam almas grandes, infinitas e possam cumprir a Divina Missão. Que importa serem consideradas como covardes e ignorantes pelos homens, se têm esta graça de levar-lhes a verdade única, fundamental, verdadeira! Essa é a missão da Renúncia: não voar pelos ares, mas purificar-se, arrancar tudo de dentro e poder transmitir essa Ensinança a todos os seres, tal como foi recebida.


Ensinança 12: Os Discípulos Tibetanos

Existe no Tibete uma mística extraordinária relativa à consideração da morte e à morte mística que é necessário que os Filhos conheçam. A mística da morte era, na Antiguidade, uma coisa comum e habitual. Ainda no medievo cristão, a consideração da morte e os atos que ajudavam a recordá-la tiveram um valor extraordinário. Esse costume, que foi se perdendo pouco a pouco, conservou-se no Tibete. Aqueles que no Tibete seguem a mística do cheut querem alcançar um verdadeiro estado de entrega para a salvação da humanidade. A primeira coisa que os discípulos procuram é um guru que os possa instruir, um mestre que já tenha chegado à realização desse estado de paz, além da morte. Este os toma sob sua direção, depois que aprenderam a servir o mestre durante um ou dois anos. Um seminarista, durante os meses do seminário, tem que aprender a fazer tudo aquilo que possa servir à Comunidade, o que lhe repugna e tudo o que seja mais desagradável. A primeira coisa que Gandhi deu a fazer à sua discípula inglesa Slade, foi limpar os banheiros. "Aí, disse, vai aprender mais do que tudo o que eu possa ensinar-lhe". No Tibete fazem o mesmo: preparam o fogo, lavam a roupa e, depois dessa prova, começam a receber as instruções. Os que seguem o caminho do cheut são peregrinos. Antes de serem admitidos como discípulos visitam cento e oito cemitérios e, enquanto não houverem meditado em todos eles, não podem receber a ensinança do mestre. Isso significa que têm que percorrer distâncias enormes na imensidade de montanhas e mesetas de até mil metros de altura. Meditam nos cemitérios durante a noite e levam consigo uma campainha que faz as pessoas saberem de sua presença para não serem molestados. Após esta peregrinação, o mestre lhes dá a primeira ensinança: a consideração da responsabilidade que têm frente a todos os homens, de tudo o que adquiriram. Chegou a hora de fazer algo e é necessário entregar-se. O primeiro passo é a oferenda de si mesmo. Os tibetanos tudo fazem com ritmo, movimentos, atos exteriores. Por isso, é impressionante vê-los em suas meditações. Deve haver algo de baixo psiquismo nos que não sabem entender o valor desses exercícios e não estão aptos para esse caminho. O importante - e hão de ser muito poucos os que o seguem - é o sentido interior da oferenda. Suas orações são como as que fazem os místicos, mas eles as fazem com gritos sagrados, chamando tudo o que há de mal no mundo. Isto é baixa mística. Eles não sabem que o significado é adquirir poder, não ter medo. As entidades inferiores fogem daquele que tem paz. As pessoas no mundo dizem que lhe puseram uma má influência, que lhe fizeram mal. Porém, isso chega unicamente quando se está cheio de medo, de desorientação; quando se está em paz, não há corrente má que possa chegar. A mística que eles fazem é para afugentar o medo. A oferenda diz: "Através de inumeráveis vidas, meu egoísmo fez com que eu vivesse de todo o mundo. Cometi todos os crimes e todos os pecados. Bebi o sangue de milhares e milhares de seres. Com grande desconsideração pisoteei, fiz o mal, tive todos os defeitos e vícios. Chegou a hora de saldar minhas contas". Fazem esta invocação de forma muito dramática, enquanto tocam um pequeno tambor. É uma mística muito primitiva. Unicamente buscando, muito profundamente, pode-se encontrar as grandes coisas. "Vinde, ó entidades más e daninhas! Não toqueis mais os pobres seres do mundo, não façais sofrer os homens! Vinde a mim para que eu pague minha dívida. Comei de minha carne, abri minhas entranhas, minhas veias; cortai minha cabeça para que eu seja pasto de todas as feras e animais selvagens. Eu me ofereço à morte, ao sacrifício. Eu sou a vítima da Humanidade." Repetem-no até que sentem verdadeiramente uma sensibilidade de morte. Que uma sugestão faça sentir uma dor é algo comum. Por muito divina que seja a estigmatização dos santos, sempre há algo de psicose: vêem a imagem de Cristo crucificado, até que há um choque psicossomático e têm as chagas da paixão. Os chelas chegam a sentir dores de morte, como se lhes rompessem as entranhas, como se os cortassem em pedaços. A maioria adoece. Somente os mais fortes podem passar a um estado superior. Então, recebem a segunda ensinança: já estão mortos. Aqui há uma similitude com algumas das partes místicas de Cafh. Mas, somente no exterior, porque isto não é adequado nem para os Filhos nem para a humanidade. Depois da primeira etapa vem a verdadeira morte mística, que é o que vale. A personalidade já morreu: isso de oferendar-se, assim como o fizeram, é uma renúncia. Ofereceram a vida, não ficou nada: morreram. É quando o guia lhes ensina que tudo foi uma ilusão que a fantasia produziu. Tudo o que realizaram é pura ilusão, todas as coisas do mundo são ilusão. "Tu antes meditavas sobre a morte, porém agora a conheces. Passaste por tudo e tudo era ilusão. Agora sabes o que é a morte: não é que te cortem a cabeça ou um braço, é ter a força de não desejar nada, de renunciar a tudo, abandonar-se completamente nas mãos da Divina Vontade". O processo para chegar a este nada, eles chamam de "O Banquete Vermelho". A alma não possui mais nada. A imagem que faz de si mesma é similar à de São Paulo da Cruz: tem que imaginar que é um punhado de cinzas. Nada restou. Então, o discípulo deve meditar e dizer: "Não sou nada mais que cinza. Não ficou nada. Não tenho carma, nem passado, nem futuro. Sou cinza. Vem a caravana que passa através da meseta, pisa minha cinza e ninguém se dá conta de que está ali. O vento se levanta e a dispersa por todos os lados. Levantam-se dunas de areia e não sou nada. Agora estou unido com Deus porque, do que havia de minha personalidade, nada ficou". Experimentam nessa hora, o vazio do nada. Já não é um estado psíquico. O Banquete Vermelho, possivelmente, é feito para eliminar os que não são suficientemente fortes. O tibetano crê que aquele que não está chamado à vida espiritual não tem importância. Importância têm os poucos que triunfam. Esta é uma idéia completamente errônea e diferente da verdadeira idéia da caridade universal. A terceira ensinança é o "Banquete Branco", a verdadeira realização. O Mestre chama o discípulo e torna a dar-lhe a verdadeira ensinança. Diz-lhe: "Disseste: sou nada. És um nada para ti e um todo para Deus (eles dizem: a Eternidade). Além disso, que pretensões tens de crer que podes morrer, oferecer-te e transformar-te em um nada! Ainda levas contigo uma semente de grande soberba porque crês que podes desfazer e este é um segundo jogo de tua ilusão, de tua mente. Em realidade, se crês ser um nada, estás pensando algo. A verdadeira ensinança é: Tu és como a Eternidade, estás ainda além da morte e do nada. Tu és uma expressão de Deus". E com isso, elevam o discípulo até a Divindade, dos valores humanos aos espirituais. Muito poucos chegam a isso. Então o místico, o mestre, ri do primeiro que começa, dos que visitam os cemitérios. Ri daquele que diz que é um nada: o discípulo se transforma em um guru. Em todas as místicas há similitudes: a oferenda, a morte mística, a transfiguração em Deus. Os tibetanos não o chamam Deus e sim, o Grande Veículo. Os budistas são os do pequeno veículo: o homem, liberando-se da idéia da dor, pode liberar-se. Estas místicas vão desaparecendo porque o homem chegou a certa altura espiritual em que não necessita de todas estas cerimônias exteriores e perigos psíquicos para chegar a Deus. O valor da mística de Cafh é que o Filho, pelo amor - não pelo temor, não pelo ato ou pelo esforço da mente sobre as energias do homem - chega a Deus. A mística do amor é superior a todas as místicas. A alma vai diretamente, como criança, à entrega. Não necessita passar por tantas etapas. Sua oferenda é morte, mas não a realiza depois de haver praticado muito e sim porque é apta para essa mística, por um ato puro de amor que a transforma e faz digna da oferenda, da morte mística e da realização da Divina Mãe. Quanto mais as místicas forem estudadas, tanto mais se amará a mística de Cafh. A ascese da Renúncia é o exercício ascético da entrega, da observância, do amor e, em seguida, a Divina Mãe dá como resultado um sentido, não psíquico, mas todo espiritual, interior, divino. Este sentido fará com que os Filhos valorizem muito o que lhes foi dado. A humanidade teve que percorrer seu caminho com muitos dogmas, cerimônias e ritos. Ao passo que, em Cafh, tudo foi dado espontaneamente aos Filhos, porque não pode haver nenhum perigo quando, desde o início, se tem a arma do amor. O Filho não vai à mística para pedir nada. Então, nada lhe pode acontecer: vai por amor. Todos os sistemas místicos estão resumidos no sistema de Cafh. Nele não há personalidade nem posse. Não há que chegar, depois de haver tido uma posse que depois se compreendeu ser inútil. Vai-se por amor. Recordem sempre as almas consagradas que a Divina Mãe lhes deu o maior dos tesouros: a Mística do Coração. Desde o primeiro dia, deu-lhes o véu, para que, debaixo dele, esteja a Verdade com elas. Basta que levantem o Véu para ver Seu Rosto e a Verdade. A Divina Mãe está eternamente viva nestas almas. Ajuda-as em todas as dificuldades, ampara-as continuamente porque Ela aceitou suas vidas. Vela o sono de sua morte mística, fá-las ressuscitar divinamente - através de uma simples compreensão - à vida da graça, da expansão da eternidade.

Ensinança 13: A Renúncia como Holocausto

A Renúncia, como é um permanente holocausto de vida, não só é o único bem e meio de salvação para a alma que a abraçou, mas o único meio de ajudar o mundo e redimir a humanidade. Não é absolutamente certo que a alma consagrada elude responsabilidades frente à sociedade. É necessário deixar que os detratores da verdade, os homens cegos do mundo, levantem suas vozes e atirem suas más ações sobre as almas que renunciaram ao mundo. É necessário que a alma adquira uma firmeza tal em sua determinação que não haja nada no mundo que possa fazê-la crer o contrário, porque a Verdade é a Verdade. A história do mundo e a história das almas o proclamam através de todos os tempos. Unicamente os que sabem deixar tudo para cumprir sua missão são os que fazem algo. Os demais não são mais que parasitas. Pobres almas sacudidas pelo vendaval do destino, pela tempestade dos acontecimentos, que unicamente vivem do produto das poucas almas que sabem entregar sua vida em holocausto a Deus, para a salvação da humanidade. Sempre há almas neste torvelinho do mundo - onde os homens dizem que fazer, trabalhar, ser útil, é o vício, a perdição, a desordem, o ódio. Sempre há almas heróicas que sabem dar sua vida em holocausto à humanidade. Sempre surge um herói, um santo, um mártir. Quantas vezes admiramos o exemplo desses seres que deram sua vida para salvar alguém e dizemos: ainda há quem saiba o que é a nobreza e o sacrifício. Não faz muito tempo, uma humilde professora italiana estava cuidando de seus alunos em uma colônia de férias. Quebrou-se um tubo de gás. Os meninos estavam quase perdendo os sentidos e muitos estavam caindo. Ela viu isso de uma janela, compreendeu a gravidade do perigo e que ia perder a vida se descesse para abrir as portas. Contudo, não titubeou e retirou as crianças, uma por uma. Quando a levaram ao hospital, apenas perguntou: "Estão bem as crianças?" e, como lhe dissessem: "Não pense nelas, mas em si", disse: "Não importa a minha vida e sim a das crianças". E morreu em paz. Porém, não é esta morte a de maior valor, mas a morte mística da Renúncia. Querer dar a vida em um momento de exaltação, de entusiasmo, de nobreza, é algo grande e extraordinário. Mas, morrer um pouco todos os dias, a cada instante e estar sobre uma cruz para que, diariamente, caia uma gotinha de sangue, essa é uma morte sublime. O homem, quando deu sua vontade, renunciou à sua vida, é uma alma completamente sacrificada que, ao já não dispor de nada, há de realizar todos os seus atos por amor, por uma vontade superior e não por gosto próprio. É uma morte muito grande essa de poder dizer: "Não tenho nada". Um Filho dizia certa vez que desejaria doar sua cabeça a um hospital, mas seu Diretor Espiritual lhe respondeu: "O senhor não tem liberdade para isso. Uma vez que morra, far-se-á de sua cabeça o que a Divina Mãe disponha". A Renúncia é um permanente holocausto de vida. Morrer pouco a pouco, diariamente, todas as horas, todos os instantes. E este é o único bem que se pode dar ao mundo porque as almas que renunciaram não se oferecem em um ato de amor heróico, em um momento de sublimação, de extraordinário entusiasmo. Oferecem-se todos os dias de sua vida, para sempre. Não morrer e morrer é algo muito grande e extraordinário. Isto só o compreendem as almas que fizeram holocausto de si mesmas a Deus. Por isso, Santa Teresa diz a Deus: "Morro porque não morro", porque é muito mais morte viver havendo renunciado a tudo. A alma desejaria ver-se livre das ataduras da Terra, das misérias do mundo, de todos os inconvenientes que a humanidade carrega consigo, mas não pode fazer isso. Não pode fazer nada mais que, como uma pomba, ir elevando seu canto ao céu, como Santa Teresa, pedindo a Deus que rompa os laços e as ligaduras. Aquele que realiza uma coisa não a magnifica. Por isso, as almas consagradas, como estão vivendo sua vida, não sabem o valor do desapego e da renúncia frente ao mundo. O mundo é cego. Joga terra sobre as almas que renunciam às paixões, ao que eles chamam vida. Há uma contradição permanente entre o mundo e as almas eleitas. Mas, também, pode-se ver que os homens, no momento da necessidade, da dor, não têm outro meio senão recorrer àqueles a quem eles feriram, abrigar-se sob o amparo daqueles que nada têm, porque tudo têm em Deus. Não há nada mais falso do que dizer que os seres que renunciam são pessoas que eludiram responsabilidades. Com a Renúncia, as responsabilidades aumentaram infinitamente. Porque antes, tinha-se a responsabilidade do mundo, da sociedade, da família: humana. Porém, esta responsabilidade muda e é transitória, dura um período e depois desaparece. Com o ato de renúncia, ao se fazerem responsáveis pela humanidade, os Filhos se tornaram divinamente responsáveis, diretores, condutores da humanidade. Seu afastamento do mundo não lhes tira nenhuma responsabilidade: têm a grande obrigação de salvar o mundo. O renunciamento para si mesmo é algo muito grande, mas o renunciamento para a salvação do mundo é uma coisa muito mais sublime e divina. Buda o disse com toda a clareza: "Vou para o Nirvana, mas meu Nirvana não será total até que todas as almas o possuam". A Renúncia, a verdadeira liberação, não pode ser mais que uma gotinha de água do oceano eterno ante o Filho porque não será total até que todas as almas a tenham alcançado. Não poderá ficar uma só alma sem ter a liberação, para que ele possa dizer: cumpri, cheguei ao fim. Se bem que o Filho não tenha contato com o mundo, quão grande é a sua responsabilidade! Mas esta responsabilidade, ideal por agora, há que acentuá-la continuamente com a vida de desapego, em ser cada dia mais perfeito, com uma oferenda cada vez mais integral. Os Filhos hão de começar conhecendo seus deveres para com a humanidade e exercitar sua alma no trabalho que lhes foi confiado de salvar o mundo. Por sua vida, sua oferenda, seu Voto, fizeram-se co-redentores da humanidade. Cristo diz continuamente a seus discípulos "os meus". Antes de voltar ao Pai, em Sua grande oração, diz: "A estes meus, recomendo-Te”. "A eles, ao povo, falo-lhes em parábolas, mas a vós, os discípulos, falo-vos diretamente". Por que faz essa distinção o Divino Mestre? Não são todas as almas iguais? Não o faz porque sejam diferentes, mas porque sabe que têm mais responsabilidades: são Seus companheiros na redenção da humanidade. "Muito será pedido a quem muito foi dado." O Filho se associou à Obra da Divina Encarnação sobre a Terra. Se tudo deixou, se rompeu com o mundo, não foi por um capricho, por um entusiasmo humano, mas para associar-se com a Divindade. Deixou as responsabilidades comuns da família, da sociedade e do mundo, mas para assumir responsabilidades maiores, superiores e divinas. Com sua renúncia, já não só tem a obrigação de ser bom, mas de ser perfeito. O jovem rico disse: "Mestre bom, que devo fazer para possuir a vida eterna?" O Mestre lhe respondeu que guardasse os mandamentos. E, quando o jovem respondeu que os guardara desde a sua juventude, Cristo lhe disse: "Ainda te falta uma coisa: vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu. Então vem e segue-me". Mas, ao ouvi-Lo, o jovem pôs-se muito triste porque tinha muitos bens e não tinha valor para deixá-los. Cristo disse estão: "Vede como são poucos os homens do mundo que podem seguir a Verdade. Mas aqueles que a seguem, esses são meus discípulos, os co-redentores da humanidade”. Os Filhos são Seus discípulos. Deixaram tudo para serem co-redentores com a Divina Encarnação, o Maitreya que virá. Mas, nem por isso os Filhos romperam com a família, a raça, a sociedade. Romperam com o aspecto material, mas não com o espiritual. Todos têm, por uma Lei Divina, uma obrigação para com os pais que lhe deram a vida e para com seus familiares, porque Deus diz em Seus mandamentos: "Honra teu pai e tua mãe". Porém, a vida de renúncia fez com que não tivessem pai nem mãe. Porque Deus é seu pai e sua mãe. Todavia, isso não tira as responsabilidades superiores e espirituais. Sublimaram os afetos da família ao terem deixado todos. Porém, desde a Santa Casa adquiriram uma responsabilidade e obrigação para com eles, porque se fizeram responsáveis por seu pão espiritual. Os Filhos que estão no mundo, por uma lei natural, têm que fazer-se responsáveis por seus pais e ajudá-los em suas necessidades quando são velhos. Mas, o Filho Ordenado tem que velar por sua salvação eterna para que eles abram os olhos à Verdade. Tem que lhes dar o pão do Espírito, honrá-los em Espírito. O que importa se o pai, a mãe, os irmãos não têm todo o necessário. A Providência dá fartamente quando oferecem seus filhos, e não lhes falta o pão: é uma lei eterna. Um filho que deixa seus pais pelo mundo comete um crime, mas se o faz por Deus, Deus os coloca sob Seu amparo. Porém, isso não tira a responsabilidade. Por isso, ele diz: "Têm saúde, mas como vai sua alma, seu Espírito?" Será possível que os pais das almas consagradas sejam cegos que se perdem no mundo? Será possível que essas almas se percam, que quando cumprida sua missão e o Filho vá trabalhar no além tenha a tristeza de não encontrá-los entre os seus, à direita de Deus? Isso tem que causar mais dor do que a falta de pão material. Às vezes, os Filhos se preocupam por ninharias que sucederam às suas famílias, afligem-se pelo que não tem importância e não se preocupam com o que é verdadeiro. Seu trabalho é: "Sinto que em minha casa haja esses defeitos, que tenham males que não saibam tirar de si. Disso eu sou o principal responsável. Como não pude fazer nada por isso? Como não me preocupei por sua salvação e redenção?" Ofereçam os Filhos o sangue, a dor e o sacrifício para a salvação dos pais. Podem morrer, mas, é mil vezes pior se morre a alma, se permanece na obscuridade. O Filho há de ir até eles em espírito e pensamento, através de suas cartas. Sua predicação não há de ser toda de amor: é preciso falar-lhes claro. Há que dizer-lhes: "Estás em um caminho errado, vives para o mundo e não para Deus". A alma consagrada não tem o medo que têm os do mundo de ver chegar a hora final para seus pais, mas lhes diz: "Já se acabou tua vida. Que não venha a morte e te surpreenda sem que te hajas preparado". O Filho não deve ter medo de que eles se vão quando tenham terminado sua missão. Suas palavras hão de ser de vida eterna. Têm a responsabilidade de dar a seus pais a salvação, se ainda são jovens. Não é que tenha que dizer-lhes que devem fazer-se Ordenados, mas sim que consigam o desapego dos preconceitos, interesses, simpatias da vida. Mostrar-lhes o egoísmo da velhice para com a juventude - que só procura e quer atar os jovens ali - sua falta de caridade ao crer que é muito mais felicidade que todos os filhos carreguem suas faltas e ataduras. Essas são as coisas que há que ensinar nas cartas, conversas, orações. Oferecer sacrifícios, se necessário, para sua salvação. É uma coisa tremenda para uma alma consagrada pensar que seus pais não estarão no número dos eleitos. Se hão de ser diretores de almas, é com eles que têm que ensaiar antes. E, se não obtêm resultado, voltar ao início, à oferenda. Pedir por sua salvação, para que abram os olhos à Verdade, para que não vão ao além e caiam no grande vazio do desespero. Bem dizia a mãe de Dom Bosco: "Estou segura de minha salvação porque dei um filho a Deus". O pai de Santa Teresinha dizia: "É muita dor não ver mais uma filha e tê-la encerrada em um convento, mas é muita felicidade dá-la a Deus e tê-la no céu". A isto têm que chegar os pais para serem dignos das almas consagradas. E, se necessário, dar-lhes algumas vezes uma boa sacudida para que se aproximem da verdade. A vocação de São Romualdo nasceu quando viu seu pai matar um primo. Foi tal o seu horror que fugiu do mundo. Foi uma alma privilegiada, porque viveu uma vida de morte mística e pôs, como coroa de sua Ordenação, a vida de ermitão. Depois de haver trabalhado no mundo, há que ser ermitão. Quando seu pai envelheceu, arrependeu-se de sua vida e, para poder salvar-se, a conselho de Romualdo, entrou na congregação de seu filho. Nesse sentido, Romualdo era intransigente: dizia que a única vida de salvação é a renúncia. Assim o demonstrou ao rei Oto. Romualdo levou seu pai ao claustro. Mas, quando teve que ausentar-se, o velhinho, que tinha veleidades, começou a fazer das suas. Finalmente, disse que estava cansado e queria voltar para casa. Foi quando Romualdo regressou e quis convencê-lo. Mas, como o pai não quisesse saber de nada, fez que o açoitassem até que o bom homem disse: "Tens razão". E lá permaneceu. Certamente que este método não é recomendável, porém, às vezes é necessário ser um pouco forte: que tirem as vaidades da cabeça e pensem em sua eterna salvação. É bom que saibam que, entre os cinquenta e sessenta anos deve-se começar a fazer o exame retrospectivo da vida, porque Deus pode levá-los a qualquer momento. As almas que renunciaram não têm, naturalmente, as obrigações da sociedade, que são também muito pesadas para os seres que devem viver no mundo. Mas, isso não tira a obrigação sagrada do rendimento. Ordenar-se não é abandonar-se, deixar-se estar. Bem se tem visto como falham as falsas vocações porque acreditam que se ordenar é despreocupar-se, não ter nada que fazer. A alma que renunciou pode produzir o dobro daquela que está no mundo porque tem um caudal de resistência, de força, que não é comum. Na Comunidade não se pode fazer os cálculos do mundo. A Ordenação tem um produto espontâneo, natural que lhe vem de Deus e da Providência. É muito necessário que as almas saibam isto: "Morto para o mundo, tenho para com ele maiores responsabilidades, porque estas não são de participação de trabalhos. Hei de demonstrar que, se sigo o Caminho da Renúncia, posso adquirir bens muito maiores, fazer trabalhos maiores e ter uma resistência muito superior. Poderei chegar a ser uma potência em todos os setores, sem participar diretamente dessa potência e havendo renunciado a colher o fruto dessa obra". Desde que começam o seminário há que ensinar aos Filhos que a morte mística não tira a possibilidade de rendimento. É uma obrigação sagrada que cada um tem com o mundo. Deve-se dizer: "Minha vida mística não me tira as possibilidades que tenho de ser útil a minha Comunidade, à obra onde trabalho e atuo e, por conseqüência natural, hei de ser útil à sociedade". Há vários pontos muito importantes que é necessário ter bem presentes. Todo mundo diz: "Uma pessoa que renunciou não pode ter rendimento porque lhe foi tirado o interesse pela vida, a satisfação nas obras". Já é desnecessário dizer que isso é falso. A vida recolhida, a União com Deus, dá uma força superior. A atuação divina no homem faz com que necessite a metade do tempo para fazer as mesmas coisas e dá uma capacidade tal que se pode dizer que se chega a fazer o que parece impossível. Por isso, há que dizer ao mundo: "Não perdi o interesse a não ser pelo que passa e é transitório, porque a vida do mundo é fantasia. Adquiri um interesse divino, porque não quero uma recompensa agora ou quando for velho. Quero a recompensa de ver que as almas são felizes. Estou contente de ver que meu trabalho pode ser de alguma utilidade aos demais. Meu interesse se duplicou". Acaso se pode dizer que uma mãe não tem interesse por seus filhos? Ela não espera nada deles. No entanto, tem o interesse de seu amor que é espontâneo, verdadeiro, real. O interesse do Ordenado aumenta, fortalece-se. Afastado do mundo pode fazer muito mais porque ensina aos homens que, vivendo para Deus, pode-se ter ainda um maior rendimento humano. Renunciou aos lucros e à aposentadoria e, no entanto, ganha para todos: para a Comunidade, para viver modestamente e para ajudar outros seres. Prepara um terreno fértil para a vida de amanhã. A Vida Espiritual não tira e sim dá interesse. "A vida espiritual de Comunidade atrofia a vontade e não se tem capacidade produtiva porque se tem gozos espirituais". Isto não é dito só pelas pessoas do mundo, mas também por muitos Filhos bons que vivem no vale. "Unicamente pensam na Observância. Esquecem tudo e não fazem as coisas como devem ser feitas". Cabe responder: o cumprimento da Observância não tira o valor do trabalho e das coisas. Se um Filho esquece é porque também falta à Observância, porque ela dá mais espírito de atenção. O não observante não cumpre. Quando se cumpre fielmente os deveres e a Observância, o pensamento está posto em Deus e não em tolices. Porque aquele que vai de olhos baixos não deixa de ver tudo o que há que ver. Cumprir o horário não impede de cumprir bem os próprios deveres. O milagre verdadeiro da Comunidade é esse: a rotina, a Observância e a paciência. Que grande valor adquire um trabalho que se deixa porque soa o sino! Se não se faz assim, o trabalho não tem perfeição nem espírito de renúncia. O Filho não vive o tempo dimensional e sim o tempo expansivo: para os Filhos o tempo não conta. Os Filhos, trabalhando metodicamente, rotineiramente, fazendo um pouco todos os dias, podem executar trabalhos que requereriam contingentes de homens no mundo, porque sua força de produção é maior, porque Deus fortaleceu seus músculos e sua capacidade para realizar o que lhes é mandado. Acontece o mesmo que com o Padre Pio, que de um convento distante, sempre orando - não podia fazer outra coisa porque tinha nas mãos as chagas de Cristo - pode levantar um hospital maravilhoso. É o milagre da vida de desapego e desprendimento absolutos. A Observância nunca pode ser a causa de não se fazerem bem as coisas. Por isso, os Filhos do seminário sejam muito atentos. Há que demonstrar na realidade que a Observância é força. Deus mandou as almas consagradas em nome da Divina Encarnação, não para terem responsabilidades sobre o mundo, mas para predicarem e dirigirem as almas: esta é sua principal obrigação.

Ensinança 14: Conquista de Almas pela Renúncia

A alma que renuncia, que se consagra a Deus, por essa consagração se faz responsável pelo adiantamento espiritual de todas as almas do mundo. Todos os seres têm uma missão e são responsáveis pelo seu cumprimento. Mas, a missão mais extraordinária e de maior responsabilidade é a das almas consagradas. Elas não têm a missão de trabalhar, de educar, de curar, disto ou daquilo. Têm uma obrigação sobre todas as obrigações: a obrigação sagrada de se dedicarem à humanidade, à salvação de todas as almas. Muitas almas dizem: "Minha vocação, o que mais me chama é poder ajudar e fazer o bem". Isso é algo magnífico: ajudar, fazer o bem aos demais. Mas, aquele que verdadeiramente quer realizar o bem tem que ser uma pessoa que saia do comum, que tenha uma capacidade, uma experiência e um método de vida que a torne capaz para esse alto sacerdócio de dirigir as almas e salvá-las. Muitos procuram fazê-lo. Porém, enquanto fazem o bem também fazem muito mal, não por má vontade, mas por ignorância, má preparação, falta de experiência e por se encontrarem então, em um mar desconhecido. O mar mais difícil é o mar das almas. Primeiro há que renunciar a esse contato direto com as almas e morrer para o mundo para ressuscitar à nova vida, aprender em Deus uma ciência e experimentá-la. Então, os Mestres os destinarão para dirigir os seres. A primeira coisa que faz falta para a direção sadia das almas é a renúncia total: a alma que deixou tudo não pode pensar se lhe agradaria dirigir uma escola ou trabalhar em um hospital ou ir como missionária a terras distantes. Isso não o pode saber nem o há de desejar. Antes de tudo, tem que se purificar a si mesma, pôr-se em condições de poder salvar e dirigir os demais, e não ver-se em situação de cometer muitos erros que causam danos e fazem perder muitas almas. O primeiro bem que os Filhos têm que fazer às almas é renunciar à direção das almas e abandonar-se inteiramente nos braços da morte mística. Não devem ter vontade pessoal alguma, porque aquele que a tem leva consigo a velha personalidade que acreditava haver deixado no mundo e que sempre retorna com o gosto de fazer isto ou aquilo. A primeira coisa é fazer um baixo conceito de si mesmo e basear o bem que se faz na mais absoluta humildade: "Quem sou eu para ter um sacerdócio, para fazer algo por outra pessoa, se ainda não soube despojar-me completamente de mim mesmo, se não cheguei ainda à grande realização dos Santos Votos?" O fundamental é abandonar-se nos braços de Deus e dizer: "A bem dizer, necessitarei de toda uma vida para aprender esse desapego que me fará apto para dirigir as almas. Quiçá no além, ao terminar minha vida". Mas, ao mesmo tempo que a alma se abandona espiritualmente, não sabe o que a Providência lhe reservou. Por isso, depois de fazer seus votos, tem que dedicar-se com afinco àqueles estudos que lhe foram recomendados; não demorar. O Filho não há de desejar o estudo, o conhecimento. Aquele que está morto não pode desejar um conhecimento determinado, mas o conhecimento que os Superiores queiram que adquira. Porque a Divina Mãe o quer para isso e não para outra coisa. Há que rejeitar todo amor ao estudo, que é o mais difícil de realizar, porque não há nada que atraia mais, sobretudo os jovens. Mas, esta rejeição do conhecimento humano abre a mente para que possa receber novos conhecimentos, uma ensinança toda nova. Amanhã, quando os Superiores o destinarem a um estudo, terá uma força muito maior. E, como deseja fazer a vontade dos Superiores - que pode ser, por exemplo, o estudo de uma só matéria - aprendê-la-á muito melhor e com uma amplitude muito maior. Porém, os Filhos hão de abandonar o estudo quando não tenham que fazê-lo determinadamente? Não, absolutamente. Todos têm que aprender, têm a obrigação de saber o mais possível, de abrir sua mente para receber o máximo de conhecimento. O bom Filho deixou seus estudos, mas sempre é aplicado ao estudo. Não só aquele que estuda uma especialidade, mas todos os Filhos: lendo bons livros, pedindo bons livros, prestando muita atenção aos livros que se lêem na Comunidade, às conferências, aos retiros espirituais, às ensinanças e, sobretudo, aplicando-se ao estudo das ensinanças durante o ano. Não se pode perder o tempo porque o fundamental nos Filhos de Cafh é o estudo. A Divina Mãe quer que se apliquem ao estudo das coisas extraordinárias, sobrenaturais, para que possam aprofundar seus conhecimentos. Porque pode ser que amanhã esses conhecimentos sejam indispensáveis; não se pode estar distraído. É uma obrigação sagrada, da qual têm que dar conta a Deus. Todos os Filhos têm o mesmo valor, a mesma possibilidade e todos têm que se esforçar. Faz falta o verdadeiro esforço, amar o estudo, não com uma aplicação furiosa, mas simples, singela: rotina e paciência, mesmo para aqueles que não têm facilidade para aprender. Há que recordar o que disse Santa Teresa: "Um bom Diretor tem que ser homem de ciência e discreto". Que seja bom e santo. A responsabilidade dos Filhos frente às almas é muito grande. Têm que experimentar em si mesmos o que hão de ensinar aos demais, como aquela valente mulher que aplicou em si mesma a vacina contra uma enfermidade infecciosa antes de aplicá-la a algum doente, para ver o resultado e a reação em seu próprio organismo. Não se pode dar conselho às almas se antes não se o aplicou a si mesmo. Os Filhos têm o dever de aplicar-se na vida interior e de exercitar-se principalmente na mística, nos exercícios de meditação e, quando lhes for permitido, de concentração, para que sua alma vá experimentando o que acontece nas almas: as obscuridades, as luzes, o bom e o mau. Para que amanhã, quando forem mandados a aconselhar e dirigir as almas, possam ir com pés firmes e fazer obra de bem. Muitos Filhos têm tido cargos diretivos que parecem estar afastados da vida espiritual e, contudo, estão perto dela, porque a vida espiritual vai a todos os que se aproximam dos Filhos. Tudo tem que ser feito com um sentido espiritual de elevar a alma a um nível superior: tirá-la da obscuridade. Ainda estar em contato com visitas é um trabalho espiritual que necessita conhecimento e experiência. Do contrário se faz muito dano, cometem-se muitos enganos, perdem-se muitas almas que têm assim que procurar em outras fontes o que não encontraram na fonte dos Filhos. Mas, a obra de salvação que os Filhos de Cafh têm de realizar é universal. Há muitas almas que clamam no mundo e elevam os olhos a Deus: "Tenho sede, ó Deus meu!" E estas almas esperam a luz que lhes há de vir das almas consagradas, porque não há pontes a não ser a das almas sacerdotais, as que estão destinadas para isso. Os Filhos têm a obrigação de responder a todas as almas. Mas, como se pode realizar esse trabalho não tendo a capacidade humana para chegar a todos os âmbitos do mundo? Cuidando perfeitamente das almas que foram destinadas a cada um. Se uma só alma lhes fosse destinada e lhe dessem todo o amor, a experiência e o conhecimento que recolheram - se fossem ensinando pouco a pouco com todo o desinteresse, sem olhar quantas são - se o trabalho espiritual for feito com perfeição, a realização dessa alma é tão grande que se expande até as almas do mundo e todas encontram seu Mestre. Se tendo um grupo de sete, se cuida desse grupo com todo amor, dando-lhe tudo o que se pode. Se se é paciente e não se trabalha com os próprios valores, mas com os valores divinos, esse trabalho é divino e se expande a todas as almas. Torna-se um trabalho impessoal, chega a todos os âmbitos do mundo, percorre todas as sendas e todos os caminhos que há sobre a Terra. Os Filhos têm que pedir incessantemente que as almas que buscam encontrem logo seu Mestre. Não hão de pensar quem são nem a cor que têm. O pensamento há de correr por toda parte como se fosse uma luz acesa, dia e noite, em busca daqueles que anseiam por um caminho. Recordem os Filhos que as almas estão famintas e não há diretores espirituais. Disse Cristo: "Muita é a messe, mas poucos os trabalhadores". Há especialidades para todos os ofícios, mas para a vida espiritual há muito poucos e, para um bom, há dez regulares, em todos os setores. Peçam sempre os Filhos à Divina Mãe, como único bem, a graça de salvar as almas: salvar ainda que seja uma só alma.

Ensinança 15: A Renúncia Permanente

O retiro espiritual é um bem dado anualmente aos Filhos para que possam tomar novas forças, voltar a pensar e sentir todos os movimentos interiores da vocação espiritual que lhes foi concedida. Em uma palavra, os dias de retiro espiritual são dias de graças verdadeiras. Nesses dias, a Divina Mãe dá, às vezes, luzes e graças especiais que fortalecem, renovam e vivificam a vocação espiritual. Outras vezes, dá uma grande aridez, insensibilidade e tristeza, também para reavivar o Espírito. Seja de devoção ou de aridez, a Divina Mãe sempre extrai dali grandes bens porque banha as almas no lago sagrado da Renúncia, quer lhes dê um abismo ou outro, o divino ou o da tristeza humana. E, sempre é em proveito da alma e de seu adiantamento interior. É a festa gloriosa ou dolorosa, mas é festa. Por isso, no último dia, é bom resumir, fazer um propósito, obter algo mais que apontamentos: algumas frases axiomáticas fundamentais para tê-las como um ramalhete durante todo o ano. O retiro espiritual é um oásis no deserto da vida humana e é necessário que, quando se chegue a ele, tenha-se sede de devoção, beba-se abundantemente dessa água que foi dada aos Filhos. Estas ensinanças têm se dedicado a intensificar o conceito e o amor ao Voto Fundamental. Foi visto como, pela consideração da ilusão de todas as coisas, do vazio das coisas humanas, a alma chega ao renunciamento. Que o renunciamento é o único caminho de Cafh e de todas as almas. O renunciamento é o caminho da salvação, da vida para a Raça futura. Uma Raça mais nobre, mais livre, portadora de paz e de felicidade para a humanidade. Mas estas ensinanças revelaram, de uma forma mais intensiva, o interior da alma porque não são as palavras exteriores as que fazem a obra, mas o que se sente no interior. O Filho vive na hora eterna. Não no tempo dimensional e sim, em um tempo único: hora eterna e de graça. A morte mística do Ordenado o colocou fora do tempo para que viva sempre em Deus e esteja em Sua Divina Presença. Quanto maior for a intensidade de seu viver frente a Deus, tanto maior será a amplitude do tempo em que vive. Porque o passado, o futuro e o presente estão resumidos nessa hora em que pode oferecer-se a Deus. Este é um tempo em que o tempo não existe. Vive-se a hora eterna. Às vezes, mesmo para os Filhos que seguem o caminho espiritual, a Verdade chega em certa hora ou em outra. Mas, quando este conhecimento chega, é compreendido em toda sua amplitude, com toda a intensidade. Não porque o conceito da Renúncia tenha sido revelado hoje ou ontem, mas porque as almas estão hoje capacitadas para compreendê-lo. Quantas vezes terão lido a ensinança do Desenvolvimento Espiritual e outras ensinanças e, no entanto, não chegaram ao coração, a não ser quando este esteve apto para recebê-las? E, quando as recebe, é como se não as houvesse conhecido nunca. É que nesse momento se viveu a hora eterna, fora do tempo. Pode-se alcançar a amplitude da Ensinança Divina e Universal. Ela sempre está ao alcance, em todos os tempos. Porém, chega ao coração quando este foge do tempo e vive a Hora Única e Eterna. Este conhecimento da grandeza da vocação espiritual colocou o Filho frente a Deus e revelou-lhe o segredo da vida que é uma perfeita simplicidade de sentimentos, de idéias e ações. Mas os homens complicam as coisas, querem encontrar soluções e esforçam-se seguindo o homem, e nada fazem. Tudo se torna morte e destruição em suas mãos. Unicamente saindo fora do tempo, pondo-se na Presença de Deus, renunciando a si mesmo, morrendo completamente, misticamente, alcança-se aquela grande simplicidade interior que é a participação da alma na Vida Divina. A Renúncia compreendida como única salvação do mundo, abraçada com os Santos Votos, vivida diariamente através dos atos e do ritmo de Comunidade, leva inevitavelmente a uma mística, quer dizer, a um determinado modo de vida expansiva interior. Faz com que a alma, ao estar morta, não deseje nem mesmo o caminho de União com Deus, nem êxtase, nem visões, nem revelações, nem gozos, nem mesmo iluminações. A alma adquire assim uma mística toda característica: a das cinzas que somente é dada pela Ascese da Renúncia e pela Mística do Coração. Não ficar com nenhuma recordação da personalidade, não ser nada mais que um punhado de cinzas posto ali, frente ao altar da Mãe Divina. Mas a alma que tomou esta mística de aniquilação aparente, vive uma vida nova, na Eternidade. Não vive no mundo onde os seres nascem, crescem e morrem, mas na Eternidade - onde os seres não morrem, não mudam, não estão sujeitos a transformações internas, causadas por seu estado fisiológico, psicológico, anímico. Vivem sempre em um mesmo estado de compreensão, iluminação e êxtase expansivo. Ali compreende e realiza o mistério divino da egoência. Não tira nem aniquila nenhum valor real, mas somente os valores ilusórios. A personalidade psíquica não é mais que uma sombra sobre a parede da realidade. Muitos Filhos não compreendem este estado de União da alma com Deus: eles crêem que é estar absorvido na Divindade. Isto não pode ser porque senão, todo o processo de evolução teria sido inútil. Se Deus é o estado absoluto onde cabem todas as coisas, nem o menor grão de areia pode perder-se. A alma tem tal assimilação com a Eternidade que vive em Deus sem que haja diferença entre Deus e a alma. Mas, tem presente, dentro da oniconsciência de Deus, toda sua existência, desenvolvida desde o momento em que Deus aparece como dualidade no Universo criado. A Renúncia é criadora de novos valores, ao rejeitar os valores estabelecidos. O nada é sempre o nada e o nada pode viver. O homem que se aniquila e renuncia, e morre misticamente, perde os valores humanos para adquirir os valores divinos, ficando como experiência e ensinando ao mundo. A Ensinança verdadeira e universal é dada a todos os seres. A ensinança dogmática é guardada pelas grandes religiões do mundo. E as grandes ensinanças são dadas pelos Mestres profeticamente a seus discípulos. Para terminar, a Renúncia, como é holocausto permanente de vida, não só é o único bem e o único meio de salvação para a alma que a abraçou, como é o único meio de ajudar o mundo e redimir a humanidade. Explicou-se com detalhes como a alma que renuncia mesmo ao bem de poder fazer o bem no mundo, faz o bem real. Reconhece como miséria seu nada, vê que nada pode fazer em realidade e que tudo quanto faz, ainda com a melhor intenção, às vezes tem um mau resultado. O dom de auxiliar a humanidade é como co-redentores de sua salvação, não como filantropos. Ninguém pode fazer nada por ninguém porque o que se faz, exteriormente, perece. A alma tem que morrer misticamente, dar seu sangue e vida. Nada exterior tem valor. Unicamente o que se dá íntima, profunda, absolutamente, tem valor. Somente a alma que renuncia a tudo e morre, e oferece sua vida misticamente, só ela pode ajudar a humanidade. Não morrendo de uma morte violenta, mas de uma morte mística: a morte de todas as horas da vida, a gotinha de sangue dada por amor. Esta visão única e divina da vocação há de trazer um fervor novo e todo renovado ao coração. Os Filhos hão de esconder-se em seu coração para poderem ali, frente ao abismo de seu nada, ser o abismo da grandeza divina, da qual foram chamados a participar, para aprender o grande segredo da Renúncia, de que são seres limitados, que são nada, que suas possibilidades são pequeníssimas. Porque a condição humana é a pequenez, o nada, o que foge, o que passa, o que morre incessantemente. Ao reconhecer esse nada por sua morte mística, compreendem, sentem, realizam - neste lugar secreto do coração - o espaço eterno, infinito e universal. Desaparece o espaço como dimensão, medida, como figura geométrica e única, e fica o espaço como intensidade, como estado divino. Encerrados em sua morte mística, em sua clausura de Comunidade, dentro do Raio de Estabilidade, realizam o Universo, todo o espaço que Deus criou desde o princípio da Eternidade até o seu final. Daqui vêem passar o tempo, as Raças, a humanidade. Vêem os ciclos se sucederem, começar uma civilização, crescer e decrescer. Porque este é o depósito divino e cósmico e só dali podem participar da Eternidade com Deus, em Sua expansão. Permaneçam ali, bem encerrados em sua sepultura mística, feitos um nada humano para serem um todo divino, e olhem o abismo do nada humano e o abismo eterno da grandeza divina onde tudo existe, vive e nada morre. Desde ali, sejam os verdadeiros co-redentores da humanidade, junto ao Grande Salvador e, dali, poderão atrever-se a olhar o porvir, tão desconhecido para os homens, mas que adquire uma claridade intensa aos olhos daquele que já não tem olhos para ver este mundo. Em verdade, os Filhos da Renúncia, chamados a esta Terra unicamente para cumprir sua missão de morte mística, foram enviados para preparar os caminhos do Grande Salvador - em uma hora terrível e difícil para a humanidade. Desde esse ano de 1945, desde esse dia de junho, todos os homens que ficaram em pé estavam destinados a ver o princípio da nova Raça. Nesse dia, prepararam ali, naquele deserto americano, a primeira bomba atômica, cuja energia se levantou aos olhos dos homens como um monstro desconhecido, avassalador que paralisava todos os sentidos. Desde esse momento, entrou-se na nova Raça. A humanidade, durante o século XIX, chegou à perfeição da investigação individual. A matéria ficou diante dela para que a analisasse, conhecesse, esquadrinhasse, no mais profundo dos segredos, o que o homem podia saber e conhecer. Tudo quanto colhe, hoje, é o trabalho feito no século passado. Os homens da individualidade, do materialismo, do existencialismo, do fenômeno, fizeram o maior dos sacrifícios que os seres podem fazer: esqueceram Deus, o Espírito. Encerraram-se em uma clausura para serem materialistas, para não conhecerem outra coisa e, ao ter somente isso, possuí-lo plenamente. Assim, deram aos homens que vieram depois, a possibilidade de entrar no campo da investigação energética. Parece que esta nova Raça possuirá toda a energia de Deus em suas mãos. Foi dado ao homem o poder imenso de dominar a energia física. O homem que se havia enclausurado no materialismo pode ali encontrar a janela pela qual sair e encontrar Deus. Porém, este homem-menino usou esta força para a morte e a destruição. Tomou em suas mãos o poder que Deus lhe dera para nascer à nova vida e, com ele, criou para si um carma de morte, desde o início. Atirou uma pedra que já não se pode deter: terá que cair. O destino da humanidade é perecer: destruição e morte. O homem, em lugar de tomar o divino dom de entrar no mundo energético com um sentido de individualidade, de bem, tomou-o como um poder coletivo, de agrupamentos e colocou sobre ele o selo da destruição e da morte. Durante estes anos - de 1945 a 1955 - o que fez o homem? O pensamento deixou de ser individual para ser tomado por um cérebro coletivo - que se poderia dizer estatal - que o utiliza para a morte. Os sábios, essas grandes almas que acreditavam na nova possibilidade de um mundo energético, são prisioneiros de uma grande potência ou de outra. Não podem escapar. O cérebro estatal os toma em suas mãos e tira-lhes todo o poder de vontade individual. E estes grandes cérebros coletivos não fizeram nada mais que produzir energia atômica, mas não para o bem da humanidade e sim em um sentido defensivo, ou seja, destrutivo. O porvir do mundo é destruição. E esta espera não é mais que um momento, em que a fera está ali, escondida, atenta para dar um salto mais longo, mais definitivo e certeiro, e destruir sua presa: a humanidade. Nestes dez últimos anos, anos de destruição para o mundo, também se tem visto surgir as forças espirituais. Logo que um perigo novo aparece, o homem estabelece defesas interiores, cria novos centros cerebrais para defender-se desse mal. Os grandes homens que prepararam no mundo o advento da nova Raça foram todos nacionais: um Gandhi, por exemplo. Amavam a humanidade, mas trabalhavam para o seu povo, para a sua raça. Hoje, há um despertar novo: os grandes homens se fazem universais, benfeitores de toda a humanidade. Surgem no mundo novos valores para contra-arrestar essa grande destruição, na qual as duas grandes potências da atualidade serão derrubadas pelas novas forças espirituais que nascem. Recordem os Filhos a visão do leão e do urso. Sobre uma meseta, à borda de um abismo, uma grande leoa estava frente a um urso de tamanho enorme, e, com artes femininas (diplomacia), procurava atraí-lo. Quando já o tinha quase ganho, procurou feri-lo no pescoço e, ao não consegui-lo, tentou fazê-lo no ventre. O urso, ao sentir-se roçar, deu-se conta. E, com suas potentes garras destruiu o pescoço da leoa. Mas, foi tal a violência do golpe que ambos caíram no profundo abismo. As duas grandes potências serão destruídas, mas uma parte do mundo se salvará. Os Filhos estão dentro da corrente de seres espirituais e sua missão não é somente de co-redentores da humanidade, mas de ajudar a salvação do resto da Raça. Pobre do Filho que diz não e volta ao mundo! Os Filhos estão construindo, com sua renúncia, as pontes de salvação. São possíveis salvadores desta Raça que está por se destruir e, ao mesmo tempo, são os que preparam a vinda do Salvador. Quanto trabalho para um punhado de homens e mulheres! Mas eles, só com o conceito de que participam desta vida divina, terão força para sobrelevar tanto peso. E, não somente isto os sustenta, como também o Amor Divino do Maitreya. Que esse amor penetre em sua matriz espiritual para que ali se geste um átomo daquela força que há de criar o corpo do Divino Iniciado. Formem idealmente essa figura divina que há de salvar a humanidade. Por muito que se faça, de nada servirá sem que Ele venha à Terra. Peçam os Filhos que Ele venha pôr Sua mão para que a destruição inevitável não seja tão tremenda. Peçam para que sejam muitos os seres que possam salvar-se. Tenham um espírito de renúncia tal que possa atrair muitas almas ao Caminho da Renúncia, que sua Ensinança induza muitos seres à Renúncia, como único meio de salvação.

Ensinança 16: Santa Francisca Romana

Não se pode deixar passar um santo retiro sem olhar para aquela ditosa Eternidade de onde vêm a mensagem, a assistência, o consolo. Essa ponte que é preciso cruzar para ir à realização do ideal - a que leva desta vida miserável à Vida Eterna - sem que nos recordemos daqueles Protetores, Santos Mestres, Guias espirituais, companheiros que nos precederam e que constantemente estendem as mãos para que os Filhos passem rapidamente. Não se pode deixar de recordar a Protetora, Santa Francisca Romana, para que sempre, com a imagem de suas virtudes sobre a Terra, possam os Filhos merecer ser seus companheiros nas Távolas invisíveis do céu. Se houve almas capazes de levar uma vida de Renúncia e de pureza que se possa não somente imitar, mas ter a força de ser semelhante a elas, por esse poder magnético que irradiaram - uma delas é Santa Francisca Romana. Nas biografias de santos, heróis e grandes homens os autores perdem de vista, às vezes, o ponto fundamental destas almas, divagando em explicações de sua vida, do que fizeram e não vão ao ponto central, não entram na alma para ver a fibra magnífica que ali se abriu. Por isso, em Santa Francisca Romana há que olhar sua virtude, seu tesouro fundamental. A virtude que se adquire sobre a Terra é o bem fundamental, algo inerente à própria natureza, que se vai desenvolvendo com as virtudes. Essa virtude central, essa qualidade essencial da alma é que dá força, e é como um centro de projeção que irradia sobre todas as almas e as vivifica. A virtude de Francisca é sua castidade, essencial, absoluta, mental, moral e física. É um dom que traz desde a Eternidade. Leva-o com ela. Ao redor dessa virtude se desenvolve sua vida, seus feitos tomam transcendência. Ela é tão Filha de Cafh! Traz consigo todos os elementos para uma perfeita Renúncia que se projetará nos séculos futuros. Esta força emana de sua castidade, de seu desejo absoluto de pureza. Pode-se imaginar o martírio de uma alma nascida para a pureza, atada à lei do matrimônio? É uma menina de nove anos. Olha o céu e diz à sua mãe: "Sou a esposa de Deus". Mas, o que sabem os pais dessas coisas? Todos dizem que são expressões de crianças. E, um tremendo dia, esta menina inocente, sem que ela intervenha em nada, é unida por laços matrimoniais a um homem que já está quase entrando na velhice que, não somente desconhece a intimidade da vida espiritual, mas que conhece toda a ciência do mal do mundo. Uma corrente de castidade e de pureza posta na lama, não em uma lama de vício, mas em uma lama humana. Não é este o primeiro martírio de Francisca? É como atirá-la à rua. Os pais não compreendem. Quando ainda em fraldas, a menina chorava ao ser tocada, segundo o testemunho de uma velha criada, depois da morte da santa. Mas, os pais riam-se disto, sem perceber que sua alma fora chamada à pureza. Todavia, por trás de tudo está o desígnio divino: "Por esse caminho chegará à plenitude do renunciamento". Não é de estranhar então que esta jovenzinha inocente, de doze ou treze anos, caia gravemente doente frente à carniçaria da vida. Vai morrer. É impossível que ela viva. Sua alma puríssima rejeita as misérias da carne. A morte será uma bênção para esta alma que, só com a presença do esposo, sente como se a morte caísse sobre todo o seu ser. Mas, Deus sempre dá à alma, outra alma que a compreenda: é sua cunhada, companheira de sua vida espiritual. Esta diz ao esposo que não se aproxime do quarto de Francisca se quiser que se salve de sua doença. Assim, longe do dilema matrimonial, começa a sentir-se melhor. No entanto, não pode curar-se; a febre a consome. Febre divina, de desejos de santidade. Até que uma noite lhe aparece Santo Aleixo e diz-lhe que tem que se sacrificar: "Deus te quer mãe. Vem dar graças a Deus. Começarás a ser mãe de família e a levar pesada cruz". Na manhã seguinte, disse à sua cunhada: "Vamos que quero levantar-me e dar graças a Aleixo porque ele disse que estou curada". Levanta-se e as duas correm a dar graças a Deus. Então, Deus lhe dá seu primeiro filho. A maternidade purifica seu sentimento. Vê, através da maternidade, uma purificação para ela. Apesar de que o casamento esteja santificado, apesar de que o Diretor Espiritual lhe diga que esse é o seu dever, sempre é seu sacrifício. Seguirá deitando sangue todas as vezes que seu esposo se aproxima dela. Porém, irá adiante para cumprir sua missão. Essa dor lhe dá filhos. Ela é flor de santidade, ainda no pecado matrimonial. Porque, por matrimonial que seja, sempre é pecado. E ela, nesse martírio contínuo de toda sua vida, obtém a fortaleza para fazer-se mãe de todos os seres. Começa a proteger todas as mulheres que vão ser mães, a sentir esse amor pelos membros doloridos de Cristo, pelos que estão doentes, com dores de morte. Suas palavras são: "Já que não pude consagrar-me a Deus em um lugar afastado, quero curar a humanidade. Deus me dá a força para que eu faça um pouco de bem no mundo". Durante anos, Francisca será o anjo de todos os desamparados e doentes. Não há doente que ela não cure com o óleo de sua lâmpada. Mas, ela há de ser a imagem de martírio vivo de castidade. Durante toda sua vida sofrerá por não poder voltar à pureza de sua infância. O Senhor lhe deu, como missão, ser mãe. E ela pagará, sob o peso do pecado matrimonial, pelo pecado de todos os seres. Cristo lhe diz: "Hás de pagar por aqueles que fazem o mal. Eu te quis por esposa para que sejas mãe de todos os meus". De três filhos, dois morrem e um é levado como refém pelos inimigos políticos de seu marido que pertencia a uma das principais famílias da cidade. Tudo se desmorona ao seu redor. Todas as dores que pode ter uma mãe de família, ela as padece. Porém, sua força interior permanece viva, nítida. Deus lhe tira os filhos, mas lhe dá um anjo que a acompanha durante toda a sua vida. O próprio filho lhe aparece para dizer-lhe que lhe mandará um companheiro que sempre estará com ela. Finalmente lhe devolvem Batista, seu único filho vivo e também seu esposo, maltratado, dolorido, arruinado, para que ela possa seguir sua obra de santificação das almas. Diz um autor desse tempo que por onde ela passava, os pobres beijavam o solo e ajoelhavam-se para beijá-la. Chamavam-na o Anjo de Deus. Quando se eleva em êxtase, Cristo lhe diz: "És mãe de teus filhos e esposa, mas aqui em cima serás minha esposa, pois cumpriste a vontade que eu te impus". Quando seus êxtases são prolongados, seu corpo tem o aspecto do corpo de uma virgem. "Parece uma virgem do Senhor", dizem suas companheiras. Passam-se anos e anos de martírio. Seu esposo é um ancião doente e ela o atende com amor. Pede-lhe que a deixe em seu pequeno quarto: ela já cumpriu sua missão humana. Mas, o homem obstinado lhe diz: "Quero a esposa que Deus me deu". E o confessor lhe diz que esse é seu dever. Todas as vezes que seu esposo a toca, vômitos de sangue saem de sua boca. Julgam que vai morrer, mas Deus a deixa sobre a Terra. Francisca há de ser imagem de suma renúncia, de castidade, de cumprimento do dever. Até que um dia o esposo a olha e diz: "Como é que Deus me deu uma companheira tão inútil! É melhor então que te vás com Deus". Compreende enfim que é uma santa. Nesse dia, ela se eleva em êxtase. Já nada poderá interferir entre sua carne viva e sua carne que resiste. Magnífica filha de castidade que coube às Filhas como protetora. Alma, sobretudo, castíssima, é como se quisesse dizer: "Padeci muito. Toda a minha vida sonhei reunir virgens a meu redor e o consegui. Não quero que sofram o que eu sofri. Quero que estejam bem protegidas aqui, cuidando a flor magnífica que o Senhor lhes deu. Embelezem-na com a vida interior afastada, com a Observância e, sobretudo, com o renunciamento que é castidade, divindade, coroa de todas as virtudes: uma castidade sobrenatural". Olhem os Filhos muitas vezes para sua Protetora, não quando há tentações, já que, na Casa da Divina Mãe, as tentações quase não existem - mas, quando há tentação carnal de ira, gula, preguiça, indolência. Olhem Francisca, o anjo que a acompanha, ela que é a expressão castíssima de uma vida pura, santa e, em seguida, sua potência de força virá a eles, comunicar-se-á a eles, dar-lhes-á uma força nova. Creiam os Filhos que são muitos os dons que Deus lhes deu, porém há um que é o maior de todos: o de poderem manter-se puros e dizer: "Ego sum sponsa tua”. Não há bem tão grande nem sublime, pois até os seres que vivem no lodo o reconhecem. Seja este dom a oferenda segura de sua renúncia total, de seu triunfo. Seja este dom divino, a mão santa de Francisca que a estende e convida-os a cruzar a ponte desde a vida até a Eternidade. Cuidem as esposas de Cristo de sua coroa, que é a castidade. Guardem este tesouro que o Senhor lhes deu, pois com este dom, percorrerão o Caminho.


INDICE:

Ensinança 1: A Renúncia é o Caminho de Cafh
Ensinança 2: Meditação sobre a Morte

Ensinança 3: Presença na Hora Eterna
Ensinança 4: A Morte Mística de De Rancé
Ensinança 5: Efetividade Possessiva da Renúncia
Ensinança 6: O Vencimento do Sono
Ensinança 7: A Renúncia como Salvação
Ensinança 8: A Mística das Cinzas de São Paulo da Cruz
Ensinança 9: Automatismo Liberador da Renúncia
Ensinança 10: Os Bens da Renúncia
Ensinança 11: O Valor Único da Renúncia

Ensinança 12: Os Discípulos Tibetanos
Ensinança 13: A Renúncia como Holocausto
Ensinança 14: Conquista de Almas pela Renúncia
Ensinança 15: A Renúncia Permanente
Ensinança 16: Santa Francisca Romana

 

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